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Uso de apps e serviços digitais por idosos é impulsionado na pandemia

Além de apps de mensagens e redes sociais, grupo aprende a usar aplicativos de bancos e a fazer compras pela internet

Por Giovanna Wolf
Atualização:
Catarina Evangelista, de76 anos, recorreu aos seus bordados e ao smartphone para se distrair durante a pandemia Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Durante a pandemia, Catarina Evangelista, 76, recorreu a duas paixões. Uma delas é companheira de longa data: suas peças de bordado. Já a outra é um amor recente: o smartphone. “Se não fossem eles, tinha ficado louca.” É pelo WhatsApp que a moradora de Jundiaí (SP) conversa com sua família de Minas Gerais – algumas vezes em chamada de vídeo – e mantém contato com seus 25 netos. “A família é grande e está todo mundo no ‘zap’”, conta ela, que também está no Facebook

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Assim como aconteceu com ela, muitos idosos enxergaram nos apps – e na internet – boas companheiras durante o período de distanciamento social. Os usos, porém, não se limitam mais a trocas de mensagens no ‘zap’. Segundo a pesquisa Painel TIC Covid-19, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), 89% dos usuários de internet acima de 60 anos conversaram por chamada de voz ou vídeo durante a pandemia. Outros 84% usaram redes sociais. 

Houve também um salto no uso de serviços financeiros: 77% das pessoas dessa faixa etária com acesso à internet fizeram consultas, pagamentos ou outras transações financeiras pela internet – em 2019, esse número era de 40%. 

Catarina também conversa por chamadas de vídeo Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Maria da Conceição Firmino, 73, aprendeu de vez a usar apps de bancos – agora, é por lá que paga todas as contas. “Passei também a comprar pela internet, em sites como Magazine Luiza e Lojas Americanas”, diz a moradora de Fortaleza (CE). 

Quem também sentiu o gostinho de gastar online nos últimos meses é Helia Rezende, 65. A lista de compras da quarentena é grande: TV, microondas, forno elétrico, ventilador e aspirador. “Tinha um notebook, mas não tinha muita paciência. Na pandemia, fui aprendendo na marra.” Tinha de ser assim: ela mora sozinha em Ribeirão Preto (SP). E o caminho parece não ter volta: “Na internet, tem mais promoção. Não vejo mais motivo para ir em loja física.” 

Sobrevivência

Nos últimos meses, usar ferramentas digitais tornou-se uma questão de sobrevivência, dizem especialistas. “A solidão tem um peso maior na vida dos longevos. Passou a ser essencial trabalhar o isolamento de forma remota – além de continuar em atividade de alguma forma”, diz o arquiteto e urbanista Jorge Costa, professor da Universidade Aberta da Terceira Idade da UERJ e membro da Sociedade Brasileira de Gerontecnologia. “A educação digital focada no idoso está mostrando cada vez mais sua importância.” 

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Catarina e Helia aprenderam a mexer no smartphone com a ajuda dos filhos. Já Maria da Conceição preferiu não depender de ninguém: ela faz curso de informática em um espaço de Gerontologia Educacional chamado Universidade Sem Fronteiras, em Fortaleza. Frequentadora da instituição há dez anos, desde abril ela passou semanalmente a ter aulas online sobre tecnologia pelo Zoom. “Tive aulas inclusive sobre o Pix. Se precisar, eu sei usar”, diz, em referência ao meio de pagamento instantâneo do Banco Central

Curso

O professor de Maria da Conceição é o pedagogo Ricardo Temóteo, que há 23 anos trabalha ensinando ferramentas digitais – desde a época em que as pessoas aprendiam a usar disquetes. Ele desenvolveu um método próprio para ensinar o idoso a usar a internet. “As pessoas idosas são muito heterogêneas. Tem o idoso empresário, a dona de casa, o religioso... Tem também o idoso ativo e o fragilizado. Antes de começar a ensinar, sempre procuro pensar: qual é o perfil?” As demandas do momento trouxeram para as aulas de Temóteo ensinamentos sobre comércio eletrônico e segurança digital.

Para montar o curso, o professor se preocupa em usar uma linguagem didática, além de entender os interesses e as motivações. “Uma das maiores dificuldades é a ansiedade de aprender rápido. O mais importante é acreditar que é capaz de aprender”, diz Temóteo. 

O pedagogo José Ricardo Temóteo trabalhahá 23 anosensinando ferramentas digitais Foto: Arquivo Pessoal

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Essa capacidade também vai no sentido de não limitar, e até infantilizar, o idoso. “Há celulares adaptados para a terceira idade, que pensam em um idoso limitado. É essencial se desvincular de estereótipos como o ‘idoso coitadinho’ ou o ‘super idoso’, que consegue tudo”, diz. “A tecnologia é uma forma de continuar a se sentir parte do presente e a população idosa está inventando uma nova forma de envelhecer, cada um do seu jeito”. 

