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Como Mark Zuckerberg e Tim Cook tornaram-se rivais

Recurso de privacidade para iPhone deve escalar as tensões de uma guerra fria que se arrasta há uma década

Por Mike Isaac e Jack Nicas
Atualização:
Zuckerberg é um ex-universitário que abandonou Harvard e construiu um império nas redes sociais, enquanto Cook é um executivo lapidado, que ascendeu na Apple criando cadeias de fornecimento eficientes Foto: Reuters

Em uma conferência que reuniu magnatas da tecnologia e da mídia no Sun Valley, em Idaho, em julho de 2019, Tim Cook, da Apple, e Mark Zuckerberg, do Facebook, sentaram para conversar, numa tentativa de reparar seu desgastado relacionamento.

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Há anos, os diretores executivos se encontram anualmente no evento, que era organizado pelo banco de investimentos Allen & Co., para botar os assuntos em dia. Mas, dessa vez, o Facebook estava enrolado com um escândalo relativo a privacidade de dados. Zuckerberg era criticado por congressistas, agências reguladoras e executivos - Cook entre eles - por permitir que os dados de mais de 50 milhões de usuários do Facebook fossem processados por uma firma de pesquisas eleitorais, a Cambridge Analytica, sem seu consentimento.

Na reunião, Zuckerberg perguntou a Cook como ele lidaria com a repercussão dessa controvérsia, afirmaram fontes a par da conversa. Cook respondeu acidamente, que o Facebook deveria deletar qualquer informação que coletou das pessoas fora de seus aplicativos principais.

Zuckerberg ficou atônito, afirmaram as fontes, que não têm autorização para falar publicamente a respeito do assunto. O Facebook depende dos dados de seus usurários para direcionar publicidade online e lucrar com isso. Ao pedir que o Facebook pare de colher esses dados, Cook estava na verdade dizendo a Zuckerberg que o negócio dele é insustentável. Ele ignorou o conselho de Cook.

Dois anos depois, as posições conflitantes de Zuckerberg e Cook explodiram, tornando-se uma guerra franca. A Apple planeja lançou nesta segunda, 26, um novo mecanismo de proteção de privacidade que exige dos usuários de iPhone que escolham, explicitamente, se permitem ou não que aplicativos como o Facebook rastreiem sua atividade em outros aplicativos.

Um dos segredos da publicidade digital é que empresas como o Facebook acompanham os hábitos online das pessoas quando elas acessam outros programas, como Spotify e Amazon, pelos smartphones. Os dados ajudam os anunciantes a identificar os interesses dos usuários e segmentar seus anúncios com calibragem precisa. Agora, espera-se que muitas pessoas digam não a esse rastreamento, o que representará um golpe na publicidade online - e no negócio de US$ 70 bilhões do Facebook.

Diferenças 

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Os dois presidentes-executivos estão no centro do ringue. Suas diferenças são evidentes há muito tempo. Cook, de 60 anos, é um executivo lapidado, que ascendeu na Apple criando cadeias de fornecimento eficientes. Zuckerberg, de 36 anos, é um ex-universitário que abandonou Harvard e construiu um império nas redes sociais com a filosofia de que, em relação à liberdade de expressão, vale tudo.

Esses contrastes se amplificaram em razão de suas visões profundamente divergentes a respeito do futuro do setor digital. Cook quer que as pessoas paguem - à Apple, com frequência - por uma versão premium da internet, que seja mais segura e ofereça mais privacidade. É uma estratégia que mantém a Apple firmemente no controle. Mas Zuckerberg defende uma internet “aberta”, onde serviços como o Facebook são, na prática, gratuitos. Nesse cenário, os anunciantes pagam a conta.

O relacionamento entre os diretores executivos foi ficando cada vez mais frio, afirmaram fontes que os conhecem. Enquanto Zuckerberg costumava caminhar e jantar com Steve Jobs, o falecido cofundador da Apple, ele não faz isso com Cook. Cook encontrava-se regularmente com Larry Page, cofundador do Google, mas vê Zuckerberg esporadicamente, em eventos como a conferência do Allen & Co., afirmaram essas fontes.

Os executivos já trocaram hostilidades. Em 2017, uma firma de consultoria política de Washington, financiada pelo Facebook e outros rivais da Apple, publicou artigos anônimos criticando Cook e criou uma falsa campanha para indicá-lo candidato à presidência, presumivelmente para prejudicar o relacionamento dele com o ex-presidente Donald Trump. E quando a MSNBC, em 2018, perguntou a Cook como ele lidaria com questões de privacidade similares às do Facebook, ele respondeu, “Eu nunca estaria numa situação dessas”.

Apple e Facebook recusaram-se a marcar entrevistas com Cook e Zuckerberg e afirmaram que eles não têm nenhuma animosidade pessoal entre si.

A respeito do novo mecanismo de segurança, a Apple afirmou, “Simplesmente acreditamos que os usuários deveriam ter a escolha de permitir ou não que seus dados sejam coletados e a respeito da maneira que essas informações são usadas.”

O Facebook afirmou que o novo mecanismo da Apple não gira em torno de questões de privacidade, mas do lucro.

