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Temer cria Autoridade de Proteção de Dados vinculada à Casa Civil

Autoridade Nacional de Proteção de Dados fiscalizará a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados no Brasil; considerada indispensável por especialistas, entidade será órgão ligado à Presidência, com autonomia reduzida

Por Bruno Capelas
Atualização:
Autoridade será responsável por fiscalizar como empresas usam dados pessoais de brasileiros Foto: Gabriela Biló/Estadão

Por meio de uma medida provisória publicada no Diário Oficial da União nesta sexta-feira, 28, o presidente Michel Temer criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Considerada indispensável por especialistas em privacidade para o bom funcionamento da lei, a ANPD zelará e fiscalizará o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, sancionada em agosto. 

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Na ocasião, Temer vetou a criação do órgão por motivos burocráticos, uma vez que o Legislativo não pode gerar despesas ao Executivo. Agora, a agência nasce de forma diferente do proposto no texto aprovado pelo Congresso. A principal mudança é a de que a ANPD não será uma agência reguladora, mas sim um órgão vinculado à Casa Civil, e por conseguinte, à Presidência da República. Com isso, ela terá menor autonomia técnica e orçamentária. 

“Não é o formato ideal, porque o órgão pode sofrer contingenciamento financeiro ou administrativo, restringindo suas atividades”, avalia Thiago Sombra, sócio da área de proteção de dados do escritório Mattos Filho. Para Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), a alteração provoca um “ponto cego”. “A ANPD pode ter uma série de dificuldades para analisar práticas de proteção de dados pelo Executivo”, diz o especialista. “Além disso, pode haver conflitos na separação de poderes, caso a autoridade, vinculada à União, investigue práticas do Legislativo ou de Estados e municípios”. 

De acordo com o texto, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados será chefiada por um Conselho Diretor, formado por cinco conselheiros, com mandato fixo. Os indicados, porém, não precisarão ser sabatinados pelo Congresso, diferentemente do que acontece com Anatel e Cade, por exemplo. 

Além disso, o órgão terá ainda um conselho consultivo, com 23 membros – entre eles, nomes indicados pelo Poder Executivo, Legislativo, pelo Conselho Nacional de Justiça, Ministério Público, Comitê Gestor da Internet, além de representantes da sociedade civil, da academia e do setor empresarial. Outra alteração promovida pelo texto assinado por Temer é o alargamento do prazo para adequação de empresas e poder público à Lei Geral de Dados Pessoais, que passa a ser de agosto de 2020 – antes, era de fevereiro de 2020. “As regras foram alteradas no meio do jogo, então é justo que se faça o alargamento do prazo. No entanto, me preocupa que isso seja feito durante a transição de governos”, ressalta Affonso. 

Flexibilização. A Medida Provisória também trouxe alterações para a Lei Geral de Proteção de Dados. Entre as principais mudanças, uma flexibilização na forma como o poder público pode compartilhar seus bancos de dados com o setor privado. Os especialistas divergem: para Sombra, do Mattos Filho, a alteração vai permitir que empresas utilizem de forma eficaz bancos de dados como os do Fies ou do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Já Affonso vê na alteração um “cheque em branco” para o compartilhamento de dados, “um prato cheio para corrupção e escândalos”. 

Outra alteração é a possibilidade de empresas compartilharem dados sensíveis sobre a saúde dos brasileiros, a pedido dos usuários ou quando for constatada a necessidade dessas informações para serviços de saúde suplementar, como planos e seguros de saúde. Além disso, a MP também abriu espaço para que as empresas não precisem ter um funcionário designado como Data Protection Officer (DPO), cuja função seria responder às demandas da ANPD. Agora, essa função poderá ser desempenhada por uma pessoa jurídica ou um prestador de serviços. “É algo positivo: nem todas as empresas tem como suportar uma estrutura dessa natureza, especialmente pelo custo”, avalia Sombra, do Mattos Filho. 

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A Medida Provisória também alterou um ponto sensível da lei: com o novo texto, pedidos de revisão feitos por usuários a partir de decisões tomadas automaticamente, por algoritmos, por exemplo, não terão necessariamente de ser feitos por seres humanos. “Era um componente importante da lei de dados e que poderia ajudar a corrigir imprecisões”, afirma Affonso, do ITS-Rio. A alteração atende a um pedido do mercado financeiro, mas pode impactar as relações comerciais do Brasil, avalia o sócio do Mattos Filho. “Na União Europeia, a revisão é feita apenas por humanos. Pode haver o risco de sofrermos restrições em contratos ou alianças por ter, na visão deles, um nível menor de proteção de dados.”

A Medida Provisória já está em vigor, mas tem validade de apenas 120 dias – caso não seja aprovada pelo Congresso Nacional, seus termos deixam de valer. Para Affonso, a discussão no Legislativo oferece aos novos congressistas, bem como ao governo Bolsonaro, a oportunidade de aperfeiçoar o texto. “A MP tem equívocos que precisam ser consertados, mas também é uma pauta muito rica, especialmente para um governo que tem como bandeira o combate à corrupção”, avalia o diretor do ITS-Rio.

O especialista também ressaltou, ao Estado, uma curiosidade: Temer replica a preocupação com o tema de proteção de dados que teve Dilma Rousseff – em seu último dia útil na Presidência da República, em 2016, Dilma enviou ao Congresso o projeto de lei da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Agora é Temer, quem, de saída, deixa um aceno sobre a pauta ao próximo governo. "É quase como o 'one more thing' do Steve Jobs, que antecipa algo muito importante", diz Affonso. 

Já Sombra, do Mattos Filho, vê chances de mudança no escopo do debate com o novo governo, mais preocupado com aspectos como segurança pública e nacional e menos focado no âmbito da proteção de dados dos cidadãos. / COLABOROU MARIANA LIMA

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