Conheça a mulher que vai presidir a agência antitruste dos EUA com as 'big techs' na mira

A advogada Lina Khan, de 32 anos, é conhecida por suas propostas pouco convencionais de fazer frente ao poder das gigantes da tecnologia

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Por Cat Zakrzewski e Tyler Pager
Atualização:
Quando ainda estava na faculdade de Direito, em 2017, Lina escreveu um artigo denunciando a Amazon por comportamento anticompetitivo Foto: Graeme Jennings/Reuters

O esforço para limitar o poder das grandes corporações de tecnologia está cada vez mais latente nos Estados Unidos. Na última terça-feira, 15, o presidente Joe Biden apontou Lina Khan, uma das principais críticas das "big techs", para presidir a Comissão Federal de Comércio, principal agência antitruste do governo dos EUA.

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A decisão de Biden de colocar Lina à frente da agenda da comissão é o sinal mais evidente de que o governo Biden terá uma abordagem drasticamente diferente na regulação das gigantes da tecnologia em comparação ao ex-presidente Barack Obama, também democrata, cujo governo adotou uma abordagem de pouca interferência no Vale do Silício.

Reações de apoiadores e críticos refletiram essa expectativa. A senadora Elizabeth Warren, democrata de Massachusetts, que lançou sua fracassada campanha presidencial defendendo que as gigantes de tecnologia fossem desmembradas, elogiou a manobra, qualificando-a como “uma enorme oportunidade de fazer grandes mudanças estruturais, reavivando a vigilância antitruste e combatendo monopólios que ameaçam nossa economia, nossa sociedade e nossa democracia”.

Críticos foram igualmente categóricos. “O ativismo antitruste de Lina Khan desvia-se da reputação da Comissão Federal de Comércio enquanto organismo imparcial, que aplica a lei de maneira não discriminatória”, afirmou em um comunicado a NetChoice, organização que representa empresas do setor na tecnologia e tem Amazon, Facebook e Google entre os associados. A entidade afirmou estar “desapontada” com a decisão.

A nomeação de Lina para o comando da Comissão Federal de Comércio, que tem cinco assentos, foi noticiada pouco após o Senado, em um raro sinal de cooperação bipartidária, confirmar a decisão do governo, por 69 votos a favor e 28 contra. Vinte e um senadores republicanos se uniram a 46 democratas e 2 independentes no apoio a Lina – em mais um sinal do crescente interesse de ambos os partidos em controlar o poder das empresas de tecnologia. 

Quem é Lina Khan

Lina, de 32 anos, é conhecida por suas propostas pouco convencionais de fazer frente ao poder das gigantes da tecnologia. Quando ainda estava na faculdade de Direito, em 2017, ela escreveu um artigo denunciando a Amazon pelo que qualificava como um comportamento anticompetitivo e sugerindo que as leis americanas de proteção à concorrência eram mal equipadas para regular o mundo do comércio digital.

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Posteriormente ela atuou como conselheira de um painel de investigação da Câmara dos Deputados que, no ano passado, produziu um relatório detalhando o comportamento anticompetitivo das empresas de tecnologia. Ela é hoje professora associada da Faculdade de Direito de Columbia e trabalhou anteriormente como conselheira jurídica do comissário da Comissão Federal de Comércio Rohit Chopra, um democrata. Lina será uma das comissárias mais jovens da agência.

A decisão de Biden de nomear Lina presidente da Comissão Federal de Comércio, anunciada pela senadora Amy Klobuchar, do Minnesota, foi uma surpresa. Quando era candidato, Biden não ia além dos pedidos de outros democratas liberais por regulação de gigantes da tecnologia como Amazon, Facebook e Google, entre outros.

Amy, outra democrata moderada que defendeu reformas amplas na lei americana de proteção à concorrência, afirmou em uma entrevista que não concorda com todas as posições de Lina. Mas qualificou a nomeação dela para a presidência da Comissão Federal de Comércio como uma “ótima notícia”.

“Acho que ela é alguém que pensa fora da caixinha, que vai considerar coisas sob uma perspectiva visionária com a qual precisamos olhar para a tecnologia atualmente”, afirmou Amy.

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Linha dura

O clima em Washington é favorável à ação contra gigantes da tecnologia. Na semana passada, deputados de ambos os partidos apresentaram projetos de lei que poderiam forçar empresas do Vale do Silício a mudar suas práticas nos negócios e, nos casos mais severos, desmembrar empresas. Essas propostas são resultado de uma investigação parlamentar a respeito das gigantes da tecnologia, que Lina ajudou a conduzir. A investigação detectou táticas monopolistas e comportamentos anticompetitivos no Facebook, no Google, na Apple e na Amazon.

Lina tuitou na última terça-feira que espera conseguir cumprir a missão da Comissão Federal de Comércio de “salvaguardar a livre competição e proteger consumidores, trabalhadores e negócios honestos de práticas injustas e enganosas”.

