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Na internet, as mulheres também ganham menos que os homens

Pesquisa feita com 2,8 mil produtores de conteúdo no Brasil aponta que as influenciadoras mulheres ganham 20,8% a menos do que os homens no meio digital

Foto do author Bruna Arimathea
Por Bruna Arimathea
Atualização:
Nanda Padilha é youtuber de games, setor onde os homens ganham quase o dobro que as mulheres Foto: Nanda Padilha

Nanda Padilha sempre gostou de videogames. Quando criança, era a única menina da turma da escola que passava horas em frente aos consoles depois da aula. Hoje, aos 35 anos, a gaúcha já foi costureira, manicure e atendente de call center, mas hoje é com os games que ela faz sua renda. Formada em Design de Games, ela faz vídeos e transmissões de suas partidas no YouTube. Mas, todos os dias, quando liga o computador para trabalhar, ela tem de superar mais uma barreira: a disparidade de estar em mais uma das muitas áreas onde, financeiramente, as mulheres recebem menos que os homens. 

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Segundo pesquisa recente realizada pela consultoria Youpix e a empresa especializada em marketing de influência Squid, as influenciadoras digitais ganham cerca de 20,8% a menos do que os homens no setor. Intitulada "Machismo, Sexismo & Equidade no Marketing de Influência", foi realizada com 2814 influenciadores e trazia perguntas como rendimentos mensais, quantidades de campanha nas redes sociais e valor de publicações no Instagram, por exemplo. 

Mesmo representando a maioria dos profissionais que trabalham em carreiras digitais—quase 80% dos participantes da pesquisa eram mulheres— , elas ainda saem em desvantagem na remuneração. E a área com maior diferenciação na remuneração entre gêneros foi o de cultura nerd/geek e tecnologia, justamente na qual Nanda trabalha. Nesse segmento, os influenciadores homens ganham, na média, o dobro que as mulheres. Para a youtuber, com quase 29 mil inscritos em seu canal, a credibilidade é o principal argumento. 

“Se tem um produto usado por um streamer (alguém que faz transmissões de partidas) homem, a sensação de boa parte do público é que ele tem mais propriedade para falar do produto só por ser homem”, diz Nanda. “A marca que busca credibilidade vai pagar mais por isso, é um empecilho bastante grande no nosso meio.” 

Para Isabela Ventura, presidente executiva da Squid, o levantamento mostra um cenário diferente do que o imaginado sobre o mercado de influenciadores. “Por ser um mercado mais novo, a gente acreditava que essa diferença entre gêneros não fosse ser uma realidade. Surpreende esse mercado ‘jovem’ ter uma postura também conservadora”, diz. No fim das contas, os valores são muito parecidos com os de “profissões comuns” – no Brasil, a disparidade salarial entre homens e mulheres é de 20,5%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), feita pelo IBGE com dados referentes a 2018. 

Professora da Digital House, centro de estudos especializado em redes sociais, Hendy Almeida acredita que a diferença de remuneração está dividida em duas etapas: a contratação e o reconhecimento profissional. “Durante a fase de contratação, existe a oportunidade da mulher demonstrar o seu potencial e colocar seu preço e condições para assumir aquela posição. Durante sua jornada na empresa, a importância é de se posicionar constantemente”, diz. Para Hendy, “apesar de ser moderno, o meio digital ainda tem o desafio de quebrar o conceito de que mulher só se comunica com mulher.” 

Tema velado

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Em algumas áreas, a disparidade nos valores pagos por marcas para produtores e produtoras de conteúdo é um tema tácito. É o caso do setor de moda e beleza, afirma o influenciador Abner Almiro – formado em Contabilidade, ele tem um canal que dá dicas de cuidados com cabelos crespos, como o dele. Com mais de 50 mil seguidores no Instagram, ele conta que percebe, nos bastidores de campanhas que participa, que ganha mais que as colegas mesmo tendo menor potencial de alcance que elas.

“É algo que está enraizado na sociedade. Há mulheres com potencial e influência muito grande, mas que ganham menos do que eu ganho em campanhas que fazemos juntos”, diz o influenciador, de 22 anos. “Muitas vezes, prefiro não comentar o tema para não fazer com que elas se se sintam desvalorizadas, mas é uma situação triste.” Segundo Abner, essa é uma posição que muitos colegas partilha, mas também não expõem por medo de serem prejudicados no futuro. 

Em um ambiente repleto de demandas em relação a padrões de beleza, dizer não a um trabalho pode significar um corte considerável no fim do mês. “Levantar essa bandeira traz o risco de você não trabalhar mais para as marcas. Afinal, no fim das contas, a marca sempre pode ir procurar outro influenciador que aceite o trabalho”, afirma. 

Exceção à regra

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Mas há setores do mundo digital em que as mulheres também têm maior reconhecimento que os homens. Segundo a pesquisa do Youpix e da Squid, em áreas como saúde e finanças, o rendimento das mulheres pode ser até 103% maior que o dos homens. Para a produtora de conteúdo de finanças Carol Sandler, que tem 116 mil inscritos no YouTube, isso acontece porque as mulheres conseguem dar uma visão mais abrangente em áreas mais técnicas. 

“O fato de eu ser mulher não faz com que eu só fale para mulheres. Tem a ver com o contexto, a escolha dos temas, a linguagem. Quando um público iniciante vai procurar informação sobre finanças, vai procurar alguém que não fale termos complicados logo de cara”, diz ela, que afirma que a inspiração para começar a produzir conteúdo foi justamente o mundo digital. 

Influenciadoras de finanças, como Carol Sandler, são exceção à regra e recebem mais que os homens Foto: Carol Sandler

“Quando eu comecei, em 2012, vi muitas jovens endividadas por quererem consumir como as blogueiras da época. A audiência dos sites de finanças era 80% masculina, então percebi espaço para meu tipo de conteúdo”, conta Carol, que é jornalista e também tem um blog sobre o tema, no qual fala tanto para homens quanto para mulheres. 

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Na visão de Bia Granja, fundadora do Youpix, o levantamento serve não só como um mapeamento, mas também pode ajudar os produtores de conteúdo a somar forças para mudar esse cenário. Aumentar o número de áreas em que a equidade de gênero existe pode levar tempo, segundo ela, mas o trabalho precisa começar agora. “Esse é um mercado com muitas pessoas. Quando mais gente se colocar como agente de mudança, mais chance existe das coisas ficarem igualitárias. Como o mercado é novo, as bases não estão formadas”, diz ela. “Há uma chance de ouro para fazermos mudanças enquanto é tempo.” 

*É estagiária, sob supervisão do editor Bruno Capelas

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