O rastreamento de contatos pode ser muito mais fácil, mas existem prós e contras

Qualquer que seja a tecnologia, existem prós e contras nas principais maneiras pelas quais as informações podem ser compartilhadas, armazenadas e comunicadas: geolocalização, Bluetooth e QR Codes

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Por Matt Richtel
Atualização:
No retorno, a fase 1 será bastante limitada, com restrições, uso de máscara e apenas alguns funcionários circulando pela sede Foto: John Taggart/The New York Times

Primeiro foi o aperto de mão. Depois, o high-five e, mais recentemente, o toque de cotovelo. Mas, agora, pesquisadores canadenses estão trabalhando numa nova saudação, o CanShake [algo como “pode cumprimentar”, em tradução livre].

Não é uma mera saudação. O CanShake – no qual as pessoas, ao se encontrarem, agitam seus telefones para transmitir informações de contato – é um dos muitos conceitos que estão surgindo na tentativa de usar smartphones para fazer rastreamento de contatos em massa e conter a propagação da covid-19. Todos esses conceitos tentam aproveitar a tecnologia para registrar a localização ou os movimentos das pessoas e compará-los com os de pessoas que se sabe que estão doentes.

App Care19, usado na Dakota do Norte e na Dakota do Sul Foto: Paresh Dave/Reuters

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Existem dezenas de versões, muitas já em prática em todo o mundo, como na Coréia do Sul, Cingapura, China, Itália e Israel. Mas, nos Estados Unidos, as preocupações com a privacidade e a ausência de políticas nacionais frearam a abordagem.

Os esforços são fragmentados. Google e Apple firmaram uma parceria para desenvolver um software de smartphones que lhes permita registrar continuamente informações de outros dispositivos. O MIT Media Lab também criou uma tecnologia de rastreamento de contatos. Três estados – Alabama, Dakota do Norte e Dakota do Sul – disseram que implantaram ou estão desenvolvendo aplicativos para rastrear o vírus.

A experimentação vem acontecendo enquanto estados, condados e cidades estão trabalhando para treinar pessoas para a abordagem tradicional – e mais árdua – do rastreamento de contatos.

“Estão contratando um exército de rastreadores de contato. A tecnologia pode deixar isso muito mais eficiente”, disse o Dr. Gunther Eysenbach, editor do Journal of Medical Internet Research, que está desenvolvendo o CanShake.

George Rutherford, epidemiologista da Universidade da Califórnia, em San Francisco, que lidera o treinamento de 10 mil rastreadores de contato na Califórnia, disse que as ideias digitais estão borbulhando. “Temos várias centenas de pessoas que querem nos mostrar seus aplicativos”, disse ele.

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Mas, disse ele, essas coisas dependem de smartphones, e algumas pessoas de baixa renda com maior risco de covid-19 não têm esse tipo de aparelho.

O método tradicional de rastreamento de contatos é demorado e exige muito trabalho. Rutherford disse que cada caso demora cerca de 90 minutos – 60 minutos para entrevistar a pessoa que deu positivo e 30 minutos para ligar ou enviar mensagens de texto para todas as pessoas com as quais ela se lembra de ter entrado em contato.

Qualquer que seja a tecnologia, existem prós e contras nas principais maneiras pelas quais as informações podem ser compartilhadas, armazenadas e comunicadas: geolocalização, Bluetooth e QR codes.

Geolocalização

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Esse software geralmente é executado em segundo plano nos telefones, para ajudar com serviços de localização como o Google Maps. Ele pode rastrear pessoas a cerca de 10 metros de sua localização e ser ligado e desligado voluntariamente.

No entanto, em outros países, essa tecnologia funcionou em parte porque foi usada automaticamente, com os governos recebendo os dados sem pedir permissão.

Depois que 3 mil pessoas do navio de cruzeiro Diamond Princess desembarcaram em Taiwan no final de janeiro – algumas das quais depois foram infectadas – o governo de Taiwan utilizou dados de geolocalização de celulares para procurar contatos entre seus cidadãos e passageiros.

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A tecnologia encontrou 627.386 residentes de Taiwan que estiveram nas proximidades dos passageiros, cujos dados de localização também foram coletados usando outros métodos de vigilância: os ônibus que eles pegaram, os locais onde eles usaram cartões de crédito, os vídeos das câmeras de segurança e seus dados telefônicos.

Todos os residentes receberam mensagens de texto e, se apresentassem sintomas, tinham a opção de fazer testes. Das 67 pessoas testadas, nenhuma deu positivo. Eysenbach, autor de um artigo sobre a testagem, disse que o método é eficaz, mas “não exige consentimento informado” e que, “no mundo ocidental, será visto como algo muito invasivo à privacidade”.