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“Serviços livres e financiados por publicidade têm sido essenciais para o crescimento e a vitalidade da internet, mas a Apple está tentando reescrever as regras, de maneira que somente ela se beneficie e todas as outras empresas sejam prejudicadas”, afirmou uma porta-voz.

Um abismo que se aprofunda

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Cook e Zuckerberg encontraram-se pela primeira vez mais de uma década atrás, quando Cook era o segundo na cadeia de comando da Apple e o Facebook, uma startup.

Naquela época, a Apple via o Facebook como uma proteção contra o Google, o gigante das buscas que tinha se expandido para os telefones celulares com o software Android, afirmou um ex-executivo da Apple. Por volta de 2010, Eddy Cue, diretor de serviços digitais da Apple, procurou Zuckerberg para negociar uma possível parceria em softwares, afirmou o ex-executivo.

Nas reuniões que se seguiram, Zuckerberg disse a Cue que a Apple deveria fazer uma oferta bem generosa para estabelecer essa parceria, ou a rede social estaria feliz em continuar sozinha nos negócios, afirmou essa fonte. Alguns executivos da Apple sentiram que essas interações mostraram que Zuckerberg era arrogante, acrescentou essa fonte.

Duas outras fontes afirmaram que as conversas foram cordiais e que ficaram confusos com essa descrição das reuniões. As negociações levaram, por fim, a um software que permitiu aos donos de iPhone compartilhar suas fotos diretamente no Facebook.

Mas o tom de atrito se estabeleceu. A situação se complicou cada vez mais, enquanto Facebook e Apple também foram se tornando mutuamente dependentes. E os aplicativos do Facebook - que posteriormente também incluíram o Instagram e o serviço de mensagens WhatsApp - são alguns dos programas mais baixados na App Store da Apple.

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Até 2014, executivos do Facebook ficaram cada vez mais receosos a respeito do poder da Apple sobre a distribuição de seus aplicativos aos usuários de iPhone. Essas preocupações aumentaram quando a Apple, por vezes, atrasou atualizações de aplicativos do Facebook na App Store, afirmaram fontes a par da situação.

Então, em sua conferência de desenvolvedores de 2018, a Apple revelou mudanças de tecnologia que atingiram os negócios de publicidade do Facebook. Elas incluíam um dispositivo de monitoramento de tempo de tela para iPhone que permite aos usuários estabelecer limites para certos aplicativos, o que afetou empresas como Facebook, que precisam de uma audiência que gaste tempo em seus aplicativos e veja anúncios.

A Apple também afirmou que, para proteger a privacidade das pessoas, exigiria que empresas obtivessem permissões dos usuários por meio do Safari, seu navegador de internet, para rastrear sua atividade em diferentes websites. O Facebook usou essa tecnologia de rastreamento por “cookies” para colher dados, o que ajuda a rede social a cobrar mais de seus anunciantes.

“Isso disse muito a respeito do poder da Apple de controlar o sistema operacional”, afirmou Brian Wieser, presidente de inteligência para negócios da GroupM, uma firma de publicidade. “O Facebook não tem controle de seu próprio destino.”

No Facebook, as manobras da Apple em relação a privacidade foram vistas como hipócritas, afirmaram três funcionários e ex-funcionários do Facebook. A Apple tem há muito tempo um lucrativo acerto com o Google para conectar a ferramenta de buscas faminta por dados aos produtos Apple, por exemplo. Executivos do Facebook também ressaltaram que a Apple está consolidada na China, onde o governo vigia os cidadãos.

Privadamente, Zuckerberg disse aos seus executivos que o Facebook “tem de inflingir dor” à Apple e Cook, afirmou uma fonte a par das discussões. 

Rastreamento de aplicativos

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Na conferência virtual de desenvolvedores da Apple, em junho passado, Katie Skinner, uma das gerentes da equipe de privacidade, anunciou que a empresa planejava um novo mecanismo para iPhone que exigirá que os aplicativos obtenham permissão dos usuários para rastrear sua atividade em outros aplicativos. Ela falou disso por apenas 20 segundos.

Para o Facebook, foi uma declaração de guerra, afirmaram três funcionários e ex-funcionários da empresa. Se as pessoas tiverem a opção de não serem rastreadas, isso poderia prejudicar o negócio de publicidade do Facebook, calcularam os executivos.

Desde então, Zuckerberg mudou de tom em relação à manobra da Apple. Com a Wall Street inquieta em relação ao efeito nos negócios do Facebook, ele afirmou em março, em uma entrevista na rede social de áudio Clubhouse, que o mecanismo da Apple poderia beneficiar o Facebook. Se os anunciantes tiverem dificuldades para encontrar consumidores em diferentes aplicativos, disse, eles tendem a ser mais atraídos pelo Facebook, por causa de seu já gigantesco banco de dados.

“É possível até que fiquemos numa posição melhor”, afirmou ele.

Mas Zuckerberg também foi franco sobre os sentimentos do Facebook em relação à Apple. “Cada vez mais vemos a Apple como um de nossos maiores competidores”, afirmou ele numa divulgação de rendimentos este ano.

Até a respeito disso Cook discorda.

“Não me preocupo com o Facebook”, disse ao Times este mês. “Acho que competimos em certos aspectos. Mas não, se me perguntassem quem são nossos maiores competidores, o Facebook não estaria na lista.”/TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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