App Robinhood leva jovens à bolsa nos EUA, mas resultados são terríveis

Avaliado em US$ 8,3 bilhões, Robinhood tem aparência divertida, mas pode iludir quem não tem experiência para lidar com a alta variabilidade e risco do mercado de ações

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Por Nathaniel Popper
Atualização:
Richard Dobatse, em San Diego com sua família, se inscreveu no Robinhood em 2017 e disse que perdeu US$ 860 milem março Foto: John Francis Peters/The New York Times

O médico Richard Dobatse, de San Diego, às vezes comprava uma ação ou outra. Mas seu comportamento mudou em 2017, quando se inscreveu no Robinhood, app de investimentos que prometia tornar as transações na bolsa fáceis e, aparentemente, gratuitas. Avaliado em US$ 8,3 bilhões, o app fundado em 2013 se tornou uma sensação nos EUA a dar acesso fácil a complexos produtos de investimento, com recursos como emojis dando a cara de um videogame ao mercado financeiro. 

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Após abastecer sua conta com US$ 15 mil em adiantamentos de cartão de crédito, Dobatse começou a dedicar mais tempo ao app. Mas só perdia dinheiro, chegando até a hipotecar a casa.  Em sua conta no Robinhood, ele chegou a ter quase US$ 1 milhão. Mas quase toda essa quantia desapareceu recentemente. Na última semana, seu saldo era de US$ 7 mil. “Quando está negociando, ele não consegue comer”, disse sua mulher, Tashika Dobatse, com quem tem três filhos.

Jogo arriscado

Popular entre jovens, parte do sucesso do Robinhood parece ter como base o manual de estímulos comportamentais e notificações do Vale do Silício. É acessível, mas também acaba atraindo investidores sem experiência para operações arriscadas, segundo análise de dados da indústria e documentos jurídicos. E os dados indicam que, quanto maior o número de clientes com tal comportamento, melhor para a empresa.

Mais do que em qualquer outra corretora, os usuários do Robinhood negociam os produtos mais arriscados em um ritmo bem rápido, de acordo com análise de novos documentos apresentados por nove corretoras feita pela firma de pesquisas Alphacution para o New York Times.

Nos primeiros três meses de 2020, usuários do Robinhood negociaram nove vezes mais ações do que os clientes da plataforma E-Trade – e 40 vezes mais ações que os clientes da Charles Schwab. 

Quanto maior a frequência com que os pequenos investidores negociam suas ações, pior deve ser o seu retorno, de acordo com o apontado por estudos. “Eles incentivam o cliente a ir rapidamente do nível iniciante ao avançado”, disse o analista Scott Smith, da consultoria financeira Cerulli. “No longo prazo, é como uma tentativa de quebrar o cassino.”

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Esse incentivo rápido para negociar chamou a atenção em junho, quando o universitário Alex Kearns, de 20 anos, se suicidou após entrar no app e ver que seu saldo estava em US$ 730 mil negativos. “Não tinha intenção de receber tanto nem correr um risco tão grande”, escreveu Kearns em sua carta de despedida publicada no Twitter.

Como Kearns, o cliente médio do Robinhood é jovem e não tem experiência com investimentos. A média de idade é de 31 anos, disse a empresa, e metade dos clientes nunca investiu antes. Segundo funcionários, alguns usuários costumam visitar o escritório do Robinhood em Menlo Park, Califórnia, para confrontar os funcionários por causa do prejuízo sofrido. Em 2020, a startup instalou vidro blindado em sua entrada principal. 

Comissão

No cerne do modelo de negócios do Robinhood, está o incentivo a negociar mais. A empresa não cobra comissão pelas transações, mas é recompensada se os clientes negociam mais. Essa prática não é nova, e plataformas populares como E-Trade e corretoras como a Schwab também a reproduzem. Mas o Robinhood ganha significativamente mais do que elas por cada ação e contrato de opções enviado para as firmas de negociação de Wall Street, segundo documentos.

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Vlad Tenev, um dos fundadores do Robinhood, disse em entrevista que os jovens americanos corriam mais risco de prejuízo se simplesmente não investissem em ações. Para ele, a falta de participação das pessoas no mercado financeiro “acabou contribuindo para a grande desigualdade que vemos na sociedade atual”.