Segundo o professor, as aulas online têm funcionado bem – mesmo com a suposta barreira que o método impõe. Afinal, para aprender sobre ferramentas digitais, o aluno precisa também acessar uma plataforma digital. Poderia ser um problema? Nem tanto. “A demanda para aulas tem aumentado. Estou com turmas remotas também em São Paulo e no Rio Janeiro.”

Autonomia

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Na visão de Renato Giacomini, coordenador do curso de Engenharia Elétrica da FEI, a tendência é que as tecnologias sejam cada vez mais acessíveis para idosos. “Tem ficado claro a importância da facilidade do uso de ferramentas digitais. Quanto mais evoluírem, mais intuitivas elas ficarão”, afirma Giacomini.

Dentro dessa simplificação, está a aproximação da linguagem tecnológica para a humana, explica o professor. “Serão mais frequentes interfaces de voz e visuais.” Catarina, por exemplo, prefere se comunicar por mensagens de voz. “Acho que fica até mais fácil que discar no telefone”, diz ela. 

O maior desafio à frente, segundo especialistas, é a frequência das mudanças e atualizações. Botões diferentes e novas funcionalidades podem atrapalhar a assimilação, comenta Jorge Costa, da UERJ. 

Mas para Maria da Conceição é possível lidar com isso. “Se a gente aprender passo a passo, dá certo. É como se fosse uma receita de bolo”, diz. 

Grupo no WhatsApp ensina Instagram

Da vendinha em uma paróquia em Belo Horizonte, os artesanatos religiosos feitos por Marília Palmini, de 60 anos, chegaram ao Instagram nos últimos meses.“Foi uma forma de continuar vendendo mesmo com a quarentena”, conta ela. Por enquanto, as compras são de pessoas próximas, mas Marília está com o projeto de vender também itens de decoração de mesa e chegar a mais clientes na rede social. 

Quem a ensinou os macetes para vender no Instagram foi sua filha Luisa, de 29 anos. Formada em design da moda com especialização em comunicação digital, a jovem tem ensinado pequenos empreendedores a se posicionarem nas redes sociais - e não só sua mãe. 

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“Em março, tive de deixar meu emprego em moda e me dedicar apenas a atender esses empreendedores, porque a demanda aumentou muito com a pandemia”, conta ela, que hoje mantém um grupo no WhatsApp gratuito para ensinar pessoas com mais de 40 anos a mexerem no Instagram. Luísa também oferece cursos pagos mais especializados - em setembro, ela oficializou o negócio criando uma empresa de educação e marketing digital, chamada M Digital. 

Luísa ajuda Marília a vender seus artesanatos pelo Instagram Foto: Arquivo Pessoal

Antes de ensinar técnicas de publicidade para o Instagram, a jovem ensina os passos básicos para usar a rede social. “A raiz do problema desses empreendedores está em aprender o digital. Uma das dificuldades mais comuns que eu percebo, por exemplo, é o medo de apertar um botão e postar alguma coisa errada ou até mesmo quebrar o aparelho”, conta Luisa. “Muitas vezes os filhos ou os netos não têm paciência para ensinar”. 

No grupo do WhatsApp, que já tem 40 membros, ela compartilha vídeos com tutoriais detalhados de como usar determinadas ferramentas no Instagram, e também deixa o canal aberto para responder dúvidas pontuais. “A Luisa via meu sofrimento e entendeu a importância desse ensino”, diz Marília. 

'Já queimei o arroz de tanto usar o smartphone'

De tanto ficar no celular, Jeanete Aparecida, de 75 anos, já deixou queimar o arroz duas vezes na panela. “É muito bom usar a tecnologia, a gente não se sente só”, conta ela, que mora sozinha em Ribeirão Preto. 

Todo dia de manhã, é um ritual: ela acorda, toma café, e já pega o aparelho para mandar mensagens de bom dia para as amigas no WhatsApp. Jeanete também tem o costume de ver diariamente mensagens de um padre no serviço de vídeos YouTube

Ela aprendeu a mexer nas plataformas digitais com a cunhada que, por sua vez, aprendeu com a sua sobrinha. Para Jeanete, não foi difícil: “Eu fui mexendo um pouco e descobrindo as coisas com o tempo também. Outro dia aprendi a usar figurinhas no WhatsApp e tenho usado bastante”, diz. 

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Na pandemia, Jeanete passou a usar mais ainda o celular. E também se arriscou em outras plataformas. Com a ajuda de seu sobrinho, comprou uma Smart TV e aderiu ao Netflix. “Agora assisto séries e filmes tanto na TV quanto no celular. Tenho visto bastante”, afirma ela, que ama filmes policiais. 

Além disso, Jeanete está nas redes sociais. No Facebook, acompanha publicações do irmão e de amigos. Já o YouTube veio também para ajudá-la na cozinha. Por lá, ela pesquisa receitas variadas. Só não descobriu ainda como não queimar o arroz enquanto usa o celular. 

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