Deezer deixa podcasts de lado e aposta em música para crescer no Brasil

Em entrevista ao ‘Estadão’, Jeronimo Folgueira, CEO da empresa, revela estratégia voltada a projetos musicais, vídeos e recursos tecnológicos no app

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Por Lucas Agrela
Atualização:
Jeronimo Folgueira assumiu o cargo de CEO da Deezer em julho de 2021 Foto: Divulgação

Quando Jeronimo Folgueira, 39, assumiu o cargo de CEO da Deezer, em julho de 2021, encontrou uma empresa com estratégia de crescimento fragmentada em diferentes países e foco crescente na divisão de podcasts - mesmo assim, a empresa parecia não fazer frente a rivais como Spotify e Apple Music. 

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Para tentar mudar o quadro, o executivo argentino buscou não apenas a unificação da companhia. Ele decidiu deixar os podcasts de lado e voltar às raízes de qualquer serviço de streaming: música. A aposta deu vazão a projetos musicais nascentes e também a versões exclusivas de músicas famosas. 

Para financiar sua visão, o executivo reorganizou processos e preparou a abertura de capital, via Spac, na bolsa de Paris, na França. Nesse processo, realizado em julho, a companhia foi avaliada em US$ 1,1 bilhão. 

A reorganização era necessária. Segundo dados da consultoria Midia, a Deezer tem 2% do mercado global de streaming de música, enquanto a Amazon tem 13%, a Apple conta com 15% e o Spotify lidera com folga com 31%. Para se diferenciar, a Deezer promete dedicação total à música e melhorias em seu aplicativo para celular.

“Nossos concorrentes são os gigantes da tecnologia, que têm os serviços de música como algo secundário, seja para enriquecer o ecossistema ou para vender outros eletrônicos. Mas eles não se importam tanto com a música quanto nós”, afirma. Em entrevista exclusiva ao Estadão, Folgueira falou da nova fase da empresa e das estratégias para fazer frente à concorrência. Leia os principais trechos da entrevista a seguir.

Ao assumir a empresa, há um ano, o que viu que era preciso mudar?

Eu estou unificando a empresa. Quando cheguei, vi que ela estava se desenvolvendo em silos, sem uma visão global. Em seguida, busquei o reposicionamento da Deezer para a música. Começamos a focar na geração Z, tanto nas campanhas de marketing quanto no desenvolvimento do produto. Então, buscamos financiamento para tornar essa missão realidade. 

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Qual é a importância do mercado brasileiro para uma empresa global como a Deezer?

O Brasil é o nosso segundo maior mercado, sendo o primeiro a França, onde somos extremamente grandes e lideramos o setor. Há uma série de fatores que explicam o sucesso da Deezer no Brasil. Por um lado, conseguimos criar parcerias fortes no País, com a Tim, a Globo e o Mercado Livre. Eles nos ajudaram a conseguir uma parcela decente de mercado. Em segundo lugar, vem a nossa abordagem em relação à música local. Na França, somos muito fortes junto aos artistas locais, damos suporte a todos os gêneros. Replicamos isso no Brasil, onde a maioria das pessoas consomem músicas brasileiras. 75% das transmissões são de artistas locais. 

As parcerias sempre serão a principal forma de conquistar novos assinantes?

Temos parcerias fortes e buscamos novas formas de nos relacionar com esses grandes players. Mas buscamos um negócio vencedor na venda direta para o consumidor. Temos um time de mais de 30 pessoas em São Paulo dedicadas a isso. 

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Como a Deezer encontra novos artistas no País?

Há uma grande extensão de música brasileira, como forró, sertanejo, samba e gospel. É um cenário musical muito rico. Nossa experiência nos permite entrar profundamente nesses gêneros. Por exemplo, fomos a primeira empresa a ter um editor musical dedicado à música gospel, em 2016, e nos fortalecemos nesse nicho. Também temos editores para sertanejo e forró. Creio que sejamos os únicos que têm esses especialistas construindo conexões com os artistas e buscando projetos originais. 

Com o mercado de streaming de música mais maduro, a concorrência também cresceu. Qual é o plano para a Deezer se distinguir de concorrentes, como Spotify e Apple Music?

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Somos a verdadeira casa da música. Somos apaixonados por música, especialmente as locais. Nossos concorrentes são os gigantes da tecnologia, que têm os serviços de música como algo secundário, seja para enriquecer o ecossistema ou para vender outros eletrônicos. Mas eles não se importam tanto com a música quanto nós. O Spotify é um concorrente muito forte, mas direcionou seu foco aos podcasts. Com a Deezer, queremos estar próximos dos artistas, ter um relacionamento especial com as gravadoras e ser a única que faz uma curadoria musical. Por isso, estamos lançando o som de alta qualidade (Flac) como padrão para todos os nossos planos de assinatura. Isso deve chegar ao Brasil nos próximos meses. Isso dará acesso ao nosso catálogo com maior qualidade. Por fim, há a nossa dedicação ao desenvolvimento do produto, buscando trazer inovações. Temos, por exemplo, um radar musical, que é como um Shazam dentro do nosso app para identificar a música que está tocando no ambiente onde você estiver. Além disso, temos o flow, que é uma playlist infinita com as músicas que você gosta, e agora temos o flow moods, que permite filtrar suas músicas de acordo com o seu humor. 

