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Banco Central decreta liquidação extrajudicial do Banco Neon

Medida foi tomada em função de comprometimento econômico-financeiro e da existência de 'graves violações às normas legais e regulamentares'

Por Fabrício de Castro , Fernando Nakagawa e Claudia Tozzeto
Atualização:
Conforme o BC, 'as irregularidades não estão relacionadas com a movimentação de conta digital' Foto: André Dusek/Estadão

Banco Central informou, por meio de nota, a decretação da liquidação extrajudicial da parte referente à instituição bancária da startup brasileira Neon, o Banco Neon S.A., que tem sede em Belo Horizonte. De acordo com o Banco Central, a medida foi tomada em função de comprometimento da situação econômico-financeira e existência de graves violações às normas legais do banco. A Neon Pagamentos, startup que recebeu aporte de R$ 72 milhões na última quinta-feira, 3, não foi afetada pela decisão do Banco Central e poderá continuar funcionando normalmente. 

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Em nota divulgada à imprensa, a empresa explica que o nome Banco Neon é a atual denominação do antigo Banco Pottencial, uma instituição jurídica distinta da Neon Pagamentos, cujos sócios e administradores criaram a Neon durante uma joint venture em 2016.

O Banco Central confirmou a informação de que a liquidação extrajudicial foi decretada apenas para o banco tradicional, que tinha cerca de R$ 200 milhões de ativos. Deste montante, cerca de R$ 25 milhões dizem respeito a contas digitais e emissões de cartões pré-pagos.

Para o órgão regulador, a Neon Pagamentos é considerada uma startup de tecnologia que presta serviços ao Banco Neon. Era por meio da plataforma tecnológica da Neon Pagamentos, por exemplo, que os clientes conseguiam abrir contas digitais e emitir cartões pré-pagos do Banco Neon. Como as irregularidades foram encontradas no Banco Neon, a Neon Pagamentos não está em liquidação e poderá continuar a operar normalmente.

Com a ação contra o antigo Banco Pottencial, no entanto, a Neon Pagamentos fica sem banco liquidante, indispensável para a startup prestar alguns de seus serviços. Assim, até conseguir um novo banco parceiro, os clientes Neon não podem fazer pagamento de boletos, envio e recebimento de transferências, utilizar cartão de crédito, resgatar seus Certificados de Deposito Bancário (CDB) e recarga de celular.

"A Neon Pagamentos já toma providências para contar com novo banco liquidante para regularizar a prestação de seus serviços e reforça o compromisso de manter clientes e mercado informados", diz a empresa por nota horas depois de ser notificada pelo Banco Central.

Em entrevista ao Estado, o presidente e fundador da Neon Pagamentos, Pedro Conrade, disse que os controladores do Banco Pottencial fizeram parte do grupo de mais de 20 investidores anjo responsáveis pelos três primeiros aportes recebidos pela startup, um montante total de R$ 16 milhões. "Os sócios do banco fizeram um aporte que rendeu uma participação muito pequena na Neon Pagamentos e que ainda é minoritária", disse.

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O empreendedor disse ainda que os clientes que têm Certificados de Depósito Bancário (CDB) da instituição serão os mais afetados. Esses terão seus recursos temporariamente bloqueados, mas assegurados até o monantate  de R$ 250 mil pelo Fundo garantidor de Créditos (FGC). Segundo Conrade, nenhum cliente tem investimento de um montante acima do limite pago pelo FGC.

A marca Neon, afirmou Conrade, foi emprestada ao Banco Pottencial quando as duas empresas fecharam acordo operacional, há dois anos. O executivo disse ainda que a decisão foi ruim, mas que era impossível de ser prevista.  Conrade disse que ainda não é possível mensurar o impacto da ação judicial ao nome Neon e se será necessário trocar a marca. Entre as principais dificuldades que o executivo prevê está a queda no número de clientes. Até ontem a startup tinha mais de 600 mil usuários com previsão para fechar o ano com 1 milhão.

Ação. Segundo apurou o Estado, um dos motivos para a decisão do órgão regulador é que o Banco Neon vinha apresentando deficiência patrimonial. O rombo girava em torno de R$ 28 milhões. Como a instituição precisava ter patrimônio mínimo de R$ 23 milhões, a necessidade de capitalização do banco era de R$ 52 milhões.