Um relatório chamado “Apps Gone Rogue” [algo como “Aplicativos ladinos”, em tradução livre], publicado em abril pelo MIT Media Lab, descobriu que muitas versões internacionais da tecnologia de rastreamento de contatos “expandem a vigilância em massa, limitam as liberdades individuais e expõem os detalhes mais particulares sobre os indivíduos”.

Dito isso, o uso do software de geolocalização não precisa invadir a privacidade, em parte porque pode ser desativado pelo usuário que sabe que pode estar sendo monitorado. Também é possível criar aplicativos que não permitam o acesso ao histórico de movimentos por fontes externas, disse Ramesh Raskar, professor associado do MIT Media Lab.

App que será usado na Suiça para rastreamento de contatos por Bluetooth Foto: Denis Balibouse/Reuters

Bluetooth

O Bluetooth, a tecnologia que o telefone usa para se comunicar com os outros dispositivos, pode conectar pessoas a um metro de distância e, portanto, é mais preciso que a tecnologia de geolocalização. Mas potencialmente cria riscos à privacidade, por causa dessa precisão.

O MIT Media Lab desenvolveu um conceito de rastreamento de contato que pode utilizar a tecnologia Bluetooth ou de geolocalização de maneiras que seus desenvolvedores dizem que não comprometem as liberdades individuais.

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O Safe Paths é executado em segundo plano no telefone de uma pessoa – com sua permissão – para criar e armazenar um histórico de movimentos. Se uma pessoa testa positivo para covid-19, o histórico dessa pessoa é baixado para um banco de dados. Depois disso, outras pessoas que usam o serviço podem verificar se seus próprios deslocamentos se cruzaram com alguém que testou positivo – “tudo completamente privado”, disse Raskar, comparando com o gesto de alguém que consulta a previsão do tempo sem ter de revelar sua localização.

O projeto está sendo desenvolvido com contribuições do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, da Universidade de Harvard e da Clínica Mayo. Raskar disse que vários países e 15 cidades e estados manifestaram interesse na tecnologia, mas não quis identificá-los.

Apple e Google também usam Bluetooth para permitir que as jurisdições desenvolvam aplicativos de rastreamento de contatos.

A tecnologia das empresas oferece proteção à privacidade e é “um esforço de boa fé”, disse Gaurav Laroia, advogado da Free Press, uma organização sem fins lucrativos que faz parte de um consórcio que inclui a União Americana das Liberdades Civis. Mas a questão maior, disse ele, é se as pessoas optarão por fazer o download desses aplicativos.

O Bluetooth também é a tecnologia por trás do CanShake, aplicativo em fase inicial de desenvolvimento. Quando duas pessoas estão próximas uma da outra, elas agitam seus telefones para acionar a passagem de suas informações de contato através de uma conexão Bluetooth. Os dados são registrados em cada telefone. Em seguida, se uma das pessoas fica doente, as informações podem ser baixadas pelas autoridades, que – com a permissão do usuário – alertam as pessoas no registro de contatos.

“A ideia é substituir o handshake [aperto de mão] pelo CanShake. Isso alude à ideia de que você pode voltar a cumprimentar os outros – não com as mãos, mas com o telefone”, disse Eysenbac.

QR codes

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Quando os casos de coronavírus surgiram na Coréia do Sul neste inverno, os hospitais pediram às pessoas em busca de exames ou tratamento que respondessem a um questionário em seus telefones, inclusive perguntas sobre febre e tosse. Depois de completar as respostas, cada pessoa recebia um código QR no telefone.

Inicialmente, isto era visto como uma maneira de processar a passagem das pessoas pelo hospital sem papelada, disse a Dra. Ki Mo-ran, professora da Escola de Pós-Graduação em Ciência e Política do Câncer do National Cancer Center.

Agora, o país está considerando expandir o uso de QR codes. Em maio, Ki se reuniu com o primeiro-ministro Chung Sye-kyun para recomendar o uso expansivo da tecnologia para rastreamento de contatos. Numa entrevista, Ki disse que descreveu como escanear a presença de pessoas em reuniões maiores, como restaurantes, igrejas e boates, por exemplo.

O relatório do MIT Media Lab observou que uma fonte de abuso das três tecnologias era que os governos transmitiam a localização das pessoas infectadas. Cingapura publicou mapas indicando o paradeiro dos cidadãos infectados, e a Coréia enviou mensagens de texto sobre seus locais. O relatório afirmou que as pessoas não eram identificadas pelo nome, mas observou que a divulgação dos locais ainda estava “tornando esses lugares e empresas suscetíveis a boicote, assédio e outras medidas punitivas”.

Ki reconheceu que a privacidade era uma preocupação central, mas alertou que proteger a saúde pública pode valer a pena. “A privacidade é uma questão muito importante”, disse ela, “mas, hoje em dia, mesmo tentando proteger a privacidade pessoal, é muito importante salvar a comunidade, por isso precisamos encontrar o equilíbrio apropriado”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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