A Microsoft ensaia seu novo papel: líder moral da tecnologia

Entre as cinco empresas de tecnologia mais valiosas, a Microsoft é a única a não ser alvo das críticas no sentido de contribuir para os males que têm afetado a sociedade nos últimos anos

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Por Nick Wingfield
Atualização:
Satya Nadella tem estilo discreto, distante dos enérgicos Bill Gates e Steve Ballmer, que comandaram a Microsoft anteriormente. Foto: Reuters/Beck Diefenbach

Hoje, o Facebook e o Google são alvo de fortes críticas devido à maneira como suas tecnologias propagam a desinformação. Ao mesmo tempo, o crescente poder de mercado da Amazon é alvo constante de acusações por parte do presidente americano Donald Trump. Além disso, a Apple é a pioneira do moderno smartphone, considerado hoje um aparelho que provoca dependência. 

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Para fechar o grupo das cinco grandes empresas de tecnologia hoje em dia, temos a Microsoft, que passou a maior parte dos anos 1990 e começo de 2000 estigmatizada como a maior companhia e a mais vilã em seu campo. Hoje ela procura assumir um novo papel: a consciência moral do setor. Entre as cinco empresas de tecnologia mais valiosas, a Microsoft é a única a não ser alvo das críticas no sentido de contribuir para os males que têm afetado a sociedade nos últimos anos. 

Por outro lado, seu diretor executivo, Satya Nadella, e seu presidente Brad Smith, estão entre os mais explícitos defensores da proteção da privacidade do usuário e da criação de diretrizes éticas para novas tecnologias como a inteligência artificial. 

Na semana passada, o lado escrupuloso da Microsoft ficou bem visível novamente na Build, conferência de três dias que reuniu desenvolvedores em Seattle. Nadella anunciou um programa chamado AI for Accessibility, que vai conceder US$ 25 milhões durante cinco anos para pesquisadores, entidades sem fins lucrativos e desenvolvedores que utilizarem a inteligência artificial para ajudar pessoas deficientes. 

Nadella, cujo filho já adulto nasceu com paralisia cerebral, escreveu como a deficiência do seu filho o ajudou a se tornar mais identificado com a causa. Repetindo um tema ao qual se referiu na conferência do ano passado, Nadella disse que o setor tem a responsabilidade de criar tecnologia que possa dar mais habilidades a todas as pessoas. “Não temos de nos perguntar o que os computadores podem fazer, mas sim o que eles deveriam fazer”, disse ele. 

Ironia. O novo papel da Microsoft se deve em parte ao fato de a companhia não ser uma importante protagonista na área da mídia social, do streaming de vídeo e dos smartphones. Ela não extrai mais oxigênio dos mercados como a Amazon. Mas, embora seu poder venha diminuindo há algumas décadas, quando controlava o setor de computação por meio do Windows, a Microsoft ainda é uma companhia influente. 

Hoje, ela é a quarta empresa mais valiosa do mundo, avaliada em US$ 747 bilhões. Ela está apenas alguns bilhões abaixo da Alphabet, a matriz do Google (US$ 751 bilhões) e da Amazon (US$ 764 bilhões). No topo, está a Apple, avaliada em US$ 916 bilhões. 

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“A ironia, no caso da Microsoft, é que ela perdeu a corrida no âmbito da busca, das redes sociais e do celular. Como resultado, ela ficou a salvo da recente reação negativa dos governos e da mídia”, disse David Yoffie, professor da Harvard Business School. “Isto deu à Microsoft liberdade para enveredar pelo caminho de líder da ética no campo da tecnologia”. 

Renovação. Desde que assumiu o comando da Microsoft em 2014, Nadella adotou um estilo de liderança mais sensível do que seus dois predecessores, Steve Ballmer e Bill Gates. Hoje,essa mudança provou ser mais adequada para a Microsoft. 

Há duas décadas, a Microsoft foi retratada numa ação antitruste impetrada pelo governo dos Estados Unidos como uma companhia dominadora que atropelava seus concorrentes, o que se repetiu em ações similares movidas pela União Europeia e empresas privadas. 

Brad Smith conseguiu a paz nas batalhas antitruste enfrentadas pela Microsoft e Nadella foi o primeiro diretor executivo da companhia investido no cargo desde que as ações foram encerradas por meio de acordos. 

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Tim Cook, atual presidente executivo da Apple, também é um firme defensor da privacidade do cliente. Ele tem atacado Facebook e Google, que se sustentam com publicidade e lucram com os dados pessoais dos seus usuários, ao contrário do modelo de negócios adotado pela Apple. 

Cook não transferiu sua ira para a Microsoft, cuja receita na maior parte é obtida com software, hardware e serviços na nuvem. A empresa tem investimentos em serviços de Internet respaldados em parte pela publicidade, incluindo seu motor de busca Bing e o LinkedIn, rede social para profissionais, que adquiriu em 2016. 

Nadella é mais vacilante nas críticas a outras companhias de tecnologia. Um líder discreto, "na dele", ele colore seus discursos e entrevistas com referências à literatura, alertando que os criadores de tecnologia irresponsáveis podem contribuir para um mundo distópico como o descrito por George Orwell em 1984, ou no Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. 

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Brad Smith se tornou o embaixador onipresente da Microsoft nas grandes questões sociais enfrentadas pelo setor de tecnologia em Washington, em Bruxelas e em conferências. 

Às vezes, porém, a Microsoft ocasionalmente ainda é vista como vilã. Um indivíduo da Califórnia que vendia lixo eletrônico reciclado admitiu ter criado milhares de discos não autorizados que ajudavam as pessoas a restaurar o sistema operacional Windows ou PCs reformados. Condenado a 15 meses de prisão, ele afirmou que a Microsoft apoiava a ação impetrada pelas autoridades americanas porque ele ameaçava os negócios da empresa. 

Mas a Microsoft de 2018 está bem distante daquela empresa outrora retratada como “predadora corporativa”. “A companhia foi alvo dessa percepção negativa que outras companhias estão vivenciando hoje e ela não pretende voltar aos velhos tempos”, disse Vivek Wadhwa, membro da Carnegie Mellon University, em seu campus no Vale do Silício. 

Brad Smith disse que uma investigação mais profunda do setor de tecnologia nem sempre recai sobre as mesmas companhias. “Em um dado momento pode haver uma ou duas empresas no centro das atenções. Mas não devemos presumir que essas mesmas empresas estarão sempre sob os holofotes ou na defensiva”, afirmou ele. / Tradução de Terezinha Martino

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