O serviço de namoro do Facebook é a chance de conhecer o golpista dos seus sonhos

Para especialistas em privacidade, função de paquera da rede social, prevista para ser lançada nos próximos meses, pode ampliar problemas de fraudes, contas falsas e spam na plataforma

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Por Drew Harwell e Elizabeth Dwoskin
Atualização:
Mark Zuckerberg apresenta a função de namoro do Facebook durante a F8, conferência de desenvolvedores da empresa na Califórnia, no início de maio de 2018 Foto: Reuters/Stephen Lam

Em meio à maior crise de sua história, com dados de 87 milhões de usuários sendo utilizados ilicitamente por uma consultoria para influenciar eleições, o Facebook encontrou tempo para lançar um serviço de namoro. Anunciado na semana passada com o nome de Paquera, ele foi criado pela rede social para ajudar os 2,13 bilhões de usuários a encontrar o amor, dando à maior rede social do mundo uma vantagem intimista e única. Para especialistas em privacidade, porém, os solteiros que buscarem sua alma gêmea pelo Facebook pode não estar preparados para o que encontrarão: mais contas falsas, coletas de dados expandidas e uma nova onda de fraudes em namoro.

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O serviço permitirá que pessoas com mais de 18 anos criem um perfil de namoro –separado de seu perfil principal e invisível aos amigos – que mostra possíveis combinações, baseadas em interesses comuns, preferências de namoro, localização e amigos em comum, disseram funcionários da empresa.

Usando um botão – mas não deslizando o dedo, como no gesto popularizado pelo popular aplicativo de paquera Tinder –, as pessoas poderão dizer se estão “interessadas” ou se preferem “passar adiante” esses parceiros em potencial. Os pontos em comum serão mostrados com o primeiro nome da outra pessoa, idade, cidade atual e foto, embora os usuários também tenham a opção de compartilhar onde trabalham, estudame outras informações biográficas. O serviço começará a ser testado daqui a alguns meses, disse o Facebook. 

Vigilantes de privacidade, especialistas em publicidade e concorrentes dizem temer que o serviço possa expor os usuários mais agudamente ao pior dos golpes da Web, o de estranhos mal-intencionados buscando fraudar informações, além de outros problemas mais do que comuns no Facebook.

“O Facebook já sabe muito sobre você que você diz, e recolhe uma grande quantidade de informações sobre você além disso... Agora, há toda essa outra quantidade de coisas realmente sensíveis”, disse Justin Brookman, diretor de política de privacidade e tecnologia no grupo de defesa Consumer Union. "Como o Facebook vai policiar isso? Vai colocar os recursos sob segurança? ... Ou a sede deles por engajamento supera todas essas outras preocupações?"

Hoje, a indústria de apps e sites de encontros online gira em torno de US$ 3 bilhões. São empresas que reúnem dados de personalidade e de namoro sobre seus usuários para fins de correspondência e marketing. Mas, como o público do Facebook é maior e mais difundido, sua plataforma de segmentação de anúncios é mais sofisticada e seus perfis de usuários são baseados em anos de informações detalhadas, os especialistas temem que o novo serviço de encontros possa representar um enorme alvo e ampliar o potencial de abuso.

Muitos serviços de namoro, incluindo o Tinder, o Hinge, o Coffee Meets Bagel e o League, permitem ou exigem que as pessoas façam login com o Facebook e tenham condições de crescer com a mineração da rede social do Facebook. Mas eles traçam uma linha entre seus negócios – vendendo assinaturas ou itens pagos, como o Tinder faz com o "Super Like". 

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Nova onda. Depois de convidar os desenvolvedores durante anos para criar novos produtos como aplicativos de namoro ou serviços de música no topo de sua plataforma social, o Facebook trocou a marcha e restringiu o acesso dos desenvolvedores aos dados de amigos em 2014 e 2015, uma medida que tornou difícil para muitos aplicativos de namoro adquirir novos clientes. Alguns dos aplicativos de namoro agora alegam que o Facebook está copiando seus aplicativos, englobando seus recursos em sua principal potência dominante no mercado.

Funcionários do Facebook disseram que a empresa queria reforçar sua plataforma como um destino de namoro amigável ao usuário, acrescentando que eles estão interessados ​​na ideia há anos e começaram a elaborar o serviço nos últimos seis meses. Muitas pessoas já estavam usando o Facebook para namorar, declarou a empresa, e eles queriam dar um apoio de forma segura a essas… iniciativas.

Os funcionários do Facebook disseram que a empresa está levando as questões de segurança e privacidade a sério e se movendo cautelosamente em direção ao ambiente de namoro. Mesmo quando estavam planejando que o principal executivo Mark Zuckerberg anunciasse o novo serviço de namoro no palco na terça-feira, funcionários disseram estar preocupados de como isso poderia ser um abuso. 

Por exemplo, as pessoas só poderão enviar uma única mensagem como começo de conversa e não poderão mandar nada além de texto, como forma de evitar fotos e links potencialmente inapropriados.

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Riscos. O Facebook há muito tempo combate os perfis falsos - divulgando fotos de mulheres bonitas e homens bonitões - que os golpistas usam para despertar relacionamentos com os usuários, roubar dinheiro e desaparecer. Alguns temem que o serviço de encontros só possa piorar o problema de "catfishing".