Para cobrir isso, a instituição, uma das principais startups de serviços financeiros do País, vinha promovendo registros irregulares em seus balanços. A operação consistia em pegar recursos de aplicação dos clientes e repassá-los a uma empresa não financeira, chamada Pottencial Assessoria e Consultoria (PAC). A PAC está ligada ao Banco Pottencial, que faz parte da criação do Banco Neon. No momento de resgate das aplicações, os recursos voltavam da PAC ao Neon e eram repassados normalmente aos clientes. Até este ponto, não havia irregularidades. O problema é que o Neon lançava a operação em seus balanços como "operação de crédito", promovendo o aumento artificial de ativos. A terceira irregularidade constatada pelo Banco Central está ligada a não observância das regras de lavagem de dinheiro.

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A liquidação ocorre um dia após o banco receber aporte de R$ 72 milhões em primeira grande rodada de investimentos (série A). O valor é o maior já recebido entre as chamadas “fintechs”, superando as cifras recebidas na mesma etapa por empresas como Nubank e Guia Bolso. Entre os investidores está o fundo brasileiro Monashees e o Omidyar Network, do fundador do eBay, o bilionário Pierre Omidyar.

O Estado apurou que as informações desta captação do Neon, ocorrida ontem, não haviam chegado oficialmente ao Banco Central. Além disso, o banco vinha sendo analisado não apenas em função da deficiência patrimonial.

Dimensão. Instituição de pequeno porte, o Banco Neon detém 0,0038% dos ativos do sistema bancário e está autorizado a operar como banco comercial. Possui apenas uma agência bancária, na cidade de Belo Horizonte.

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"O Banco Central está adotando todas as medidas cabíveis para apurar as responsabilidades, em observância às suas competências legais de supervisão do sistema financeiro", informou o Banco Central em nota. "Nos termos da lei, ficam indisponíveis os bens dos controladores e dos ex-administradores da instituição."

Conforme o Banco Central, "as irregularidades encontradas no Banco Neon não estão relacionadas com a abertura e movimentação de conta digital ou com a emissão de cartões pré-pagos, objeto de acordo operacional com a empresa Neon Pagamentos S.A. para estruturação de plataforma de banco digital integrada com a gestão de contas de pagamento".

O Banco Central esclareceu, por meio da assessoria de imprensa, que a Neon Pagamentos não foi submetida ao regime especial de liquidação. Como as operações da Neon Pagamentos eram cursadas pelo Banco Neon, os saldos serão bloqueados até que o liquidante realize os levantamentos para identificar titulares e valores a serem restituídos.

De acordo com o BC, o liquidante vai adotar "as providências necessárias para o levantamento dos saldos dos cartões pré-pagos para a devida restituição, bem como dos valores relativos às coberturas do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), com a celeridade possível". Os demais credores, conforme o BC, serão informados pelo liquidante a respeito das providências para habilitação de seus créditos.

Perdas. O Banco Neon acumulou seis trimestres seguidos de prejuízo antes da liquidação. Dados informados pela própria instituição financeira ao Banco Central mostram que as perdas ocorrem sistematicamente desde o terceiro trimestre de 2016. Nesse período, a instituição financeira acumulou perdas de R$ 11,653 milhões.

Os relatórios trimestrais enviados pelo Neon ao BC mostram que as perdas estavam cada vez mais elevadas. No quarto trimestre de 2017, o prejuízo somou R$ 2,756 milhões, valor 462% maior que o observado um ano antes. No terceiro trimestre, as perdas alcançaram R$ 3,820 milhões, cifra 260% superior à registrada em igual período de 2016.

O acúmulo de perdas seguidas resultou na deterioração da estrutura de capital do pequeno banco mineiro que tentava concorrer com as fintechs. Em dezembro de 2017, o capital principal da instituição já era 18% menor que o observado 12 meses antes e somava R$ 33,235 milhões.

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Mesmo com essa situação, o volume de depósitos no Neon saltou 53% no período, de R$ 119,277 milhões em dezembro de 2016 para R$ 182,686 milhões no fim do ano passado. Dos recursos depositados no Neon, R$ 7,193 milhões eram depósitos à vista em conta corrente e R$ 152,381 milhões a prazo, em operações como CDB.

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