O Facebook já respondeu à Justiça pelas práticas discriminatórias de seu sistema de anúncios
A plataforma de anúncios do Facebook direciona anúncios de forma discriminatória mesmo sem o pedido de anunciantes – o sistema de publicidade da rede social executa a ação por conta própria. É o que revela uma nova pesquisa de duas universidades norte-americanas em parceria com um grupo ativista publicada nesta quarta-feira, 3. Isso significa que o Facebook escolheu ocultar publicidades de mulheres ou negros, por exemplo, inclusive quando anunciantes pediram para a publicidade atingir uma ampla audiência.
O estudo foi feito em conjunto por seis pesquisadores, da Universidade Northeastern, da Universidade do Sul da Califórnia e do grupo ativista Upturn. Segundo o site Business Insider, os especialistas gastaram cerca de US$ 8,5 mil do próprio bolso com anúncios na plataforma para identificar se o sistema de anúncios discriminava determinados grupos. Um ponto importante: os pesquisadores veicularam os anúncios sem especificar a que grupo a publicidade seria direcionada.
Um dos exemplos apresentados pela pesquisa foi uma sequência de anúncios de venda e aluguel de casas no estado da Carolina do Norte. Os pesquisadores descobriram que publicidades de vendas de casas foram direcionadas a uma audiência com 75% de usuários brancos. No caso de aluguel, o público foi mais heterogêneo.
Em um segundo teste, eles mudaram as imagens dos anúncios, colocando em um deles uma foto de uma família branca e em outra uma família negra. Resultado: o anúncio com a família branca foi direcionado para um público com 85% de usuários brancos, enquanto o com a família negra chegou a um grupo com 73% de usuários brancos. A exposição menor da família negra para brancos é um dos indícios das práticas discriminatórias.
A prática discriminatória aconteceu em diversos testes. Anúncios de vagas de trabalho de caixa de supermercado, por exemplo, foram direcionados para uma audiência 85% feminina, o que seria uma indicação de que o cargo se aplica apenas a mulheres. Em outro caso, empregos em empresas de táxi foram direcionados a uma audiência 75% negra.
Os pesquisadores não acreditam que o Facebook toma decisões discriminatórias deliberadamente, mas que o sistema de anúncios acabou treinado dessa forma. No mês passado, o Facebook anunciou mudanças na sua plataforma de anúncios. Segundo a empresa, anunciantes de serviços imobiliários, oferta de crédito e vagas de emprego não podem mais discriminar o público-alvo das propagandas por raça, sexo, idade e CEP.
A mudança é resultado de um acordo da rede social com a Justiça. Em setembro de 2018, a União Americana de Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês) processou o Facebook por práticas discriminatórias em anúncios relacionados a vagas de trabalho – segundo a ONG, empregadores estavam direcionando anúncios de vagas apenas para pessoas abaixo dos 45 anos. Há anos grupos de proteção ao consumidor e aos direitos humanos denunciam de forma ampla casos do tipo.
Relembre os escândalos do Facebook de 2018
Em abril, os jornais The Observer e The New York Times publicaram reportagens que mostraram o uso indevido de dados do Facebook, que tinham sido obtidos a partir do quiz This is Your Digital Life, do pesquisador da Universidade de Cambridge Aleksandr Kogan, e depois repassados por Kogan à consultoria Cambridge Analytica. O resultado dessa história é que dados de 87 milhões de usuários do Facebook foram usados na campanha eleitoral do presidente Donald Trump.
Logo após a divulgação do escândalo, começou nas redes sociais um movimento defendendo que as pessoas deletassem o Facebook – Elon Musk, presidente da Tesla, foi um dos que aderiu à hashtag #deleteFacebook. Um mês e meio após a notícia do caso, a Cambridge Analytica, chefiada por Alexander Nix, fechou as portas.
Por causa do caso Cambridge Analytica, o presidente executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, teve que depor no Senado e no Congresso dos Estados Unidos em abril. Ele assumiu a responsabilidade pelos erros da empresa e chegou a admitir que seus dados estavam entre os dos 87 milhões de usuários afetados pelo escândalo.
