Como o Facebook lida com a desinformação sobre a mudança climática

Postura da empresa para combater notícias falsas sobre coronavírus contrasta com postura no que diz respeito ao aquecimento global

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Por Veronica Penney
Atualização:
O facebook costuma contratar pelo menos 50 organizações independentes para checar seus conteúdos Foto: The New York Times

À medida que a covid-19 se propagou pelo mundo, o Facebook entrou em ação para combater desinformação potencialmente perigosa em sua plataforma. A empresa rotulou e suprimiu conteúdo enganoso, removeu tudo o que é informação falsa e passou a direcionar os usuários para fontes confiáveis, incluindo o CDC (Centros de Prevenção e Controle de Doenças). Esta ação rápida contrasta drasticamente com a posição da plataforma numa questão perigosa complexa e polêmica: a mudança climática. Isto porque, com base nas diretrizes da companhia, o conteúdo sobre clima pode ser classificado como opinião e, portanto, está isento dos procedimentos de checagem dos fatos.

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Essa política indica que a ciência revisada por pares pode ser inserida na mesma categoria de comunicados do setor e mesmo de desinformação flagrante. Por exemplo, em setembro, a CO2 Coalition, grupo sem fins lucrativos que afirma que o aumento das emissões de carbono é bom para o planeta, sucessivamente derrubou um trabalho de verificação de fatos quando o Facebook rotulou sua postagem como “opinião”.

À luz do recente boicote da publicidade contra o Facebook e a publicação de uma auditoria independente este mês que culpou a plataforma por permitir que discursos de ódio e desinformação floresçam na página, consultamos a companhia e diversos especialistas sobre a posição do Facebook no tocante a desinformação envolvendo a mudança climática.

Quais as regras do Facebook sobre mudança climática?

Todo conteúdo de opinião na plataforma – incluindo artigos assinados ou postagens que expressam visões ou agendas de políticos, empresas e organizações não governamentais – está isento da verificação dos fatos. Esta política está em vigor desde 2016, disse Andy Stone, diretor de comunicações do Facebook.

O que é a verificação dos fatos?

O próprio Facebook não checa conteúdo. Em vez disto, contrata pelo menos 50 organizações independentes que têm acesso às postagens marcadas como desinformação potencial pelo Facebook ou usuários.

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Um dos verificadores dos fatos no campo da mudança climática é a Climate Feedback, uma organização que recruta especialistas para analisarem as postagens O processo no caso de um simples artigo dura semanas.

De acordo com Scott Johnson, editor de ciências do Climate Feedback, os encarregados da comprovação dos fatos podem também examinar postagens que não foram marcadas ou classificadas pelo Facebook.

Depois de um exame, a empresa que faz a verificação pode aplicar uma das oito advertências de conteúdo à postagem. Os títulos abrangem tanto o rótulo de “artigo falso” como diretamente “falso”. Quando o conteúdo é rotulado como falso ou parcialmente falso, os usuários recebem um alerta caso o compartilharem. Postagens falsas também aparecem nos feeds de notícias.

O que é considerado opinião? 

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Decidir o que é opinião fica ao arbítrio do Facebook e não dos que fazem a verificação dos fatos. Em agosto essa política chamou atenção, quando a CO2 Coalition compartilhou no Facebook um artigo no Washington Examiner que contestava a exatidão dos modelos de mudança climática. A postagem foi rotulada como “falsa”.

A organização recorreu da decisão e, de acordo com o Climate Feedback, o Facebook respondeu informando os verificadores de fatos que a postagem era um artigo de opinião e, portanto, estava isenta de análise.

“A colocação de declarações que são comprovadamente falsas numa seção de opinião não deve garantir a imunidade da checagem dos fatos”, disse Johnson.

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John Podesta, que foi assessor do presidente Barack Obama e coordenou a política sobre o clima do governo, disse que a política adotada pelo Facebook tem “falhas graves”.

Lacuna ou liberdade de expressão?

De acordo com Stone, o Facebook está mais preocupado em marcar ou remover conteúdo que implique uma ameaça imediata à saúde e segurança das pessoas, incluindo desinformação sobre o coronavírus ou o discurso de ódio que incita a violência. O conteúdo relacionado à mudança climática não se insere nessa categoria.

Quando pressionado a combater a desinformação, o Facebook cita, com frequência, sua política de proteção da liberdade de opinião. Em maio, o fundador da empresa, Mark Zuckerberg, disse à Fox News que a plataforma não deve se tornar “um árbitro da verdade de tudo o que as pessoas dizem online”.

Mas os analistas sublinham que nem todo discurso é igual no Facebook. Algumas postagens, com frequência selecionadas por algoritmos porque são controversas ou com forte envolvimento, são promovidas para chegarem a milhões de pessoas. Isto dá a elas um alcance e poder muito maiores do que outras postagens ou conversas, digamos, num jantar com amigos.

A diretora do Tow Center, da universidade de Columbia, Emily Bell, que estuda jornalismo e plataformas digitais, observou que, desde a última eleição, a luta do Facebook contra a desinformação adquiriu uma grande importância nos seus tópicos de discussão.

“Você construiu uma plataforma que ajuda realmente a acelerar a difusão da desinformação porque reage positivamente às ofensas e às coisas que as pessoas desejam compartilhar”, disse ela, “incluindo a informação que é boa demais, ou ruim, para ser verdade. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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