Discreto, Sundar Pichai vai parar na linha de fogo com processo contra o Google

Há menos de um ano na presidência executiva da empresa dona do Google, indiano tem de enfrentar a maior ameaça ao gigante da internet em seus 22 anos de existência

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Por Daisuke Wakabayashi
Atualização:
Pichai passar mais a imagem de um zelador cuidadoso do que um empreendedor apaixonado Foto: Hannibal Hanschke/Reuters

Quando Sundar Pichai herdou de Larry Page o cargo de CEO da Alphabet, holding que controla o Google, em dezembro, ele recebeu um pacote de problemas: os acionistas tinham processado a empresa por causa de bônus financeiros destinados a executivos acusados de má conduta. Uma admirada cultura de escritório dava sinais de desgaste. E, principalmente, as autoridades de combate à formação de trustes estavam de olho. Agora, ele vai para a linha de frente. 

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Na última terça feira, o Departamento de Justiça acusou o Google de manter o “monopólio dos portões da internet", usando táticas anticompetitivas para proteger e reforçar seu controle dos segmentos de busca na internet e publicidade em buscas. O Google, que obteve imenso lucro em meio a uma recessão, uma pandemia e investigações anteriores das autoridades de governos de cinco continentes, enfrenta agora sua primeira crise verdadeiramente existencial em seus 22 anos de história.

Os fundadores da empresa, Page e Sergey Brin, deixaram sua defesa a cargo de Pichai. Um homem de fala mansa, ele subiu na hierarquia da empresa ao longo de 16 anos de trabalho com a reputação de ser mais um zelador cuidadoso, nem tanto um empreendedor apaixonado.

Pichai, que já foi gerente de produtos, pode parecer um candidato improvável a liderar a luta de sua empresa contra o governo federal. Mas, se a turbulenta história dessa indústria com as leis de combate à formação de trustes serve de lição, um zelador que relutantemente assume seu lugar sob os holofotes pode ser preferível a um líder carismático que nasceu para comandar as atenções.

Pichai, 48 anos, deve apresentar em sua defesa da empresa a ideia de que ela não constitui um monopólio (coisa que ele já diz há algum tempo), mesmo ficando com uma fatia de mercado de 92% das buscas na internet. O Google é bom para os Estados Unidos, diz a mensagem da empresa, que se apresenta como um humilde motor econômico, e não uma predadora assassina de empregos.

“Ele precisa parecer alguém que tenta fazer o que é certo não apenas para sua empresa, mas para a sociedade como um todo", disse Paul Vaaler, professor de direito e negócios da Universidade de Minnesota. “Se parecer evasivo, petulante e dissimulado, será massacrado pelo tribunal e pela opinião pública.”

O Google se recusou a agendar uma entrevista com Pichai para a reportagem. Em e-mail endereçado aos funcionários na terça feira, ele insistiu para que os empregados do Google mantenham o foco no trabalho para que os usuários sigam interessados em seus produtos, não por falta de escolha, e sim por opção. “Investigações não são novidade para o Google, e aguardamos a oportunidade de apresentar nossa defesa", escreveu Pichai. “Alguns colegas do Google me perguntaram como podem ajudar, e minha resposta é simples: continuem o que estão fazendo.”

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Desafio de Pichai foi encarado por poucos na indústria

Poucos executivos já encararam um desafio como esse. Algumas das figuras mais icônicas da indústria da tecnologia derreteram sob a pressão de investigações contra a formação de trustes. Bill Gates, que era CEO da Microsoft no último grande caso de combate à formação de trustes no setor da tecnologia movido pelo Departamento de Justiça, duas décadas atrás, deu a impressão de ser combativo e dissimulado nos depoimentos, reforçando a imagem da empresa como valentona que buscava vencer a qualquer custo. No ano passado, Gates disse que o processo foi uma “distração” tão grande que o fez “errar” na transição para o mundo dos celulares, cedendo esse mercado ao Google.

Page lidou com as investigações iminentes contra a formação de trustes demonstrando distanciamento, investindo seu tempo em projetos tecnológicos futuristas em vez de se reunir com advogados. Mesmo quando a União Europeia aplicou três pesadas multas ao Google por causa de suas práticas anticompetitivas, Page mal falou publicamente no assunto.

