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O metaverso está chegando – mas as pessoas precisam ser o centro dele

Para Jaron Lanier, pioneiro da realidade virtual, toda tecnologia precisa ter como principal debate a forma de utilização pelos humanos – e não se ela é boa ou ruim

Por The Economist
Atualização:
A realidade virtual pode ajudar a transformar a tecnologia em favor do humano, e não o contrário Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Dê uma olhada em qualquer chamada de videoconferência. Sete meses depois do início do isolamento social, é impressionante como elas ainda são estranhas: cada pessoa dentro do seu quadrinho, olhando para direções aleatórias. 

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Há quem tente mudar isso: a Microsoft, por exemplo, buscou corrigir esse problema com o modo Juntos no seu aplicativo Teams. Criado por Jaron Lanier, pioneiro da realidade virtual, o modo acaba com as caixas e coloca todos os participantes num espaço virtual compartilhado, como um auditório. Cada participante vê o grupo inteiro de uma só vez, como se todos estivessem refletidos num grande espelho virtual. Lanier diz que isso permite que as funções de consciência social e espacial do cérebro funcionem de maneira mais natural e dificulta a percepção das irregularidades no contato visual.

Para Lanier, o modo Juntos é uma pequena contribuição a uma filosofia que ele preza muito: à medida que a tecnologia se desenvolve, é preciso priorizar as pessoas. Em vez de perguntar “a videoconferência é boa ou ruim?” ou “a realidade virtual é boa ou ruim?”, diz ele, a verdadeira pergunta deve ser: “como podemos fazer com que essa tecnologia seja mais centrada no ser humano?”. Ele vê a realidade virtual como um caminho para esse objetivo de deixar a computação mais amigável.

Pense na postura, por exemplo. Passar horas sentado na frente do teclado, travado na mesma posição e focado na tela fixa é receita certa para uma série de queixas físicas, de pescoço dolorido a formigamento nas mãos. “Os humanos não evoluíram para ficar sentados numa mesa por longos períodos, olhando para uma tela e martelando um teclado”, diz Mark Mon-Williams, da Universidade de Leeds. Os humanos evoluíram para andar e usar as mãos para explorar o mundo que ao seu redor. As realidades virtuais e aumentadas oferecem a opção de usar movimentos mais naturais na interação com ambientes gerados por computador – pegar e apontar textos ou objetos, por exemplo, e movê-los fisicamente dentro da área de trabalho.

Alex Kipman, engenheiro de computação da Microsoft e inventor dos dispositivos Kinect e HoloLens da empresa, faz uma pergunta semelhante: por que os humanos são obrigados a se conformar às necessidades dos computadores, e não o contrário? “Por que não invertemos essa lógica?”, ele pergunta. “Por que não pedimos que a tecnologia compreenda o nosso mundo? Como podemos fazer com que a tecnologia digital venha ao nosso espaço analógico, em vez de nos esforçarmos para chegar ao espaço digital?”. 

Suas invenções se dedicam justamente a enfrentar esses desafios. Os microfones e as câmeras infravermelhas do sensor Kinect permitem que as pessoas usem a fala e os gestos para controlar jogos e outras funções nos dispositivos Microsoft Xbox. O HoloLens estende essa capacidade mapeando e entendendo também o ambiente do usuário. Ambos os dispositivos trazem a tecnologia das telas para o mundo real.

Esse tipo de ideia trará maior facilidade e profundidade para as interações entre humanos e computadores. As mesmas tecnologias também poderão ser usadas para empurrar as pessoas para além de suas próprias experiências, ou mesmo para além de quaisquer experiências humanas. 

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Extensões do corpo real

Os cientistas sabem que, quando um avatar de mundo virtual é programado para responder em tempo real às ações do usuário, muitos desses usuários tomam seus avatares como extensões quase reais de seus próprios corpos. As pessoas podem habitar avatares de outro gênero ou etnia, por exemplo. E podem até mesmo aprender a controlar corpos drasticamente diferentes, voando sobre paisagens como águias virtuais ou mastigando grama como vacas virtuais.

É mais do que uma simples curiosidade. Lanier quer saber o que aconteceria se a experiência de habitar diferentes corpos na realidade virtual abrisse às pessoas acesso a novas formas de inteligência e compreensão humanas – aquilo que de vez em quando acontece “quando você fica admirando um grande atleta ou alguém tocando jazz no piano”. Se isso ficar mais acessível, acredita ele, as coisas ficariam mais interessantes. “Você se transformaria numa equação matemática (...) para obter o tipo de inteligência corporal que isso possibilitaria?”.

Este é o futuro da extensão da experiência humana. O show de Travis Scott, dentro do jogo Fortnite, nos deu alguns sinais das oportunidades criativas já disponíveis. Não foi o primeiro show nesse mundo virtual. Em 2019, o DJ e produtor Marshmello apresentou um set dentro do jogo para um público de mais de 10 milhões de fãs, mas era só um músico fazendo um show num palco virtual dentro do mundo de um game. 

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Já o evento de Scott brincou com a ideia de como os shows poderiam ser se não tivessem de acontecer no mundo real. O público, então, pôde voar pelas praias, pelo espaço sideral e até debaixo d’água. “Você pensa mais ou menos assim: como eu faria um show se fosse Deus?”, diz Matthew Ball, um guru de tecnologia. “Se eu controlasse a física?”.

Um mosh virtual

Não é irrelevante o fato de o evento ter ocorrido durante a pandemia, quando era o único tipo de show do qual as pessoas podiam participar. No passado, tais eventos podem ter sido dispensados como meras “experiências de videogame”. Mas, à medida que as interações por meio do Zoom e de outros serviços passam a ser vistas como reuniões, festas e apresentações “legítimas”, eventos como o de Scott também devem ser vistos como shows legítimos, diz Ball. “Não podemos ir a shows físicos”, diz ele. “Então, ou temos que dizer que é um show ou temos que aceitar que não existem mais shows”.

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Ainda há muitos obstáculos técnicos para fazer os mundos digital e físico funcionarem juntos. Por mais rápidos e eficientes que tenham se tornado os gráficos de computador, por exemplo, as realidades virtuais focam apenas em dois dos sentidos pelos quais as pessoas experimentam a realidade: a visão e o som. No mundo físico, seria difícil imaginar a vida sem os outros sentidos e, em particular, o toque – pegar e manipular objetos é uma parte fundamental da maneira como as pessoas experimentam e reúnem informações sobre o que está ao seu redor.

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Se pudemos nos fiar nos exemplos da história, concluiremos que as plataformas de computação e a conectividade com a internet ficarão mais rápidas e mais difundidas, que o delay diminuirá, que os dispositivos de entrada e saída serão aprimorados e que os mecanismos de games (e seus sucessores) serão capazes de criar mundos virtuais personalizados rapidamente. Em algum momento do futuro, quem quiser vai poder entrar e sair de mundos virtuais totalmente imersivos, qualquer que seja a verdadeira versão do Metaverso imaginado por Neal Stephenson.

O que parece certo é que sofisticados mundos digitais em 3D aparecerão em cada vez mais telas das próximas gerações de dispositivos que as pessoas já estão usando todos os dias. Como as atividades – particularmente as interações entre as pessoas – em realidades virtuais podem gerar resultados práticos e estéticos com consequências morais e significados pessoais, a ideia de que o mundo “real” se limita ao que está fisicamente presente nas proximidades parecerá cada vez mais bizarra. Afinal, o que é o real? / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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