Ainda assim, Kevin Lee, o arquiteto de segurança da startup de detecção de fraudes Sift Science e ex-gerente de spams do Facebook, disse que o serviço de encontros pode sujeitar os usuários a uma série de novos riscos, incluindo fraudes financeiras. A pesquisa da Sift, disse Lee, descobriu que cerca de 70% das vítimas dessas fraudes são mulheres - muitas vezes, mulheres mais velhas em países desenvolvidos, vistos por fraudadores como ricos e mais vulneráveis ​​devido a um divórcio, desejo de ter filhos ou qualquer outro acontecimento na vida.

Felicia Cravens, texana que administra uma página no Facebook chamada Unfakery, ajudando a rastrear contas de fraude, disse que os golpes de “catfishing” e golpes em romance são um grande problema no serviço - e que o recurso de namoro poderia facilmente tornar pior.

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“O Facebook poderia entrar neste espaço e conquistá-lo de forma relativamente rápida, mas será que deveriam, quando vemos tantos problemas?" disse Cravens. “Há pessoas enganando outras pessoas, agora mesmo, nas plataformas do Facebook da Nigéria, Macedônia, Filipinas e outros lugares”.

Encontrar o par ideal com dados do Facebook é algo mais antigo que a própria rede social: um dos primeiros projetos de Zuckerberg, o FaceMash, recolheu fotos de estudantes do sexo feminino de Harvard e permitiu que os usuários as classificassem pela atração que geravam. Foi um “site de brincadeiras que fiz quando estava no segundo ano da faculdade”, explicou Zuckerberg a um legislador no mês passado.

O novo recurso de namoro, disse Zuckerberg nesta semana, "é para construir relacionamentos reais de longo prazo, não apenas encontros furtivos", e ele disse que poderia mudar a vida dos mais de 200 milhões de usuários do Facebook que se classificam como solteiros. “Se estivermos focados em ajudar as pessoas a construir relacionamentos significativos, isso talvez seja mais importante de tudo", disse ele.

A empresa há anos coleciona o status de relacionamento das pessoas (“Casado”, “É Complicado”) e o utiliza para ajudar a abastecer sua vasta máquina de dados pessoais. Em 2013, os pesquisadores do Facebook e da Cornell University coletaram dados de 1,3 milhão de usuários para tentar prever quais os casais que iriam se separar em até 60 dias após o anúncio do relacionamento entre eles. (Casais cujos amigos em comum estavam intimamente ligados uns aos outros, disseram os pesquisadores, estavam mais propensos a desistir.)

Mas o novo serviço de namoro pode dar ao Facebook um nível totalmente novo de visibilidade sobre a vida amorosa de seus usuários, e especialistas em privacidade disseram estar preocupados de que os usuários não compreendam o quanto de informação será transmitida. O Facebook registrará as interações no site de namoro, manterá um registro de tudo do que um usuário gosta ou rejeita e coletará outros dados necessários para o serviço funcionar, disseram autoridades.

"Será que eu vou conseguir um encontro baseado no fato de que eu gostava de Bob Esponja, O Filme quando tinha 14 anos?" questionou uma estudante de direito de 22 anos da Califórnia, que atualmente usa outros aplicativos de namoro online. Além disso, acrescentou, “muitas mulheres, inclusive eu, tiveram que lidar com estranhos, geralmente homens de meia-idade no exterior, enviando mensagens grosseiras quando você não fica amigo deles”. Ter um perfil de namoro no Facebook, ela calcula, não vai ajudar.

Funcionários da empresa disseram que não usarão dados de serviço de encontros para informar a segmentação de anúncios já no início. Mas especialistas em marketing disseram não acreditar que a promessa do Facebook venha a durar. O modelo de negócios da empresa depende do compartilhamento de informações pessoais frequentemente sensíveis, e os dados de namoro podem mostrar-se valiosos demais para serem ignorados.

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Mike Herrick, vice-presidente sênior de produtos e engenharia da firma de análise de anúncios Urban Airship, disse que o serviço de encontros permitirá ao Facebook conhecer não apenas os crushes atuais de seus usuários, mas também daqueles nos quais estão interessados, o que gostam e quão ativos eles estão em busca de um parceiro.

Esses dados, ele disse, vão mais do que compensar qualquer informação que o Facebook possa ter cedido depois de cortar alguns laços com intermediários de dados de terceiros recentemente. Isso permitirá que a rede social aprenda “as vontades e os desejos das pessoas em torno de encontros diretos de uma maneira muito mais pura do que como eles estavam recebendo esse tipo de dados anteriormente”, disse ele.

Esse nível de intimidade com dados, acrescentou ele, poderia ser de grande valor para os profissionais de marketing: se você é um anunciante e “conhece alguém que está namorando, saberá que eles também podem querer comprar roupas novas, maquiagem ou outros produtos”, disse ele.

Os críticos também questionam as prioridades do Facebook no lançamento de um serviço paralelo, enquanto seus desafios com privacidade e notícias falsas são abundantes. Sasja Beslik, diretor de investimentos sustentáveis ​​do grupo de serviços financeiros Nordea Asset Management, postou um tuite na quarta-feira: “O Facebook precisa de três anos para resolver os problemas de privacidade e dados, mas acaba de encontrar tempo para lançar um recurso de encontros e enfrentar o Tinder.” / Tradução de Claudia Bozzo

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