Os podcasts não são importantes para o futuro da Deezer?

Nossos concorrentes focam em podcasts e também têm músicas. Nós temos músicas e também temos podcasts, incluindo originais. Na minha gestão, vamos voltar totalmente o foco para os projetos musicais. Os podcasts são um bom negócio, não tenho nada contra eles. Mas, na nossa visão, é melhor ter projetos musicais para aumentar a base de assinantes, o tempo de retenção no aplicativo e a lealdade dos clientes.

Com o 5G, a Deezer planeja aumentar a aposta em transmissões ao vivo?

Sim. Fizemos alguns investimentos em transmissões ao vivo e começamos a fazer transmissões dentro do nosso aplicativo nos últimos meses, na França. Os testes foram muito bem-sucedidos e vamos ampliar esse formato entre os próximos seis e 12 meses. Esperamos oferecer mais experiências de transmissões ao vivo no aplicativo, mas também fora dele, como uma oportunidade de vender ingressos para um pay-per-view de grandes shows. 

Então, a Deezer vai ampliar sua frente de vídeos?

Sim. Não acreditamos que a música seja limitada apenas ao áudio. Queremos oferecer a música de todas as formas. Como parte da evolução do nosso produto, teremos muitos vídeos chegando ao aplicativo. Criamos muito conteúdo em vídeo hoje, mas deixamos em outros lugares, o que vai mudar em breve.

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Como manter o equilíbrio das contas quando é preciso remunerar artistas, investir no desenvolvimento do negócio e oferecer um preço acessível aos assinantes?

É um equilíbrio difícil. Pagamos uma grande parte da nossa receita aos artistas e gravadoras. Só então investimos em inovação e marketing. E os preços precisam ser competitivos no contexto do mercado. Conforme crescemos, olhamos para novas oportunidades que permitiram melhorar nossa margem. Ainda estamos perdendo dinheiro, mas a nossa lucratividade tem melhorado, em termos de margens. Agora, temos um plano claro para levar a empresa ao lucro. Foi esse o propósito do nosso IPO, cerca de um mês atrás. Levantamos capital o suficiente para financiar totalmente o nosso plano de negócios e atingir a lucratividade. 

Há uma forma de pagar mais aos artistas e manter as contas em dia?

Não podemos pagar mais do que já pagamos. Não remuneramos os artistas por reproduções. As pessoas pagam a assinatura e mais de dois terços do valor vão para gravadoras e artistas. O resto é usado para financiar todo o negócio. O que fazemos é encontrar oportunidades adicionais para rentabilizar a base de fãs, o que traz mais renda para todos. A ideia é fazer o bolo crescer, em vez de lutar pelas fatias.

Em empresas de streaming de vídeo, vemos a Netflix apostando cada vez mais em produções originais. A Deezer planeja algo similar ou tenta buscar exclusividade de artistas junto às gravadoras?

Não há música exclusiva. As pessoas querem acesso ao catálogo todo em todas as plataformas. É como as pessoas consomem música. No vídeo, você tem duas horas de entretenimento. Na música, são apenas alguns minutos. Mas acredito em projetos exclusivos com artistas, que compõem a espinha dorsal da nossa marca. Recentemente, fizemos a Inversions 90 's, com artistas conhecidos. É uma forma de atrair novos usuários. 

Por que fazer a abertura de capital, especialmente no momento econômico atual, em vez de buscar uma rodada de 'venture capital'?

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Somos uma empresa de 15 anos. Operacionalmente, tudo estava pronto para a abertura de capital (IPO). Somos muito grandes e sólidos, do ponto de vista financeiro. No ano passado, nossa receita foi de € 400 milhões. Voltamos a crescer a uma taxa de dois dígitos. Fazia sentido abrir o capital para levantar o dinheiro que precisávamos. Nós pudemos dar uma saída para os investidores mais antigos e ganhamos uma moeda de troca para possíveis aquisições no futuro, como as ações. Considerando a maturidade da companhia, esse foi o passo certo a ser dado. 

O que a empresa planeja fazer depois de ajustar a rota?

Depois disso, vamos ampliar nossa presença em outros países. Queremos replicar os modelos que temos na França e no Brasil em mercados maiores. Vamos começar pela Alemanha neste ano, em parceria com uma empresa de mídia local. Espero que o país seja o motor de crescimento da empresa nos próximos anos. Nos demais países, buscaremos parcerias para crescer de forma economicamente viável. Enquanto as gigantes de tecnologia demitem, estamos expandindo e aumentando nosso quadro de funcionários. 

Passado o IPO, podemos esperar por aquisições?

Esse dinheiro agora não está planejado para ser usado em aquisições de empresas. Vamos investir no nosso produto para sermos competitivos e inovadores. Vamos financiar projetos originais e dobrar a aposta na nossa proposta musical. 

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