China deixa gigantes dos EUA para trás outra vez

Acordo do Uber com Didi Chuxing é mais uma prova de que as norte-americanas não sabem navegar no obscuro mercado chinês

PUBLICIDADE

Por Farhad Manjoo
Atualização:
Fundador do Uber, Travis Kalanick foi afastado da empresa após investigação de assédio sexual Foto: Bloomberg

Travis Kalanick, cofundador e presidente executivo do aplicativo de carona paga Uber, frequentemente defende sua vontade de arriscar bilhões para ganhar o mercado chinês com uma pergunta simples: se você tem a chance de se tornar a Amazon e o Alibaba ao mesmo tempo, por que não tentar?

PUBLICIDADE

A consequência foi simples. Nas últimas duas décadas, a Amazon, o Facebook, o Google e outros gigantes americanos da tecnologia seguiram um roteiro parecido para a dominação mundial. Como uma armada imperial saindo da costa oeste da América do Norte, essas empresas tentaram estabelecer bases em todos os continentes. Mas, quando os gigantes americanos mergulharam em águas chinesas – o maior mercado mundial da internet – sua armada invariavelmente encalhou.

Atormentadas por regulamentações opacas e mutáveis e uma maneira de fazer negócios obscura, as empresas americanas precisaram se curvar diante de gigantes locais. Em vez de Google, o Baidu. Em vez do Facebook, WeChat. E, em vez de Amazon, Alibaba.

Isso nos deixou com uma fratura. Hoje existe a internet chinesa e a do resto do mundo. Uma rede vista em seus primórdios como ferramenta para promover a unidade financeira e política em um planeta fragmentado dividiu-se irrevogavelmente em duas esferas separadas.

Reviravolta. Kalanick, empresário reconhecidamente competitivo e agressivo, aparentemente estudou os riscos e parecia determinado a construir uma ponte sobre esse abismo. Assumir a China não era uma opção, mas a missão central de sua nova empresa. Ele arriscou bilhões e gastaria muito tempo para entender os segredos de se dar bem por lá.

O objetivo parecia nobre, mas a oportunidade, no final das contas, era de arregalar os olhos: a Amazon tem um valor de mercado de US$ 365 bilhões e o Alibaba vale cerca de US$ 200 bilhões.

O negócio de transportes compartilhados pode um dia crescer e chegar a ser tão valioso quanto o comércio eletrônico, se não maior – e não seria fantástico se ele pudesse ter tudo, em todos os lugares?

Publicidade

Bem, ele não pode. No início do mês, o Uber disse que vai vender suas operações chinesas para a rival Didi Chuxing, efetivamente cedendo a China para o favorito caseiro. O movimento cimenta um tipo de guerra fria sino-americana pela internet.

Empreendedores podem escolher vencer na China ou no resto do mundo. Você pode ser o Alibaba ou a Amazon. Você pode ser o Uber ou o Didi. Mas não pode ser os dois. Dada a expansão do mercado chinês e a crescente tensão sobre o papel das empresas de tecnologia americanas no resto do globo, o buraco entre os dois lados promete se tornar um dos mais importantes fatores na hora de determinar o formato da inovação tecnológica no planeta.

Em guerra. Como exatamente será essa guerra? De algumas maneiras, estar sob as graças de dois polos de liderança na internet poderia ser bom para os cidadãos do mundo. Em mercados emergentes como a Índia, o Oriente Médio e partes da África e da América do Sul, gigantes como a China e os Estados Unidos estão cada vez mais investindo bilhões para competir por clientes locais.

Por exemplo, Duncan Clark, consultor de investimentos na China que escreveu Alibaba: The House That Jack Ma Built (Alibaba, a casa que Jack Ma construiu, em tradução livre) demonstra como a Amazon e o Alibaba são contrastantes.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

“A Amazon está cada vez mais fazendo seus próprios produtos e entrando no negócio de logística e entrega. Mas o Alibaba é um mercado que não possui inventário e se descreve como um meio de ajudar os comerciantes locais – então talvez haja algum argumento de que o Alibaba poderia servir como uma reação global à Amazon”, explicou Clark.

Mas o acordo do Uber com o Didi – no qual o Uber vai levar 18% de participação na empresa conjunta, que certamente será um monopólio no mercado de transporte compartilhado da China – aponta para outro resultado em potencial: uma série de ofertas de acomodação em que gigantes cedem grandes partes do mundo uns para os outros, de maneira que possam esculpir pragmaticamente suas esferas de influência como jogadores do Grande Jogo.

“Dessa maneira poderia ser como a Conferência de Yalta”, afirmou Clark, referindo-se ao encontro de 1945 em que os vencedores da Segunda Guerra determinaram a ordem geopolítica do pós-guerra.

Publicidade

Publicamente, Kalanick insistiu que estava brigando pela vitória total na China. Mas ele provavelmente sabia que o Uber sempre teria dificuldade. Ainda assim, investir cedo no país pareceu um passo grande demais para ser ignorado.

“A oportunidade do transporte compartilhado na China é basicamente tão grande quanto a do resto do mundo combinado, se não maior”, explica Ben Thompson, analista da consultoria Stratechery. “Para o Uber, a China era basicamente a cobertura do bolo.”

Em altaLink
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

Por enquanto, é uma cobertura especialmente deliciosa. Os US$ 2 bilhões que o Uber gastou para entrar na China agora valem cerca de US$ 7 bilhões na nova entidade resultante da fusão; se o Didi se tornar uma das maiores empresas de tecnologia da China, o valor da participação do Uber no país poderia crescer geometricamente, tornando a empresa muito mais atraente em uma potencial oferta inicial de ações. Sair da China também libera o Uber para investir mais em outros mercados, assim como expandir iniciativas, como na área de carros autônomos.

Mas, no final, se gastar muito para atuar na China funcionar para o Uber, isso certamente não será um modelo para outros gigantes da tecnologia.

“O mercado de carona é um dos poucos onde as vantagens são grandes o suficiente para justificar a entrada. Para a maioria das empresas, ir para a China não trará nada além de problemas”, afirma Thompson.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.