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Na quarentena, Uber Eats vira bar ilegal improvisado

Serviço de entrega de refeições não permite entrega de bebidas alcóolicas em diversos Estados americanos, mas isso não impede que seja usado como um balcão de bar ambulante

Por Faiz Siddiqui
Atualização:

Aqui em São Francisco, o Uber Eats se tornou um bar clandestino móvel durante a pandemia do coronavírus, com entregas de copos e taças de mimosas, margaritas e mai tais. O único problema é que o aplicativo proíbe as entregas de bebida alcoólica na maioria dos mercados em que opera.

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Restaurantes em má situação têm vendido drinques caros para viagem desde que a Califórnia e outros estados relaxaram temporariamente as regras de venda de bebidas alcoólicas durante a pandemia global. Para alguns aplicativos de entregas como DoorDash e Postmates, que já permitiam a venda de álcool nas suas plataformas e contam com sistemas incorporados de verificação da idade do cliente, a novidade abriu um mercado: entregas de coquetéis preparados por restaurantes.

Mas, nos EUA, o aplicativo do Uber Eats está programado para a venda de bebidas alcoólicas somente na Flórida e em um pequeno número de mercados menores. Em outros lugares onde a venda de bebida alcoólica não fazia parte dos negócios do Uber, os entregadores não recebem instruções de como proceder, em alguns casos deixando bebidas alcoólicas em embalagens ilegais na porta do endereço de entrega, sem jamais interagir com o cliente. Nos bares e restaurantes de Nova York, Baltimore e outras cidades, coquetéis prontos estavam disponíveis nos pedidos do Uber Eats, apesar das regras da empresa.

Na quarentena, Uber Eats faz delivery de bebidas alcólicas nos EUA Foto: Jason Reed/Reuters

Evan Bould, 32 anos, descobriu um restaurante local que parecia bem cotado no Uber Eats em Austin, Texas, e pediu uma margarita de lima com seu hambúrguer. De acordo com ele, receber na porta de casa uma garrafinha de tequila pregada a um copo com mistura pronta para margarita pareceu um pouco informal demais – mesmo na era das entregas sem contato. “Parecia fácil demais", disse ele.

O Washington Post pediu meia dúzia de coquetéis via Uber Eats na região da Baía de San Francisco na semana passada. A maioria das bebidas chegou pronta para o consumo em copos transparentes de plástico, violando as diretrizes para a entrega de bebidas alcoólicas definidas pelas autoridades estaduais. Os copos de plástico tinham aberturas para canudos na tampa, orifício selado com fita adesiva. E os entregadores deixaram as bebidas na porta, sem verificar a identidade dos destinatários. As bebidas foram pedidas avulsas, sem comida.

Se for apurado que um restaurante forneceu álcool a um menor ou a uma pessoa embriagada, o estabelecimento e o entregador envolvidos podem ser processados criminalmente, de acordo com o Departamento de Controle de Bebidas Alcoólicas (ABC) da Califórnia. O Uber e outros serviços de entregas se dizem plataformas destinadas a facilitar transações, empregando prestadores de serviços independentes como intermediários. Depois de indagado a esse respeito pela equipe do Washington Post, o Departamento de Controle de Bebidas Alcoólicas da Califórnia disse que investigaria a questão.

A porta-voz do Uber Eats, Meghan Casserly, disse que a empresa removeu as ofertas de bebidas alcoólicas dos restaurantes identificados pela reportagem do Post e está revisando os cardápios para garantir que as ofertas estejam em conformidade com suas políticas. A empresa mencionou uma possível confusão em relação às suas regras em meio a um ambiente em rápida transformação, mas disse que a responsabilidade final é dos restaurantes que oferecem bebidas alcoólicas fora do modelo acordado.

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“Ainda que as leis e regras estejam mudando rapidamente durante essa pandemia, é importante destacar que, no momento, o Uber Eats não permite a venda de bebidas alcoólicas na Califórnia e, portanto, levamos muito a sério esse tipo de denúncia", disse Meghan. 

“Estamos enviando orientações aos nossos restaurantes parceiros para lembrá-los de nossas políticas de entrega de bebidas alcoólicas e a importância da conformidade com as leis de comercialização das mesmas. Se os restaurantes estiverem buscando deliberadamente brechas na nossa política ou agirem de má fé, medidas serão adotadas, entre elas a exclusão de itens do cardápio e até de restaurantes da plataforma Uber Eats."

Na conta do entregador

O novo coronavírus criou uma imensa demanda por aplicativos de entrega de comida, como Uber Eats, Postmates, DoorDash e Caviar. As ordens de confinamento em casa mantiveram os clientes presos aos aplicativos de entregas como única forma de fazer pedidos em seus restaurantes favoritos.

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Mas a acentuada alta no movimento também está revelando mais fissuras na capacidade do Uber de vigiar seus aplicativos. A empresa destaca constantemente seu status de plataforma que dá oportunidades a motoristas e entregadores, mas faz pouco dos episódios de abuso das regras envolvendo seus aplicativos.

Ala Benotman, 27 anos, entregador de aplicativos como Instacart, DoorDash e Caviar que já trabalhou anteriormente para o Uber Eats, disse ter ficado frustrado ao ver que entregadores do Uber eram colocados em posição de receber a culpa por uma falta de supervisão que pode resultar no seu envolvimento em crimes. Disse que a situação sublinha o quanto os entregadores devem ser vigilantes em um ambiente no qual as empresas não estão preocupadas com a situação deles.

“Nós é que somos responsabilizados perante a lei por causa dessas irregularidades", disse ele. “A responsabilidade de verificar a identidade e idade do cliente deve caber ao aplicativo do Uber. ... É uma responsabilidade da empresa, e não do entregador."

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Existentes nos EUA, mas não no Brasil Postmates, DoorDash e Caviar são alternativas que permitem a venda de bebidas alcoólicas, mas monitoram atentamente o uso de seus aplicativos, chegando a exigir dos entregadores que digitalizem o documento de identidade do cliente, recolham assinaturas e transportem as bebidas alcoólicas em segurança para não incorrer em violações da lei que proíbe recipientes abertos nas ruas. No Postmates, por exemplo, exige-se dos vendedores que coloquem seus produtos alcoólicos em um portal específico, que requer automaticamente uma verificação de identidade quando esses produtos são selecionados.

Mattie Magdovitz, porta-voz do DoorDash e do Caviar (pertencente ao DoorDash), disse que embora os coquetéis prontos sejam uma novidade nos aplicativos, foram necessárias mudanças mínimas nesses aplicativos, pois já estavam configurados para a entrega de bebidas alcoólicas. Os aplicativos deixaram de lado a exigência de uma assinatura para incentivar as práticas de distanciamento social, evitando o toque, mas a digitalização dos documentos permanece. O Postmates instrui os entregadores a não fazerem a entrega a menores de 21 anos nem a clientes que pareçam bêbados, e as entregas dependem da presença do destinatário.

As empresas mais responsáveis trabalharam diretamente com o governo estadual para desenvolver sistemas capazes de garantir a conformidade com as regras, disse Jacob Appelsmith, diretor do Departamento de Controle de Bebidas Alcoólicas da Califórnia, autoridade estadual que goza de uma ampla gama de poderes de policiamento. Ele não quis identificar as empresas em questão./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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