
Pedro Doria
A pandemia e o futuro do Vale do Silício
Histórias absurdas costumam ser mentira mas, na internet, sempre é possível encontrar quem esteja disposto a acreditar nelas. E este ano será chave para o futuro das fake news
23/04/2020 | 19h57
Por Pedro Doria - O Estado de S. Paulo
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Talvez o prezado leitor não tenho sido informado — mas circula por aí que Bill Gates, aquele da Microsoft, é secretamente o financiador dos inventores do novo coronavírus. Este, por sua vez, foi criado em laboratório juntando o vírus da SARS original com trechos do HIV. Claro que é mentira.
Histórias absurdas costumam ser mentira mas, na internet, sempre é possível encontrar quem esteja disposto a acreditar nelas. E este ano será chave para o futuro das fake news. Por dois motivos. Um está diretamente ligado à pandemia. O outro, à escolha de candidata a vice-presidente do democrata Joe Biden. Ambos têm, no contexto, as eleições americanas.
A senadora democrata Elizabeth Warren saiu derrotada da corrida presidencial, mas ainda pode fazer muita diferença na política americana
Antes de tudo: a ciência não tem muitas certezas a respeito deste vírus, o SARS-CoV-2. Mas, dentre as poucas certezas, está a de que ele surgiu espontaneamente na natureza. Não é criação humana. Bill Gates, coitado, foi pinçado como responsável por quem não entende ciência. Afinal, ele já havia dado um alerta de que uma pandemia estava para vir. Cientistas sabiam disso por métodos estatísticos. Pandemias sempre vêm, são cíclicas. No jogo de dados, vez por outra uma tem alcance mundial. Como Gates deu o alerta público numa TED Talk, teve gente achando que era estranho ele ‘saber’ o que viria.
Mas 2020 é um ano chave para as fake news e para o Vale do Silício. A primeira razão é a pandemia. Não sabemos qual será seu tamanho, qual o impacto que terá em vidas ou na economia. Mas sabemos que a boataria desenfreada, as notícias falsas, atrapalham. Enganam as pessoas, fazem com que não estejam alertas o suficiente. Que se automediquem de forma errada. Num caso como este, fake news mata. Em algum momento haverá um balanço sobre quão grave foi a onda de mentiras no conjunto da crise.
As empresas do Vale do Silício estão agindo, principalmente aquelas três cujas plataformas servem à distribuição de notícias falsas. Facebook, Google (por conta do YouTube e da busca) e Twitter. Sua ação é de censura — o que é falso, tiram do ar. Não é uma solução perfeita, mas é a solução que há. Não é perfeita porque, ora, é dar poder de censura no debate público a empresas privadas. Tampouco é perfeita porque há questões complexas que fazem parte do debate científico — o que é falso nem sempre é claro.
Com muita frequência, o debate sobre fake news se dá nesta linha: quem decide o que é falso e quem define o que deve ser extirpado. É como as grandes empresas do Vale preferem que o debate siga. Mas há dois outros caminhos. O primeiro é o monopólio. Três empresas — justamente Facebook, Google e Twitter — controlam quase toda a conversa que temos online, ao menos no Ocidente. É um monopólio. Se as plataformas fossem mais fragmentadas, haveria um número maior de concorrentes disputando com ideias novas. Se, por exemplo, o Face fosse obrigado a se desfazer de Instagram e/ou WhatsApp. Se o Google tivesse de repassar o YouTube.
O segundo ponto é o algoritmo. Fake news aparecem para nós porque o programa que rege as redes sociais o decide. A intenção deste programa é fazer com que fiquemos a maior quantidade de tempo possível nas plataformas. Funciona direitinho — somos escravos delas. E funciona porque nos deixa permanentemente indignados. Se os programas fossem escritos com outras intenções, mentiras não seriam tão populares. O problema das notícias falsas seria muito menos grave. O debate, portanto, tem de passar por monopólio e tem de passar por escolhas concretas que as companhias fazem.
E é isto que nos leva à candidata a vice de Joe Biden. Uma das cotadas é a senadora Elizabeth Warren. Ela quer uma ação antitruste contra uma das Big Techs.
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