'Meu interesse é sobre riscos à privacidade', diz Michal Kosinski

Ao Estado, pesquisador polonês explica seus estudos e admite que uso de reconhecimento facial também pode ter usos positivos

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Por Bruno Romani
Atualização:
Próximo estudo de Kosinski tentará entender entre os rostos das pessoas e suas visões políticas Foto: GORM K. GAARE

Para Michal Kosinski, “defender sua tese” não é uma mera descrição de atividade acadêmica. Desde a eclosão do caso Cambridge Analytica, ele tenta se esquivar de críticas sobre a ética e a qualidade de suas pesquisas. Na conversa, ele explicou seus estudos em tom defensivo e admitiu que o reconhecimento facial também pode ter usos positivos. 

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Qual é a conexão entre psicologia e reconhecimento facial?

Sou psicólogo, mas meu interesse é sobre riscos à privacidade. Empresas e governos estão usando o reconhecimento facial não apenas para identificar pessoas, mas também para identificar suas características e estados psicológicos. O uso dessas tecnologias causam sérios riscos à privacidade. Assim como fazem governos e companhias, eu não estou interessado em compartilhar os detalhes dessa tecnologia, ou o quão precisa ela pode ser. Mas um acadêmico tem uma obrigação ética e moral de ver como essas tecnologias são potencialmente perigosas.

Por que você fez a pesquisa para prever com reconhecimento facial a sexualidade das pessoas?

Eu já demonstrei outros riscos à privacidade. Eu demonstrei que se você seguir os likes no Facebook é possível determinar personalidade, inteligência, orientação sexual, visões políticas, entre outros. Quando alertei sobre esses riscos, as pessoas também não deram bola. Elas riram dos meus resultados, fizeram piadas. Três anos depois, todo mundo aprendeu sobre a Cambridge Analytica, e como eles usaram exatamente o teste de personalidade sobre o qual eu alertei. De repente, todos começaram a me tratar com seriedade e de alguma forma a me acusar de que isso seria minha culpa por ser o primeiro a alertar sobre o problema, esquecendo-se de que não sou o autor dessa tecnologia. Estamos numa situação parecida aqui. Há patentes de startups em todo o mundo descrevendo como pegar fotos de pessoas e detectarem suas características íntimas. Novamente, as pessoas reagiram ofendidas sem entender que peguei uma tecnologia existente e alertei para os riscos. 

É por isso que você não gosta de falar de Cambridge Analytica?

Eu não tenho problemas em discutir na Cambridge Analytica. É que de alguma maneira as pessoas supõem que eu tenho algum conhecimento secreto sobre como a Cambridge Analytica opera. Não tenho! A única conexão é que eu estava alertando sobre a mesma tecnologia que a Cambridge Analytica acabou usando. A outra conexão é que a Cambridge Analytica me procurou e fez uma oferta para trabalhar para eles. Eu recusei, disse não. Não sei os detalhes do que eles fizeram. Os únicos detalhes que eu sei, eu li na imprensa. Então, não é que eu não goste de falar. É que eu não tenho informações privilegiadas. Infelizmente, as pessoas cometem erros e matam o mensageiro. O raciocìno é: o Kosinski estava falando sobre isso, então é culpa dele. Meio que me acostumei com isso, mas é um pouco triste. Em relação ao reconhecimento facial e orientação sexual, passei o último ano me defendendo e sendo atacado por apontar os riscos. É um caso clássico de matar o mensageiro.

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No caso do reconhecimento facial, você ficou surpreso com a reação das pessoas?

Não, nem um pouco. É muito claro que somos muito ocupados e que temos atenção limitada. Também entendo como o ciclo das notícias funciona. Eu sei que a primeira onda de jornalistas, que escreveu sobre o estudo da orientação sexual, nesse caso os jornalistas da Economist, passou bastante tempo lendo a pesquisa. Então, eles me escreveram e tentaram entender a questão. A segunda onda de jornalistas, que não teve tempo de ler, passou a tratar com manchetes dramáticas - claro que se eu lesse uma delas, eu também ficaria irritado e ofendido. Ninguém deveria estar fazendo isso.

