Após comprar o Slack, a Salesforce de Marc Benioff põe a Microsoft na mira

Aquisição do serviço de comunicação corporativa fará empresa de software de vendas competir diretamente com a gigante fundada por Bill Gates

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Por David Streitfeld
Atualização:
Marc Benioff, presidente executivo da Salesforce Foto: David Paul Morris/Bloomberg

Há cinco anos, Marc Benioff chegou a negociar com a Microsoft a venda da Salesforce, empresa de software que ele cofundara em 1999 e que administra desde então. Se o negócio tivesse dado certo, ele teria sido muito bem recompensado – mas, no fim das contas, seria só mais um funcionário do colosso da tecnologia. Há duas semanas, ao anunciar que a Salesforce estava comprando o app de comunicação corporativa Slack por US$ 27,7 bilhões, Benioff fez algo muito mais difícil. Ele começou a se preparar para competir diretamente com a Microsoft, uma das empresas mais valiosas do mundo, em seu próprio território.

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Na corrida impulsionada pela pandemia, a Microsoft vem lutando contra o Slack para possibilitar a colaboração remota por meio de ferramentas de comunicação. Quanto mais rápido a natureza do trabalho se transformar, mais valiosa será a vitória e mais acirrada será a competição. Benioff, de 56 anos, não parece incomodado. Ou talvez esteja em negação. Numa entrevista de trinta minutos após anunciar o negócio da Slack e os ganhos da Salesforce, ele rejeitou todas as oportunidades de falar sobre sua história com a Microsoft ou mesmo reconhecer sua existência.

“Que empresa é essa?”, disse ele. “Como se escreve esse nome?”. 

A Microsoft tem um caixa de US$ 137 bilhões e um instinto competitivo bem apurado. Graças à onipresença do pacote Microsoft Office, a empresa recebe 115 milhões de usuários todos os dias em sua plataforma de bate-papo Teams, que supostamente foi criado para matar o Slack. Supostamente.

A Salesforce, especializada em software de gerenciamento de vendas, tinha US$ 9 bilhões em caixa neste verão. Apesar de sua familiaridade com o nome da marca, o Slack tinha apenas cerca de 12 milhões de usuários antes da pandemia. A empresa se recusou a atualizar seus números.

O aprendiz de Steve Jobs

Salesforce e Slack podem ser os azarões aqui – se você considerar que uma empresa de US$ 220 bilhões pode ser um azarão. Mas têm uma arma não muito secreta: Benioff. Ele aprendeu algumas lições para ser um grande showman com seu mentor, Steve Jobs, cofundador da Apple. Entre as lições, ele descobriu como transformar coletivas de imprensa em eventos e como se tornar a personificação de uma empresa. “Você tem que dar crédito a Benioff. Ele construiu uma das maiores empresas de software do mundo”, disse Mark Moerdler, analista de pesquisa sênior da Bernstein. “Mas esse negócio não vai ser fácil”.

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Antes que a pandemia do novo coronavírus obrigasse as pessoas a ficarem em casa, a Salesforce era o maior empregador privado de São Francisco, eclipsando o banco Wells Fargo, empresa de 168 anos. Seus escritórios ficavam na Salesforce Tower, um edifício em forma de batom (ou de formato fálico) que dominava o horizonte e podia ser visto de toda a baía de São Francisco. À noite, ele se transforma em um ponto iluminado – em 2018, chegou a emular o Olho de Sauron, numa referência ao vilão da trilogia O Senhor dos Anéis. 

Benioff, que tem raízes profundas na cidade, também dominava o discurso local, desafiando os outros chefes de tecnologia a se posicionarem publicamente. Ele e sua esposa, Lynne Benioff, contribuíram com US$ 100 milhões para um novo hospital infantil. Em 2018, o casal comprou a revista Time por US$ 190 milhões. A Forbes estima o patrimônio líquido de Benioff em US$ 9,4 bilhões.

Mas o magnata talvez esteja ficando cansado dos holofotes. “Você não encontrou nenhum outro protagonista mais interessante e mais bonito, não?”, ele perguntou.

Na entrevista, Benioff não se deixou ser dissuadido nem desviado de seus pontos de discussão: “Os negócios são a maior plataforma de mudança (...). O futuro da nossa indústria é um ambiente de trabalho em qualquer lugar (...). Gosto de inovar, gosto de criar, gosto de ver as coisas e fazer acontecer (...). Adoro cuidar de todos os colaboradores, não só dos acionistas”.

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Desafio de bater Microsoft é grande, mas sinergia também

A questão de saber se Benioff conseguirá desafiar a Microsoft provavelmente se tornará objeto de fascínio por um bom tempo no Vale do Silício. Nas últimas duas décadas, a Salesforce adquiriu dezenas de empresas para ampliar seus produtos principais. A maior aquisição antes da Slack foi a Tableau, uma empresa de visualização de dados, que a Salesforce comprou por US$ 15,3 bilhões no ano passado.

As reações iniciais à compra da Slack, que é um negócio que envolve dinheiro e ações, variaram do entusiasmo cauteloso ao entusiasmo exagerado. O Slack está perdendo dinheiro, e as ferramentas colaborativas da Salesforce são fracas. “Marc fechou o círculo. Depois de avaliar uma venda para a Microsoft, ele agora está se tornando a próxima Microsoft”, disse Venky Ganesan, diretor-gerente da empresa de capital de risco Menlo Ventures, especializada em software. 

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Ganesan, que disse conhecer Benioff apenas como homem de negócios, elogiou sua capacidade de “visualizar um determinado futuro e, em seguida, fazê-lo acontecer”. Já Daniel Newman, principal analista da Futurum Research, criticou a Salesforce no passado, mas disse que o negócio com o Slack tem uma chance razoável de sucesso.

“Você tem o Slack, um produto que as pessoas adoram, mas que não foi bem comercializado”, disse Newman. “A Salesforce e Benioff podem proporcionar um crescimento mais rápido e extrair um potencial inexplorado. Desculpe-me por usar a palavra da moda, mas talvez seja realmente um daqueles momentos de sinergia”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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