Apple vive ressaca de estratégia do US$ 1 trilhão

Ações caíram 10% ontem e afetaram mercado dos EUA, após previsão de queda nas receitas

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Por Bruno Capelas
Atualização:
Vendas na China surpreenderam negativamente o presidente executivo da Apple, Tim Cook Foto: Jim Wilson/The New York Times

A Apple vive dias de ressaca no início de 2019. No ano passado, a empresa chegou a bater US$ 1 trilhão em valor de mercado, coroando uma estratégia de vender iPhones a preços mais caros, em um momento em que o mercado de smartphones começa a desacelerar. Agora, a conta chegou: na noite da quarta-feira, 2, seu presidente executivo Tim Cook anunciou uma previsão de queda nas receitas do quatro trimestre de 2018, de US$ 93 bilhões para US$ 84 bilhões. O principal motivo é a queda nas vendas do iPhone em mercados emergentes – especialmente na China, de onde vem cerca de 20% do faturamento da empresa. 

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A notícia fez as ações da fabricante caírem 9,96% na quinta-feira, 3, na bolsa de valores Nasdaq, levando a empresa a ser avaliada em US$ 674 bilhões. É a maior queda da empresa desde 2013. O movimento também puxou para baixo o mercado financeiro americano: o índice S&P 500 encerrou o dia em queda de 2,48%; já a Nasdaq caiu 3,04%. Ao longo dos últimos três meses, a Apple perdeu US$ 423 bilhões em valor de mercado. De quebra, deixou o pódio das empresas mais valiosas do mundo – hoje, está em quarto, atrás de Microsoft, Amazon e Google. 

Causas. Há muitos motivos para explicar o mau desempenho da Apple nos últimos meses nos países emergentes. Fatores globais, como a redução do otimismo dos consumidores na China ou a guerra comercial entre os EUA e o país asiático, onde a americana fabrica a maior parte de seus aparelhos, claramente entram na conta. 

Durante o dia, o governo americano chegou a se pronunciar sobre o tema: “empresas americanas que têm vendas na China verão seus ganhos diminuírem até que tenhamos um acordo comercial com eles”, disse Kevin Hassett, presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca. 

Mas boa parte da culpa pela situação da empresa vem dela própria – algo que o próprio Tim Cook reconheceu na quinta-feira. “Não culparemos fatores externos”, disse ele a funcionários da empresa. Um dos fatores que mais pesa sobre a Apple é a dependência do iPhone – nos últimos anos, cerca de 60% das receitas da americana vieram das vendas do celular. 

“Desde que o Steve Jobs morreu, a Apple não consegue mais criar novos produtos de apelo”, diz William Castro Alves, estrategista-chefe da corretora Avenue. É algo crítico, ainda mais quando as vendas de smartphones no mundo se desaceleram – 2017 foi o primeiro ano em que houve queda no setor. 

É no mesmo ano que a Apple dá partida a sua estratégia “premium” ao lançar o iPhone X, primeiro smartphone a ser vendido por US$ 1 mil, posicionando-se como uma marca de luxo. Em 2018, a empresa renovou a tática com o lançamento do iPhone XS e do XS Max. No primeiro momento, a tática funcionou, com a empresa conseguindo crescer em receitas mesmo vendendo cerca de 20% aparelhos a menos, especialmente nos EUA e na Europa. Em mercados emergentes, porém, não funcionou tão bem: na China, um iPhone XS Max custa o equivalente a US$ 1,4 mil. Aqui no Brasil, por R$ 8 mil – pouco mais de US$ 2 mil. 

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Competição. Nesse ínterim, a empresa trouxe poucas inovações, como a tela “infinita”, quase sem bordas, e viu concorrentes chinesas e a Samsung se aproximarem no retrovisor – a ponto de perder o posto de segunda maior fabricante de celulares do mundo para a chinesa Huawei. Hoje, é possível encontrar smartphones de alto padrão no país asiático por cerca de metade do que se paga num iPhone – e com inovações interessantes, como câmeras de múltiplas lentes. O alto preço também levou usuários a buscar o mercado de dispositivos usados.

De quebra, com o avanço da guerra comercial entre EUA e China e até a prisão de uma executiva da Huawei no Canadá, os consumidores chineses se sentiram mais impelidos a comprar marcas locais, como Vivo e Oppo, além da já citada Huawei. Ao final do 3º trimestre de 2018, a Huawei tinha 23% do mercado, Oppo 21% e Apple 9%. Um ano antes, esses números eram respectivamente 19%, 19% e 10%. “As chinesas têm inovado mais que a Apple e há incentivo local para que elas vendam mais”, destacou o analista Joel Kulina, da corretora Wedbush Securities. 

Para os analistas ouvidos pelo Estado, a Apple tem duas saídas possíveis para melhorar sua situação. A primeira é abdicar da estratégia premium em alguns mercados.“Para a Apple se dar bem, os preços nos mercados emergentes precisam cair”, disse Joel Kulina. A outra é um bocado mais difícil: reduzir a dependência do iPhone e criar novos mercados para seguir crescendo. 

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