No YouTube, a era das celebridades mirins

No Brasil, entre os dez canais de vídeo na web com maior número de visualizações e seguidores, dois são produzidos para crianças

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Por Redação Link
Atualização:

Tiago Queiroz/Estadão

 

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por Matheus Mans e Bruno Capelas

É num quarto rosa e cheio de brinquedos que Amanda Carvalho mostra os novos acessórios que comprou para sua Reborn, uma boneca hiper-realista. A garota, porém, não está mostrando seus produtos apenas para amigos da escola ou familiares. Quase 4 milhões de pessoas assistiram o momento, que foi compartilhado em seu canal no YouTube, o Vida de Amy. Com 200 mil inscritos, a página de vídeos fez com que Amanda se tornasse uma celebridade instantânea para outras crianças e virasse um dos principais nomes entre os ‘youtubers’ mirins do País.

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Amanda nasceu há 11 anos, na mesma época em que o YouTube era fundado nos Estados Unidos. Apesar de dizer que ama novelas e que assiste “o Programa Silvio Santos todos os dias”, a ‘youtuber’ faz parte de uma geração que cresceu com a plataforma de compartilhamento de vídeos, comprada pelo Google em 2006 por US$ 1,65 bilhão. Não é à toa que o maior ídolo da garota não seja a Xuxa ou qualquer outro ícone da TV, mas a ‘youtuber’ Kéfera Buchmann, do canal de vídeos 5inco Minutos.

Hoje, cinco entre os 10 principais ídolos das crianças e pré-adolescentes brasileiros são estrelas do canal de vídeos – é o que mostra uma pesquisa recente feita pela consultoria Provokers para o Google e o Meio & Mensagem. Celebridades virtuais como Felipe Neto e Kéfera aparecem à frente de astros como os atores Juliana Paes e Rodrigo Lombardi.

Nos EUA, a situação é a mesma: as cinco principais celebridades para o público infantojuvenil são do YouTube, segundo pesquisa da revista Variety. Além disso, o canal foi a sétima marca mais adorada por crianças de 6 a 12 anos nos EUA em 2015, segundo dados da consultoria Smarty Pants, à frente de Nickelodeon, Disney e McDonald’s.

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No Reino Unido, pela primeira vez na história, crianças já passam mais tempo online do que vendo TV. “Com maior acesso à internet de banda larga, os vídeos estão ficando mais populares em todo o mundo, inclusive no Brasil”, diz José Calazans, analista de mídia da Nielsen.

No Brasil, entre os dez canais com maior número de visualizações, dois são infantis: o Tototoys Kids, em sétimo lugar, com mais de 1,1 bilhão de visualizações; e a Galinha Pintadinha, que lidera a lista, com 2,8 bilhões de visualizações. Segundo colocado e feito por atores como Fábio Porchat e Gregório Duvivier, o Porta dos Fundos tem 600 milhões de visualizações a menos que a personagem infantil.

Inspiração. “Ter canais no YouTube estimula as crianças a realmente curtirem a infância”, diz a “youtuber” de 26 anos Luísa Clasen, a Lully do canal Lully de Verdade. Abordando temas como cinema e comportamento, Lully tem grande interação com pré-adolescentes e jovens. Para ela, a produção dessa faixa etária na rede de vídeos é positiva. “Há dez anos, as crianças tinham adultos como exemplo na TV. Hoje, podem se inspirar em outras crianças, sem sofrerem a pressão de querer crescer logo.”

O próprio YouTube reconhece que as vontades evoluíram. “Vemos a presença de crianças e adolescentes no YouTube como algo natural, como resultado do surgimento de novos ídolos”, diz a empresa, por meio de nota. “As crianças e jovens de hoje querem fazer parte da produção do conteúdo que consomem. Não querem mais assistir passivamente aos conteúdos envelopados.”

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Para a diretora-executiva do Instituto Educadigital, Priscila Gonsales, “o ‘youtuber’ é gente como a gente. É uma forma de mostrar como as pessoas que fazem sucesso não estão tão longe das pessoas comuns.”