Ao NYT, ele disse ainda que a empresa acrescentou conteúdos educativos explicando como investir com segurança. Mas Tenevt não quis responder à reportagem por que o Robinhood ganha das firmas de Wall Street mais que as rivais. A empresa também se recusou a apresentar dados do desempenho de seus clientes. 

O Robinhood foi criado por Vlad Tenev e Baiju Bhatt depois de se conhecerem na Universidade de Stanford, em 2005 Foto: Robinhood

Democratização das finanças

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O Robinhood foi fundado por Tenev e Baiju Bhatt, dois filhos de imigrantes que se conheceram na Universidade Stanford em 2005. Após serem parceiros em diferentes empreendimentos, eles disseram ter se inspirado no movimento Occupy Wall Street para criar uma empresa capaz de tornar as finanças mais acessíveis. Batizaram a startup de Robinhood em homenagem ao fora-da-lei inglês que roubava dos ricos para dar aos pobres.

Em maio, o Robinhood disse ter 13 milhões de contas, alta em relação aos 10 milhões de contas no fim de 2019. A Schwab disse ter 12,7 milhões de contas de corretagem nos documentos mais recentes; a E-Trade informou ter 5,5 milhões de contas. Esse crescimento garantiu os interesse dos investidores. Sequoia Capital e New Enterprise Associates estão entre as firmas que injetaram US$ 1,3 bilhão no Robinhood. Em maio, a empresa recebeu mais US$ 280 milhões.

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Dois dias de março

“O Robinhood tornou os mercados financeiros acessíveis para as massas e, com isso, revolucionou a indústria da corretagem, que operava nos mesmos moldes há décadas", disse Andrew Reed, sócio da Sequoia, após a rodada de capitalização do mês passado. Tenev disse que o Robinhood investiu nas melhores tecnologias da indústria. Mas o risco das negociações feitas por meio do aplicativo foi ampliado por problemas técnicos na plataforma.

Em 2018, o Robinhood lançou um software que acidentalmente inverteu a direção das operações de opções, dando aos clientes o resultado oposto ao esperado. No ano passado, por engano, o app permitiu que as pessoas solicitassem empréstimos infinitos para multiplicar suas apostas, levando a imensos lucros e prejuízos. 

O site do Robinhood também ficou inativo mais vezes do que os da concorrência — desde março, foram 47 episódios no Robinhood e 10 ocorrências na Schwab — de acordo com análise do Times dos dados da Downdetector.com, que rastreia a confiabilidade das páginas da internet. Em março, o site ficou fora do ar por quase dois dias, em um momento de grande turbulência no valor das ações por causa da pandemia do coronavírus. Os clientes do Robinhood não puderam fazer transações para reduzir o estrago em suas contas.

Quatro funcionários do Robinhood (que não quiseram se identificar) disseram que a indisponibilidade decorreu de problemas com os servidores da empresa e o aplicativo para celular. Eles disseram que a startup investiu menos do que o necessário em tecnologia e avançou com pressa em lugar de cautela.

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Tenev disse não poder comentar a indisponibilidade além de uma publicação em um blog da empresa na qual ele descrevia o caso como “inaceitável". Recentemente, o Robinhood fez novos investimentos em tecnologia, disse ele. Os querelantes que processaram a empresa por causa da indisponibilidade disseram que o Robinhood pouco fez para responder ao seu prejuízo. Diferentemente de outras corretoras, a empresa não tem um número de telefone que os clientes possam chamar.

Dobatse sofreu seu maior prejuízo durante a indisponibilidade de março — US$ 860 mil, de acordo com seus registros. Ele disse que o Robinhood não respondeu aos seus e-mails. Um porta-voz do Robinhood afirmou que a empresa respondeu aos pedidos dele. Dobatse disse planejar que o caso seja arbitrado por reguladores financeiros. “Eles facilitam tudo para quem não entende de ações", disse ele. “Então, começamos a usar os serviços deles e perder dinheiro.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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