Infância humilde e trajetória de desafios levaram Sundar Pichai a se credenciar para substituir fundadores da empresa Foto: Max Whittaker/NYT

Em chamada coletiva com os repórteres na terça feira, funcionários do Departamento de Justiça se recusaram a revelar se tinham conversado com Page durante a investigação. Na queixa apresentada, o Departamento de Justiça e 11 Estados alegaram que o Google limitou a concorrência no mercado de buscas ao firmar acordos com fabricantes de celulares, entre elas a Apple, e operadoras que impediram as as rivais de concorrer de maneira justa.

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“Para o bem do consumidor americano, dos publicitários e de todas as empresas que agora dependem da economia da internet, chegou a hora de barrar o comportamento do Google limitando a concorrência e restaurá-la", dizia a queixa. O Google disse que o caso continha “profundos equívocos”, alegando que o departamento de justiça teria se baseado em “argumentos dúbios contra a formação de trustes".

O Google também é alvo de um inquérito contra a formação de trustes movido por procuradores gerais estaduais que investigam sua tecnologia de publicidade e busca na web. E a Europa continua a investigar a empresa por sua prática de coleta de dados mesmo depois de ter aplicado a ela três multas desde 2017, somando quase US$ 10 bilhões.

Além de Pichai, executivos do Google têm tom conciliatório

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Ao lado de Pichai estão executivos do alto escalão que também se mostram inclinados a adotar uma postura de conciliação. Ele se cercou de outros gerentes sérios com carreira respeitável no Google que amplificam o elemento monótono da empresa.

A pessoa designada para centralizar a defesa é Kent Walker, diretor jurídico do Google e diretor de assuntos globais. Ele já foi funcionário do Departamento de Justiça e chegou a ser procurador assistente. Walker entrou para o Google em 2006, e ainda que supervisione os problemas mais complicados da empresa, ele raramente é citado nas manchetes — de acordo com colegas e ex-colegas, isso comprova seu pragmatismo de advogado.

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O Google nomeou Halimah DeLaine Prado como nova assessora jurídica. Veterana de 14 anos no departamento jurídico da empresa, Halimah foi recentemente vice-presidente encarregada de supervisionar a equipe global que orientava o Google em relação a produtos incluindo publicidade, computação na nuvem, buscas, YouTube e hardware. Ainda que Halimah não tenha tanta experiência com a legislação de combate à formação de trustes, ela está no Google desde 2006 e, a essa altura, conhece bem o direito à concorrência.

Espera-se que a empresa aposte pesado em seus escritórios jurídicos caros para administrar a batalha, entre eles Wilson Sonsini Goodrich & Rosati, uma das principais firmas do Vale do Silício, e Williams & Connolly, que já defendeu o Google em outros processos ligados ao direito à concorrência.

O Wilson Sonsini representa o Google desde a fundação da empresa e ajudou-a a se defender de uma investigação da Comissão Federal do Comércio envolvendo o ramo das buscas. Em 2013, a agência optou por não apresentar queixa.

Independentemente dos argumentos jurídicos por trás de um processo contra o Google por formação de monopólio, o caso pode moldar a percepção pública da empresa por muito tempo após seu desfecho.

Até agora, a postura pública do Google diante do caso tem sido de indiferença. Pichai disse que as investigações de uma possível formação de monopólio não são novidade, e a empresa vê com bons olhos a investigação de suas práticas de negócios. O Google argumentou que concorre em mercados que mudam rapidamente, e seu domínio pode evaporar de uma hora para outra com o surgimento de novos rivais.

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“O Google atua em mercados globais altamente dinâmicos, de concorrência acirrada, onde o preço é gratuito ou está em queda e os produtos são constantemente aperfeiçoados", disse Pichai em seus comentários de abertura a um painel de congressistas analisando a formação de trustes em julho. “A continuidade do sucesso do Google não é garantida.”

No início de sua gestão à frente do Google, Pichai relutou em se defender perante Washington — função de um de seus antecessores, Eric Schmidt, desempenhava com gosto. Schmidt, importante doador para o Partido Democrata, visitava com frequência a Casa Branca durante o governo Obama, e participou do conselho de especialistas em ciência e tecnologia do então presidente.

Em 2018, o Google se recusou a enviar Pichai para depor perante uma comissão de espionagem do senado interessada na interferência da Rússia nas eleições presidenciais de 2016. Irritados, os senadores deixaram uma cadeira vazia para o representante da empresa ao lado dos executivos do Facebook e do Twitter (Page também foi convidado a depor, mas ninguém na empresa imaginou que ele aceitaria o convite).

Desde então, Pichai fez visitas frequentes a Washington, depôs em outras audiências do congresso e se reuniu com o presidente Donald Trump. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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