Os inimigos não estão entre nós
Num momento em que a velocidade da internet faz os ânimos das pessoas ficarem alterados, é preciso lembrar que os que precisam ser derrotados estão no poder
19/05/2017 | 05h00
Por Pedro Doria - O Estado de S. Paulo
O Brasil entrou num momento delicadíssimo no instante em que o jornalista Lauro Jardim trouxe à tona a conversa entre o presidente Michel Temer e o acionista da JBS, Joesley Batista. Não é a primeira vez na história que o País passa por períodos assim. Mas é a primeira em que isto ocorre com a internet a pleno vapor. Compreender o encontro entre as redes, a psicologia humana e a polarização política é fundamental nesta hora.
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Toda informação está na internet e, no entanto, nos contentamos com uma fração dela: vale só a que não desafia o que acreditamos. Todos somos assim por natureza. É preciso esforço para buscar informação que bate de frente com nossas crenças. E é preciso generosidade para ler com respeito e atenção gente de quem discordamos. Isso é fundamental em sociedades democráticas e estamos destreinados.
O ambiente que permite que se espalhem notícias falsas na rede é este. O que é falso circula porque desejamos que aquela informação seja verdadeira. Em momentos delicados, fica pior. Notícia falsa, meia dúzia acredita por um tempo, mas depois passa. Piores são as teorias conspiratórias. A de que a Lava Jato existia para perseguir o PT, por exemplo. Ou a de que Lula tinha um projeto, com outros presidentes sul-americanos, de instituir uma grande ditadura comunista regional.
Neurociência já revelou o suficiente sobre nosso cérebro para sabermos como ele dá conta do mundo. Esquematizamos. Dividimos a realidade em várias peças e procuramos saber como se encaixam entre si. Buscamos a lógica na existência. Porque o cérebro funciona assim, inventamos os instrumentos da ciência que nos ampliam a compreensão do universo. Mas é uma armadilha, também. Quando as peças não se encaixam, tentamos preencher os espaços vazios. Muitas vezes, preferimos o conforto da ilusão de que compreendemos em detrimento da realidade de não termos dados suficiente.
Em momentos extremamente conturbados, este é o problema do jornalismo: as informações vêm em cacos e não são, sempre, fáceis de encaixar. Compreender o todo é difícil. Lula nunca tentou instalar uma ditadura. E a Lava Jato acaba de atingir o principal líder do PMDB e o presidente do PSDB, seu último candidato ao Planalto. Vai puxando o fio, vai puxando, e muito aos poucos a maneira como corrupção se entranhou no modo de governar o Brasil se revela.
Em 3 de novembro de 1955, João Fernandes Café Filho foi internado às pressas após um enfarte. Um grupo de militares não se conformava com a derrota recente, nas urnas, do brigadeiro Eduardo Gomes perante Juscelino Kubitschek. Café Filho era vice, assumira após o suicídio de Getúlio. Substituiu-o no Executivo Carlos Luz, presidente da Câmara. Luz tentou facilitar um golpe, sofreu um impeachment instantâneo, e foi sucedido pelo presidente do Senado, Nereu Ramos, que passou a faixa para JK quando o mandato se encerrou.
O que vivemos hoje parece pavoroso: mas esta brutal instabilidade política não é nova e, entre nós, não falta gente com memória daquele distante 1955. O que não havia era internet. As notícias chegavam muito lentamente à população. Num ambiente de maior transparência, provocada pela internet, golpes de Estado são muito mais difíceis. A torrente contínua de informação, porém, nos põe em estado de alerta permanente, exacerba as emoções.
Não custa lembrar: os inimigos por derrotar não estão entre nós, os governados. A quadrilha dos que governam é pluripartidária.
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