Aleksandr Kogan pede desculpas por ajudar consultoria a coletar dados do Facebook

Em entrevistas à imprensa americana, o pesquisador da Universidade de Cambridge disse que a rede social nunca se opôs ao quiz que captou dados de 87 milhões de pessoas

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Por Matthew Rosenberg
Atualização:
Aleksandr Kogan diz que Facebook sabia da prática de coleta de dados, mesmo sendo ilegal, e não se manifestou Foto: CBS News/AP

Alexander Kogan, o pesquisador da Universidade de Cambridge contratado pelo instituto Cambridge Analytica para colher informações a partir de dezenas de milhões de perfis do Facebook, defendeu, no domingo, 23, o seu papel na coleta de dados, dizendo que estava sendo franco sobre a forma como a informação seria usada e que ele “nunca ouviu uma palavra” de objeção por parte do Facebook.

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No entanto, Kogan, de 28 anos, um professor de psicologia que acabou sendo colocado no papel de vilão tanto pela Cambridge Analytica como pelo Facebook, lamentou seu papel na coleta de dados, realizada em 2014. “Na época, achamos que estava tudo bem. Mas agora realmente mudei de opinião,” disse ele. 

“Creio que a ideia central que tivemos – de que todo mundo sabe e ninguém se importa - estava errada”, acrescentou Kogan. “Por isso, sinceramente sinto muito.”

Desde que a abrangência total da coleta de dados pela Cambridge Analytica foi revelada no mês passado pelo The New York Times, tanto o Facebook quanto a consultoria política, têm estado sob intensa fiscalização e ansiosos em transferir a culpa para Kogan. As duas empresas disseram ter sido enganadas sobre como os dados estavam sendo coletados e para que finalidade seriam usados. O Facebook até mesmo baniu Kogan da rede social e deletou seu perfil.

Mas em sua primeira entrevista desde o relatório no The Times, Kogan insistiu que estava sendo sincero quanto ao aplicativo que criou para o Facebook para coletar os dados e que ninguém parecia se importar com aquilo. “A crença no Vale do Silício e certamente nossa crença naquele ponto era de que o público deveria estar ciente de que seus dados estavam sendo vendidos e compartilhados e usados em anúncios para eles!” disse Kogan em entrevista ao programa 60 Minutes no domingo.

Retrospecto. Fundada por Stephen Bannon e Robert Mercer, um rico doador republicano, a Cambridge Analytica alcançou importância pelo seu trabalho na campanha do presidente Trump na eleição de 2016. A empresa alega que desenvolveu ferramentas analíticas que podem identificar as personalidades dos eleitores americanos e influenciar seu comportamento – e que os dados do Facebook haviam sido usados para ajudar a criar as chamadas técnicas de modelagem psicográficas. 

As técnicas têm sido bastante questionadas por acadêmicos e outras empresas de dados políticos, e a Cambridge Analytica desde então tem insistido que os dados dos 87 milhões de usuários do Facebook que conseguiu coletar com o app de Kogan não foram utilizados em seu trabalho na campanha de 2016.

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Kogan foi contratado pela Cambridge Analytica em junho de 2014 - o mesmo mês em que a empresa foi fundada – e coletou os dados durante todo o verão solicitando aos usuários do Facebook que respondessem a um longo questionário sobre personalidade, o This is Your Digital Life (Esta é sua vida digital, em português). 

O questionário não estava realmente no Facebook. Foi abrigado por uma empresa denominada Qualtrics, que fornece uma plataforma para pesquisas online. Pediu-se aos entrevistados que autorizassem o acesso aos seus perfis no Facebook e, quando o fizeram, um aplicativo construído por Kogan realizou sua única função: colher os dados de usuários e de todos seus amigos no Facebook. Os nomes, datas de nascimento e dados de localização, bem como a relação de todas as páginas do Facebook que estes “curtiram”, foram baixados sem o conhecimento deles ou consentimento expresso.

O Facebook disse que aqueles que participaram do teste foram informados de que seus dados seriam usados ​​apenas para fins acadêmicos, alegando que a empresa e seus usuários foram enganados pela Cambridge Analytica e por Kogan. A Cambridge Analytica disse que lhe foi dito que o aplicativo de Kogan estava de acordo com as próprias regras do Facebook.

Mas o jornal inglês The Times informou no mês passado que a parte em letrinhas miúdas que acompanhava o questionário de Kogan dizia aos usuários do Facebook que os dados poderiam ser usados ​​para fins comerciais. Aquela foi uma completa violação das normas do Facebook na época, mas a empresa nada fez para impedir que o aplicativo de Kogan coletasse os dados. “Esta é a parte frustrante, mostrando que o Facebook claramente nunca se importou. Quero dizer, jamais colocou em vigor este acordo”, disse Kogan ao 60 Minutes.

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“Eu tinha os termos de prestação de serviço que estavam em vigor há um ano e meio dizendo que eu poderia transferir e vender os dados”, continuou acrescentando: “ninguém nunca disse nada”.

Até abril de 2015, o Facebook permitiu que os desenvolvedores de aplicativos coletassem algumas informações particulares dos perfis de usuários que fizessem o download de aplicativos, e os de seus amigos. O Facebook disse que permitiu esse tipo de coleta de dados para melhorar a experiência “in-app” (item à venda em um aplicativo) para os usuários.

O Facebook até trabalhou com Kogan. Em novembro de 2015, ele foi apresentado como um consultor para explicar as técnicas que havia usado na Cambridge Analytica, que se concentrou em como as páginas “curtidas” pelos usuários do Facebook poderiam revelar aspectos de suas personalidades. 

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“Na época,” disse Kogan no programa jornalístico 60 Minutes, “achei que tudo o que estava fazendo era correto”.

"Se eu tivesse algum indício de que aquilo iria destruir meu relacionamento com o Facebook”, disse ele, jamais “o teria feito”. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO 

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