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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|Nazistas do pão e circo

A praça pública, onde discutíamos questões relevantes, se perdeu num mar de distrações

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Atualização:
Monark recentemente defendeu o nazismo ter um partido político Foto: Reprodução / Youtube

Esta é uma coluna sobre o Partido Nazista — mesmo que não pareça. Toda filosofia que temos para refletir a respeito de liberdade de expressão parte do pressuposto de que há uma barreira de entrada para alcançar um público grande. Sempre foi difícil chegar lá. Hoje exige apenas a compra de um aparelho celular. E quem decide o alcance de uma mensagem não é um ser humano. É um programaque privilegia incentivar conflitos. Nos séculos 18, 19 e 20, o tempo de existência das democracias, levar sua opinião a muita gente era uma corrida de obstáculos. Só quem conseguia falar com muitas pessoas eram aqueles que desenvolviam uma ou mais capacidades. Estudavam muito, ou sofisticavam suas habilidades políticas, ou desenvolviam um carisma quase mágico. Só que quando as coisas mudam precisamos nos readaptar. A filosofia que temos para refletir sobre a liberdade de expressão se baseia numa premissa que não existe mais. Não adianta falar que maus argumentos serão derrotados. Isso era no tempo em que havia tempo. Hoje maus argumentos ficam, contra-argumentos não chegam e nos distraímos com o primeiro biquíni após o segundo nazista. Não há mais o mercado em que ideias disputam espaço. Foi substituído por um mercado de distrações de um minuto ou menos. Democracias continuam necessitando de um debate público que incite reflexão, que dê tempo ao amadurecimento de ideias, que convoque as melhores mentes a argumentar na praça pública. Quando todos estão distraídos, onde é que discutimos ideias? Passamos a semana discutindo a possibilidade de o Partido Nazista ser legal no Brasil. Há algum nazista requerendo tal autorização? Não. O que há é um gamer bêbado que gosta de chocar e fala com milhões. Um ex-BBB que decidiu fazer a saudação romana em rede nacional. E um deputado que, apesar da boa atuação parlamentar, fora da Câmara brinca de MBL, aquele movimento de trintões de direita que fingem adolescência no celular. O que isso tem a ver com o Brasil? Nada. Os problemas do Brasil são que matamos jovens pretos numa proporção abominável, a fome arde, a inflação atingiu níveis preocupantes e, ora, há um fascista de verdade na presidência. Este não é um debate sobre liberdade de expressão. Nosso problema é outro: a praça pública, onde discutimos as questões da sociedade, se perdeu num mar de distrações. Na perda da Ágora ateniense, voltamos à Roma imperial. Neste tempo de pão e circo, periga descobrirmos que o século 20 era mais moderno que o 21.

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