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Por dentro da rede

Opinião|Um mundo, uma internet

A proteção dos cidadãos de um país pode alcançar serviços fora de suas fronteiras?

Atualização:

É a senha do Wi-Fi da 62.a reunião da Icann a instituição que cuida de coordenar nomes e números da Internet: “oneworldoneinternet” (“Um mundo, uma internet”, em tradução literal). Começou ontem aqui, no Panamá. Dois temas disputam as atenções: os impactos e alcance do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) europeu, e a continuidade da discussão sobre como tratar das solicitações de registro de domínios de primeiro nível que conflitem com nomes geográficos, países, regiões, cidades. 

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O segundo tema pode ser ilustrado por um caso concreto que continua sobre a mesa agora: o que fazer do pedido de registro de “.Amazon” por uma grande empresa comercial, se o nome também remete a uma região que se estende por diversos países da América do Sul? Há posições de governos e de comunidades que se opõem à delegação pura e simples do nome de domínio a uma empresa, e há, do outro lado, argumentos que sustentam não haver confusão para os usuários. Veremos como isso caminhará. Quanto ao GDPR, que entrou em operação há menos de um mês, a priori saúda-se enfaticamente uma legislação que visa à proteção de nossos dados e privacidade, cada vez mais ameaçados em tempos de internet e de redes sociais. 

Entretanto, sempre há detalhes. A coisa enrosca no conflito inevitável que há entre a fluidez e, mesmo, a inexistência de fronteiras na rede, vis-à-vis as legislações nacionais, soberanas em seu território. A proteção dos cidadãos de um país poderia se estender e alcançar serviços e indivíduos que estão fora de suas fronteiras físicas? 

Todos queremos uma rede abrangente, única e irrestrita, mas ela colocará em contacto direto, fatalmente, consumidores e fornecedores que estão sob diferentes legislações nacionais, sem falar de culturas distintas. Pode um produtor de cachaça brasileiro vender seu produto a um cidadão do Oriente Médio onde o álcool é proibido? Como e quem sancionar se um cidadão comprar, pela rede, produtos que são ilegais em seu país? E esses são os casos “fáceis”, porque envolvem matéria e há sempre a possibilidade de sustar a entrada de produtos físicos em uma determinada fronteira. O que fazer, entretanto, com dados pessoais ou informações? 

E é aí que o GDPR procura colocar um limite: que tipo de informação pode ser coletada de um indivíduo? Quando se deve pedir consentimento para tomar uma ação que envolva identificação ou coleta de dados do mesmo? 

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De novo, é importante e tempestiva a busca por preservarem-se dados pessoais e a privacidade dos indivíduos, mas resta a dúvida se isso é factível sem a consequente extensão da longa mão jurídica para além das fronteiras. É grande a tentação grande, especialmente para regiões poderosas como da Comunidade Europeia, impor sua forma de ver as coisas ao resto do mundo.

Que fique claro: é fundamental proteger a privacidade do indivíduo, enquanto ainda resta alguma, mas também é necessário haver assimilação e entendimento da nova realidade, além do grande esforço em harmonizar interesses e, principalmente, manter o bom senso sobressalente. 

Há riscos do esperado remédio para alguns dos grandes males trazer embutidos efeitos colaterais não avaliados. Lembra antiga frase de Chesterton, que se pode se transpor: “Tecnologia é uma faca de dois gumes. Todos concordamos, por exemplo, que o zepelim é uma coisa maravilhosa, mas isso não impede que um dia possa se tornar algo horrível...”

Opinião por Demi Getschko
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