Como você explica as semelhanças faciais no mesmo grupo demográfico?

Eu peguei o algoritmo de reconhecimento facial e apliquei a milhares de héteros e gays. Os meus resultados mostram que gays, na média, são mais parecidos com outros gays do que com héteros. Ninguém ficaria surpreso com os resultados. Existem outros experimentos com diferentes grupos demográficos. Os rostos de liberais, por exemplo, são mais parecidos com os rostos de outros liberais do que de conservadores. Rostos de pessoas extrovertidas são mais parecidos com o de outros extrovertidos do que de introvertidos. As diferenças e semelhanças são muito pequenas. Para seres humanos, é muito difícil detectar isso. Mas o algoritmo de reconhecimento facial é tão sensível que pode fazer previsões extremamente precisas. O estudo não tenta entender o que causa semelhanças entre os gays ou entre os héteros. Mas há três mecanismos que trabalham paralelamente para isso. 

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Quais são esses mecanismos? 

O primeiro é o fato de que características psicológicas, como a orientação sexual, afetam as nossas faces. O exemplo mais simples é o que vestimos. Se eu costumo sair com o mesmo grupo de pessoas, desenvolvemos uma maneira de se vestir, o que cria um estilo coletivo. O segundoé de que há alguns fatores profundos que afetam tanto as características psicológicas quanto as nossas faces. Nesse caso, eles podem ser fatores mentais, hormonais, genéticos etc. Sabemos que pessoas que têm genes similares, têm rostos similares. Sabemos que pessoas que foram expostas a níveis hormonais similares têm rostos similares. Se você tem mais testosterona, você será mais dominante socialmente, mas isso também afeta a aparência do seu rosto. Mudará a distribuição de colágeno na pele, mudará a densidade dos pelos faciais, causará calvície com o passar do tempo… A terceira camada que é a sua face pode afetar suas características psicológicas - e eu não acho que isso acontece em termos de orientação sexual. Mas pense em outras características.

Quais seriam elas, por exemplo?

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Quando as pessoas têm faces dominantes, que outras pessoas percebem como dominantes, como mandíbula larga, as pessoas passam a tratar esses indivíduos como dominantes, que passam a se comportar de acordo com isso com o passar do tempo. Se durante um longo período você for tratado como dominante, isso afetará o seu comportamento. De fato, seria uma afirmação extraordinária dizer que as nossas características psicodemográficas não são refletidas pelas diferenças em nossas faces. Aposto que se você andar na cidade onde mora e olhar para a cara das pessoas, você consegue com alguma precisão adivinhar qual partido representam, qual sua classe social, qual é o seu nível educacional. Estamos acostumados a esse julgamentos e fazemos isso com certa precisão. Seria uma afirmação extraordinária dizer que fazemos isso para gênero, para emoções, para classe social, para visões políticas, para educação, mas que claramente para orientação sexual isso não funciona.

Você já foi procurado por governos ou startups conectadas a governos para desenvolver esse tipo de tecnologia?

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Sim. Sempre nego: não tenho interesse em trabalho comercial. Sou acadêmico e é nisso que reside meu interesse. É possível imaginar muitos usos positivos para o reconhecimento facial – prever a orientação sexual não é uma delas. A mesma tecnologia que é usada para invadir a privacidade das pessoas poderia ser usada para monitorar a saúde, de maneira ética, com consentimento. Se você mora num país desenvolvido, então você tem acesso a médicos. Para você, a tecnologia não muda o jogo.Para alguém que está em um país pobre, um aplicativo que pode ver a sua face e detectar problemas de saúde pode salvar vidas. 

Qual é a sua próxima pesquisa? 

Achar conexões entre rostos e características psicodemográficas é parte do meu trabalho. Meu próximo estudo será sobre relações entre aparência e visões políticas: entender como a dominação facial pode ajudar indivíduos a se tornarem liberais ou conservadores. Não é algo totalmente relacionado, mas podem existir fatores manifestos na face que são importantes para a saúde psicológica.

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