Chegou a hora do antitruste?

Os Congressos são compostos por gente mais velha, que raramente tem formação técnica e mal compreende conceitos como aprendizado de máquina ou big data. E não dá para regular o que não se entende nem se consegue prever.

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A chefe da Comissão Europeia, Margrethe Vestager Foto: Johanna Geron/Reuters

No início da semana, pouco antes de viajar para o G-20 no Japão e já demonstrando mau humor com as conversas que teria, o presidente americano Donald Trump se queixou da União Europeia. Sem citar nomes, bateu na comissária de competição, Margrethe Vestager. “Ela odeia os Estados Unidos”, disse Trump. “Está processando todas nossas empresas.” Há sim, na Europa, uma imensa preocupação com a ação das companhias do Vale do Silício. Algumas foram multadas pesadamente, outras estão sendo investigadas. E não é que Trump discorde da necessidade de ação. “Nós é que deveríamos estar processando Google, Facebook e todas mais. E talvez o façamos.”

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Na Europa, as preocupações são de toda sorte. Começam com evasão fiscal — as cinco maiores empresas, quase todas com valor de mercado na casa de US$ 1 trilhão, fazem todo tipo de manobra envolvendo paraísos fiscais para driblar tantos impostos quanto conseguem. Este é o de menos. Há toda sorte de questionamento por práticas anticompetitivas. Dumping, usar seu poderio nas redes para dificultar acesso a concorrentes, descumprir promessas feitas às autoridades. Para não falar da sensibilidade política — a percepção de que as plataformas criaram novas formas de manipular eleições, alimentaram a angustiante polarização, e não prestam contas com a clareza necessária.

Não são queixas apenas dos europeus. No primeiro debate entre pré-candidatos à Casa Branca do Partido Democrata, dividido em dois dias ontem e anteontem, o assunto apareceu. Todos concordam que alguma coisa tem de ser feita.

Nos EUA, o Vale tem se agarrado a um argumento essencial: é melhor que Washington não faça nenhuma interferência sob o risco de atrapalhar a capacidade americana de enfrentar a concorrência chinesa. É um argumento que sensibiliza o governo Trump. Mas não muito.

Ainda assim, a conversa a respeito de regulação não anda. Por dois motivos. O primeiro é que, embora tanto democratas quanto republicanos concordem que há um problema, não chegam a um acordo a respeito de qual é o problema. É o mesmo debate que acontece no Brasil entre direita e esquerda, assim como em todo o mundo. Polarizados, afinal. A direita está convencida de que as plataformas digitais a censuram, a perseguem e sequer escondem seu viés de esquerda. A esquerda, por outro lado, percebe nas plataformas o ambiente que envenena a conversa política e a radicaliza, dando visibilidade em excesso à extrema-direita e não coibindo publicidade eleitoral ilegal, notícias falsas e teorias conspiratórias.

A segunda razão é mais complexa. Em se concordando que é preciso regular, como regular? O problema essencial da tecnologia, neste momento da história, é que ela muda, e muda rápido. Como construir regras para problemas que ainda não são conhecidos? Como evitar que novas regras impeçam, mesmo que sem querer, o rumo da inovação? Os Congressos — não apenas o americano — são compostos por gente que tende a ser mais velha, que raramente tem formação técnica e, por isso mesmo, mal compreende conceitos como os de aprendizado de máquina ou big data. Não dá para regular o que não se entende e não se consegue prever.

É uma sinuca de bico.

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Veterana da cobertura do Vale, editora do Recode e colunista do The New York Times, Kara Swisher defende que o problema é outro. O Vale não se move e não dá atenção aos problemas porque não tem competição. Swisher, que foi casada com uma vice-presidente do Google, está batendo nesta tecla. Não é preciso regular, basta restabelecer competitividade no mercado.

Chegou a hora do antitruste. 

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