O caminho de Amanda para se tornar ‘youtuber’ é um exemplo. A mãe, Sheila Carvalho, reparou que ela sempre ficava assistindo vídeos quando tinha algum tempo livre. “Ela acabou descobrindo a figura do ‘youtuber’ e resolveu que queria fazer isso também”, diz a mãe. A decisão ocorreu há quatro anos, quando Amanda ainda conseguia contar sua idade com os dedos das mãos. Inconformada com o fato de que a filha queria expor sua vida em um site de vídeos, Sheila demorou dois anos para aceitar a ideia.

“Minha mãe só deixou fazer o canal no comecinho de 2014”, comenta Amanda. “Demorou, mas eu consegui convencer.” A força de vontade de Amanda em se tornar “youtuber” deu certo – e faz com que outras crianças queiram ter seus próprios canais.

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Pedro Henrique Carvalho, de 11 anos, apesar de não assistir ao Vida de Amy, é fã de vídeos do jogo Minecraft e de outros games. Com ajuda do pai, Pedro resolveu montar um canal para testar games antigos, como The King of Fighters 97 e Castlevania: Symphony of the Night. “Gosto bastante de ver o YouTube, principalmente antes de ir para a escola”, comenta. O que inspira o garoto, no entanto, não é a fama nem um potencial ganho com anúncios em seu canal. “Não quero ficar famoso nem rico. Quero mostrar jogos. Ter mil inscritos já está bom”, conta ele.

Exposição. A relutância inicial da mãe de Amanda é a mesma de muitos outros pais e responsáveis por ‘youtubers’ mirins: a superexposição. Afinal, ao publicar um vídeo seu na rede, a pessoa perde o controle sobre ele – independentemente de os pais tomarem conta do canal ou se responsabilizarem pelo conteúdo.

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“Você não sabe quem vai assistir”, diz a pesquisadora Bia Rosenberg, que foi diretora de programação infantil na TV Cultura nas décadas de 1990 e 2000, participando de programas como Castelo Rá-Tim-Bum e Cocoricó. “O vídeo pode ter comentários e reações negativas para a criança. Ao sair da esfera escola e casa, é preciso ter cuidado com o que é exibido.”

Para Amanda, o começo não foi fácil. Deficiente auditiva e com algumas dificuldades na fala, muitas pessoas hostilizaram a garota por meio de comentários nos vídeos. A mãe orientou a menina, começou a mediar a interação virtual e levou a menina a um psicólogo. O resultado foi positivo: “Ela aprendeu a lidar com a surdez dela com ajuda do YouTube”, diz Sheila.

Para evitar problemas como esse, o canal não permite que crianças menores de 13 anos criem uma conta na rede. Assim, a empresa orienta que os pais sigam exatamente o exemplo da mãe de Amanda: gerenciem os canais, escolhendo a melhor forma de manter seus filhos devidamente protegidos.

Aprendendo a andar. O futuro dos ‘youtubers’ mirins é um mistério. Duas variáveis complicam essa equação: se o gosto por esses canais irá continuar e se esses protagonistas mirins continuarão na ativa.

Para Guga Mafra, sócio diretor da produtora Amazing Pixel, o sucesso desses canais pode ser passageiro. “Nos anos 2000, todos os programas da TV eram reality shows. Depois de um tempo, isso acalmou e agora só vemos alguns exemplos”, diz. “Isso pode acontecer com os canais infantis.”

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Quanto à continuidade dos produtores de vídeos mirins, o cenário é um pouco mais claro. Quem tem canais hoje deve acabar dando espaço para ‘youtubers’ ainda mais novos, ou então, mudar o foco de seus vídeos e se tornarem novas Kéferas – algo semelhante ao que fizeram antigas estrelas da Disney, como as cantoras Miley Cyrus e Britney Spears.

A mãe de Amanda não se preocupa com a questão – e assegura que a garota deseja continuar falando de bonecas, mesmo mais velha. Já a garota tem um futuro de sucesso traçado: “Quero ser atriz e, claro, desfilar em várias passarelas.”

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