Especialistas questionam bloqueio do WhatsApp

Para advogados de direito digital, medidas como multas poderiam ser adotadas sem afetar usuários

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Por Redação Link
Atualização:

AFP

 

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Bruno CapelasClaudia Tozetto 

A quinta-feira, 17, foi um dia atípico para os brasileiros: o aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp – que é usado por 9 em cada 10 pessoas no País, segundo o Ibope – estava bloqueado. No total, mais de 100 milhões de pessoas não conseguiram se comunicar pelo aplicativo após a juíza Sandra Regina Nostre Marques, da 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo, determinar o bloqueio do serviço pelas operadoras brasileiras. O motivo foi a “desobediência” do WhatsApp, que não atendeu a uma ordem judicial que solicitava dados de envolvidos em uma investigação sobre integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa de São Paulo.

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Para alívio dos usuários do serviço, o bloqueio caiu poucas horas depois, quando o desembargador Xavier de Souza, da 11ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu uma liminar ao WhatsApp e à operadora Oi para o restabelecimento do aplicativo. Na decisão, o magistrado afirmou que “não se mostra razoável que milhões de usuários sejam afetados em decorrência da inércia da empresa”.

Segundo fontes próximas ao WhatsApp, os advogados da empresa no País entraram com o argumento no pedido de recurso de que a decisão da juíza foi “desproporcional”. “A pretexto de conseguir informações sobre três usuários, a Justiça brasileira derrubou o serviço para milhões de pessoas”, diz a fonte. Além disso, eles alegaram que o Facebook – principal acionista do WhatsApp desde fevereiro de 2014 – não poderia cumprir a ordem pelo WhatsApp por se tratarem de operações independentes.

“Estamos desapontados que um juiz puniu mais de 100 milhões de pessoas no Brasil, porque não fornecemos informações que não temos”, disse um porta-voz do WhatsApp, em nota. A empresa alega que não tem os dados solicitados, porque as mensagens trocadas ficam armazenadas de forma temporária nos servidores, somente até que sejam entregues ao destinatário. Em seguida, segundo a empresa, elas são apagadas.

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Sem medida. Para especialistas ouvidos pelo Estado, a juíza errou ao bloquear o aplicativo. “A resposta da Justiça deve ser proporcional ao fato. No caso do WhatsApp, a decisão afetou uma plataforma utilizada por milhões de brasileiros em prol de um único caso”, diz Marília Maciel, gestora do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS), ligado à FGV-Rio. A juíza poderia ter punido a empresa com multas, uma medida que está no Marco Civil da Internet.

O fato de o WhatsApp não ter sede no País complica o caso. Segundo fontes, a Justiça brasileira enviou as ordens judiciais ao Facebook Brasil, mas não à sede do WhatsApp nos EUA. É consenso entre especialistas, porém, que o Facebook Brasil deveria responder à Justiça pelo WhatsApp.

Segundo o Marco Civil, o fato de um brasileiro acessar um aplicativo estrangeiro já faz com que a responsável pelo serviço tenha de responder legalmente no País. “O Facebook deve cumprir as decisões judiciais, por mais que os servidores do WhatsApp estejam fora do Brasil”, diz Rony Vainzof, sócio do escritório Opice Blum.

Acordo internacional. Ainda que o Facebook não responda às notificações judiciais, há outros meios para a Justiça brasileira conseguir acesso às informações do WhatsApp. O principal é um acordo de cooperação legal entre o Brasil e os EUA (MLAT, na sigla em inglês), cuja tramitação é demorada: o Ministério da Justiça envia a ordem judicial para o Departamento de Justiça dos EUA, que julga se a empresa deve responder. “É um processo longo, extremamente burocrático”, avalia Marília Maciel, do CTS.

Para o advogado Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), é preciso reformular esses acordos. “Eles precisam ser mais ágeis para atender às necessidades digitais”, explica.

O bloqueio a aplicativos é inédito em países democráticos. “O Brasil entrou para a história como um mau exemplo”, avalia Wilson Jabur, professor da Faculdade de Direito da FGV-SP. Segundo Carlos Affonso, a suspensão dificilmente ocorreria em países da União Europeia. “O princípio da proporcionalidade tem raiz europeia e prevaleceria”, diz.

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