Com queda no mercado de PCs, Intel mira novos setores

Sem conseguir entrar no mercado de processadores para smartphones, a fabricante norte-americana, que ainda tem 54% de sua receita trimestral dependente dos computadores, busca inovar nos segmentos de ‘internet das coisas’ e de infraestrutura

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Por Matheus Mans e Bruno Capelas
Atualização:
Brian Krzanich é presidente executivoda Intel Foto: Reuters

Se o mercado de tecnologia tivesse uma calçada da fama, a estrela da Intel seria uma das principais. A companhia norte-americana foi uma das pioneiras no desenvolvimento de processadores para computadores, virou sinônimo para chips e chegou a valer mais de US$ 500 bilhões em seu auge, na metade do ano 2000. Hoje, com valor de mercado de US$ 149 bilhões, a Intel não deixou de ser uma gigante, mas sua estrela tem perdido o brilho de antigamente na mesma velocidade do declínio dos PCs. Esse mercado viveu o pior ano de vendas globais da história em 2015 e prejudicou a Intel, que tem mais da metade de sua receita atrelada aos chips para computadores e há anos sofre para achar seu papel na indústria pós-PC.

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No balanço do último trimestre divulgado pela Intel, fica clara a dependência da companhia em relação aos processadores para PCs. Da sua receita de US$ 13,5 bilhões obtida entre abril e junho, US$ 7,3 bilhões (54%) vieram da área de computação. Na comparação ano a ano, a empresa perdeu 3% da receita com processadores para PCs. E o cenário para os próximos meses não é promissor: segundo previsão da consultoria Gartner, as vendas globais de PCs devem cair 3% em relação ao ano passado, o que deve fazer 2016 superar o péssimo resultado do ano passado.

“O mercado de computadores é difícil”, afirma a analista de pesquisas da Gartner, Mikako Kitagawa. “A Intel está tentando mudar sua estratégia para ir além dos computadores e encontrar um mercado em que sua tecnologia também faça sentido.” As tentativas da empresa de mudar o foco têm sido infrutíferas há anos. Quando o setor de smartphones decolou, com o lançamento do primeiro iPhone em 2007, a Intel deixou os dispositivos móveis em segundo plano. Somente em 2012, a companhia conseguiu convencer os primeiros fabricantes a adotar seu primeiro processador Atom, o Medfield.

“A Intel não soube entrar no mercado de smartphones”, explica o pesquisador do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da USP, Renato Franzin. “Eles tentaram colocar chips de computadores em tablets e smartphones, só fazendo uma adaptação. Não deu certo.”

Entretanto, àquela altura, a maior parte dos smartphones já usava processadores baseados na arquitetura ARM. A empresa britânica – que foi comprada nesta semana pela SoftBank por US$ 31 bilhões – se tornou relevante ao adotar uma estratégia diferente da Intel: em vez de projetar e vender os chips, a empresa só desenvolveu a arquitetura e a licencia para qualquer fabricante interessado. Em 2015, os chips ARM, fabricados em sua maioria pela Qualcomm e NVidia, estavam em 85% dos smartphones, tablets e notebooks vendidos em todo o mundo. “A ARM não concorre com os grandes fabricantes”, afirma José Antonio Scodiero, presidente da Fast Company, que representa a ARM no Brasil.

Arrumando a casa. Em maio deste ano, a Intel demitiu mais de 12 mil funcionários para “focar em áreas mais rentáveis”. E o presidente executivo Brian Krzanich descontinuou a linha de processadores para smartphones, depois de gastar mais de US$ 10 bilhões para tornar a empresa competitiva nessa área, segundo estimativas de consultores especializados.

“Não estamos abandonando nada do que estamos fazendo”, afirma o diretor de desenvolvimento de tecnologias da Intel para a América Latina, Reinaldo Affonso. “Estamos apenas direcionando os recursos para áreas que precisam de mais carinho para crescerem solidamente e mais rápido.”

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A empresa também anunciou que vai licenciar a arquitetura ARM para fabricar chips projetados por terceiros. Isso permitirá que empresas como a Apple e Qualcomm terceirizem a produção de processadores com essa arquitetura nas avançadas linhas de produção da Intel espalhadas pelo mundo. Isso pode ajudar a gigante a faturar, ao menos um pouco, com o bilionário mercado móvel.

Novo horizonte. Além da mudança na estratégia móvel, a Intel passou a desbravar novos segmentos. O primeiro foi o de chips para servidores de data centers, que estão no centro da estratégia das empresas que apostam na computação em nuvem. No segundo trimestre de 2016, teve ganhos de US$ 4 bilhões nessa área, que já representa quase 30% da receita total da empresa. “Nossos negócios em data center crescem a cada ano”, explica Affonso. “Atuamos não só em processadores, mas também em software para data centers.”

O segmento pode ser um dos mais promissores para a Intel, porque o processamento da maior parte dos programas migrou do PC para a nuvem. “Hoje, a inovação acontece na nuvem e a infraestrutura é o que faz as coisas funcionarem”, afirma Franzin, da USP. Outra área que promete ganhos, ainda que num futuro distante, é a “internet das coisas” – apelido dado à revolução tecnológica que vai conectar todos os dispositivos à nossa volta. Atualmente, o segmento representa só 4,2% da receita da Intel. “Internet das coisas é o nosso próximo grande negócio”, aposta Affonso.

No último evento para desenvolvedores da Intel, o IDF 2016, a empresa mostrou que está desenvolvendo chips, como o Joule, para funcionar em qualquer dispositivo – de óculos de realidade virtual a drones –, mas oferecendo a mesma potência de um computador. Se conseguir emplacar seus chips nessa nova área, a Intel terá boas chances no futuro. “O processador continua sendo o filé da indústria e a Intel domina esse segmento”, diz Franzin. “Ainda não existe uma Pepsi para a Intel.”

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