O escândalo obrigou o Facebook a mostrar esforços de mudança de suas regras de privacidade, transparência e segurança. Logo em abril a empresa redesenhou seus controles de privacidade, para acalmar os ânimos dos usuários e de investidores. A empresa também prometeu lançar uma ferramenta de limpeza do histórico de navegação – entretanto, o recurso só deve ficar pronto em 2019.
No auge do caso Cambridge Analytica, o Facebook perdeu US$ 95 bilhões em valor de mercado. Entretanto, o resultado mais grave dos escândalos apareceu três meses depois da revelação do caso: as ações da empresa caíram 19% e o Facebook perdeu US$ 119 bilhões em valor de mercado, a maior queda diária da história de Wall Street.
Em setembro, o Facebook revelou que uma falha de segurança dentro de sua plataforma colocou em risco dados de usuários da rede social. Após investigações, a empresa afirmou que 29 milhões de usuários tiveram seus dados pessoais roubados por hackers devido ao problema de segurança. A rede social confirmou que dados como nome, telefone celular e localização dos usuários foram acessados pelos criminosos.
Uma reportagem do The New York Times publicada em novembro revelou que o Facebook contratou uma empresa de marketing político chamada Definers Public Affairs para atacar os críticos da empresa, como George Soros, e também para espalhar histórias negativas sobre companhias rivais, como o Google. Além disso, segundo o jornal, a chefia do Facebook desprezou investigações internas sobre a interferência de hackers russos na rede social durante as eleições americanas e também minimizou sua culpa quando o Facebook se defrontou com o escândalo Cambridge Analytica.
A executiva mais envolvida na polêmica foi Sheryl Sandberg, que ocupa o cargo de chefe de operações do Facebook, o segundo mais importante, depois do presidente executivo Mark Zuckerberg. Uma semana após a publicação da reportagem do The New York Times, o antigo chefe de políticas públicas e comunicações da rede social, Elliot Schrage, assumiu a culpa pela contratação da Definers – o executivo decidiu sair da empresa em junho deste ano, em meio ao escândalo do Cambrige Analytica.
Este ano uma série de linchamentos aconteceu na Índia a partir da disseminação de notícias falsas no WhatsApp, aplicativo que pertence ao Facebook. Em julho, o governo indiano alertou a empresa sobre sua responsabilidade no problema. Em resposta, a empresa limitou o encaminhamento de mensagens para até cinco contatos na Índia – o que na sua visão diminui a propagação de boatos – e lançou outras iniciativas para conter a desinformação dentro do aplicativo.
O Facebook foi acusado de influenciar o genocídio feito pelo Estado de Mianmar. Segundo uma reportagem do The New York Times publicada em outubro, a rede social, o Facebook foi usado por militares como uma “ferramenta para limpeza étnica” e que autoridades do país foram “os principais operadores por trás de uma campanha sistemática no Facebook que se estendeu por meia década e teve como alvo o grupo minoritário rohingya, de maioria muçulmana”.
Em dezembro, o Facebook informou que uma falha na rede social expôs fotos privadas de cerca de 6,8 milhões de usuários a desenvolvedores de aplicativos. Terceiros tiveram acesso a imagens não autorizadas, como as publicadas no recurso Marketplace, comunidade de compra e venda dentro da rede social, no Facebook Stories e também as fotos que foram carregadas na rede social mas nunca postadas de fato. Segundo a empresa, mais de 1,5 mil aplicativos de 876 desenvolvedores tiveram acesso inapropriado às fotos dos usuários.
Em dezembro, o jornal The New York Times revelou que o Facebook compartilhou dados de usuários com gigantes de tecnologia. A reportagem afirmou qque rede social tinha parcerias com mais de 150 companhias para partilhar dados sem consentimento. Netflix e Spotify, por exemplo, podiam acessar até mensagens privadas dos usuários. O Facebook rebateu as acusações e disse que as parcerias estão de acordo com as regras dos Estados Unidos.