Audiências de Zuckerberg no Congresso dos EUA foram teatro de cúmplices

O Facebook só existe – e continuará existindo – da forma como ele é porque o Congresso dos EUA nunca Implementou um modelo regulatório que protegesse satisfatoriamente a privacidade dos usuários de internet

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Por Dennys Antonialli
Atualização:
Mark Zuckerbergdurante audiência no Senado nesta quarta-feira, 10 Foto: NYT

Mark Zuckerberg teve que trocar o agasalho pela gravata para enfrentar, nos últimos dois dias, uma verdadeira sabatina do Congresso dos Estados Unidos a respeito do escândalo envolvendo o Facebook e a Cambridge Analytica.

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Pálido e visivelmente cansado, Zuckerberg respondeu perguntas duras sobre praticamente todos os temas possíveis: do modelo de negócios às políticas de inclusão e diversidade racial da empresa. Um a um, os membros do Congresso parecem ter sabido aproveitar seus 4 ou 5 minutos para mostrar a seus eleitores – e ao resto do mundo – que não estão felizes com a atuação da plataforma.

As interrupções frequentes e o tom quase irônico dos congressistas deixavam claro que estávamos assistindo ao mais bem produzido “puxão de orelha” da história da internet. A imagem do jovem empresário acuado, sendo constrangido perante os “representantes do povo”, é poderosa: algo está sendo feito. 

O prazer quase sádico que se sente com a reprimenda é justificável: em sua saga para tornar o mundo mais “aberto e conectado”, o Facebook já errou muito. Com os erros, costumam vir as desculpas e, com elas, algumas mudanças. O que não muda é o modelo de negócios da empresa que, graças à coleta massiva de dados de usuários, pode oferecer sofisticadas ferramentas de direcionamento de anúncios, serviço esse que é responsável por grande parte de sua invejável receita de US$ 40,6 bilhões, só em 2017. 

O que parece não ter ficado claro é que Zuckerberg não construiu tudo isso sozinho. O Facebook só existe – e continuará existindo – da forma como ele é porque o Congresso dos EUA nunca implementou um modelo regulatório que protegesse satisfatoriamente a privacidade dos usuários de internet. Sempre que surgiram propostas nesse sentido, elas foram sumariamente rechaçadas.

Tal como está desenhado hoje, o modelo dá às empresas do setor de internet grande liberdade para desenhar suas políticas de coleta e tratamento de dados, privilegiando a inovação e o crescimento da chamada “economia digital” no país. O direito à privacidade é uma questão de escolha, sendo facilmente revogável a partir do (suposto) consentimento dos usuários.

Em um ambiente regulatório tão permissivo, empresas do setor de internet encontraram as condições mais favoráveis para se desenvolver. Não é a toa que as gigantes do setor estejam sediadas lá. E também não é a toa que o Congresso tenha resistido tanto – e por tanto tempo – a interferir nesses modelos de negócios. E isso expôs não só os cidadãos dos Estados Unidos, mas os do mundo inteiro. Se há alguma coisa a esperar desse teatro é que os congressistas percebam que o sucesso e o fracasso de Zuckerberg se devem também a eles.  DENNYS ANTONIALLI É PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP E DIRETOR DO INTERNETLAB, CENTRO DE PESQUISA EM DIREITO E TECNOLOGIA

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