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Durante a sessão no Senado que a confirmou no cargo, ela sinalizou que adotará uma linha dura na regulação das gigantes da tecnologia. Ela afirmou que, nos anos recentes, novas evidências vieram à tona mostrando “oportunidades perdidas” para ações de policiamento de empresas de tecnologia no governo Obama. Ela também afirmou que novas constatações demonstram que a Comissão Federal de Comércio tem de ser “muito mais atenta” em relação a grandes aquisições em mercados digitais.

Lina também afirmou estar particularmente preocupada a respeito das maneiras que as grandes empresas se valem de sua predominância em determinados mercados para conseguir vantagens em outros, um tema sob intensa análise no Congresso.

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Nova era antitruste?

Lina é uma das várias críticas ao setor da tecnologia que Biden trouxe para o governo. Tim Wu, que defende ações antitruste contra gigantes dessa indústria, trabalha com livre concorrência e políticas de tecnologia no Conselho Nacional de Economia. Vanita Gupta, que critica práticas relativas a direitos civis no setor, atua agora como procuradora-geral associada no Departamento de Justiça.

Mas Biden tem ainda de aprovar indicações para outras posições-chave em seu governo para a regulação do setor de tecnologia, e não está claro se o presidente indicará pessoas mais alinhadas com Lina ou democratas mais amigáveis às empresas. Quase cinco meses após assumir a presidência, Biden ainda não anunciou sua indicação para o cargo mais graduado da divisão antitruste do Departamento de Justiça, nem quem ocupará o assento vago na Comissão Federal de Comunicações.

A chegada de Lina à Comissão Federal de Comércio dá aos democratas uma maioria de 3 assentos a 2 na agência, onde ela se juntará a Chopra e Rebecca Kelly Slaughter, que atuava interinamente no organismo. Mas Chopra está aguardando aprovação do Senado de sua nomeação para dirigir o Escritório de Proteção Financeira do Consumidor. Se ele for confirmado, Biden terá outra vaga na Comissão Federal de Comércio para preencher e, até lá, a agência terá o mesmo número de membros democratas e republicanos.

Grupos liberais intensificaram a pressão, na última terça-feira, para que Biden preencha as vagas logo após a confirmação de Lina. "Lina Khan, sozinha, não conseguirá trazer uma nova era antitruste aos EUA”, afirmouJeff Hauser, diretor executivo do Revolving Door Project, que monitora laços entre corporações e autoridades do governo.

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Lina está se juntando à comissão em meio a crescentes preocupações a respeito de a entidade possuir ou não poderes adequados para encarar as gigantes da tecnologia. A chegada dela ao organismo ocorre em um momento crucial: no ano passado, a agência abriu um histórico processo antitruste contra o Facebook; e é pressionada para abrir um processo similar contra a Amazon.

Ainda assim, parlamentares e especialistas no setor de tecnologia levantaram questões a respeito do histórico da agência em fazer valer as leis existentes contra as gigantes da tecnologia. Democratas criticaram o acordo relativo a privacidade, de US$ 5 bilhões, que a agência fez com o Facebook, após o escândalo da Cambridge Analytica, qualificando-o como uma "palmadinha" na empresa de tecnologia - eles afirmam que o caso evidenciou a necessidade de novas leis para proteção da privacidade dos consumidores. A agência encarou críticas similares posteriormente, naquele mesmo ano, quando fechou um acordo de US$ 170 milhões com o Google, em razão de alegações de que a empresa coletava ilegalmente dados de crianças menores de 13 anos.

Defensores de maior aplicação da lei antitruste afirmam que a confirmação de Lina poderia sinalizar um ponto de inflexão para a agência, depois do que eles qualificam como décadas de inação que se seguiram ao governo Reagan.

Lina poderá “traçar uma abordagem completamente diferente”, afirmou Sarah Miller, diretora executiva do American Economic Liberties Project. “Seu cargo possui autoridade significativa sobre a direção da agência.”

Há um crescente apoio bipartidário pela expansão dos recursos da Comissão Federal de Comércio. O Senado aprovou recentemente uma legislação que aumentará o financiamento da agência por meio de uma reconfiguração das taxas de fusão de empresas, e os deputados introduziram um projeto de lei similar, como parte de uma pacote que mira as empresas de tecnologia.

Pouco após a confirmação de Lina, na terça-feira, o painel antitruste da Comissão de Justiça do Senado organizou uma audiência a respeito de temas relacionados à livre concorrência entre dispositivos eletrônicos que se conectam aos lares. Executivos da Sonos, da Apple e do Google falaram, assim como acadêmicos.

Amy, que presidiu o painel, afirmou na fala de abertura que é importante os parlamentares estarem cientes das novas questões relativas à livre concorrência no setor da tecnologia. “Com esse tipo de tecnologia, estamos em um momento em que podemos dobrar a esquina e vislumbrar o que vem pela frente”, afirmou ela. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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