Facebook não deve jogar contra Trump em 2020, diz alto executivo

Em documento interno obtido pelo New York Times, vice-presidente de realidade virtual e aumentada disse que empresa tem “dever moral” de não alterar seu equilíbrio

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Por Kevin Roose , Sheera Frenkel e Mike Isaac
Atualização:
Presidente americano, Trump deve buscar reeleição em 2020 Foto: Brendan Smialowski / AFP

Desde 2016, quando desinformação e interferência russa transformaram as redes sociais em um campo de batalha, o Facebook luta com o papel relevante que desempenhou na eleição do republicano Donald Trump. Mas, segundo um memorando obtido pelo New York Times, um de seus maiores executivos defende que a empresa tem o dever moral de não mudar o equilíbrio de suas postagens contra Trump, no momento em que ele busca sua reeleição. 

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Em 30 de dezembro, o vice-presidente da divisão de realidade virtual e aumentada do Facebook, Andrew Bosworth, publicou um memorando interno dizendo que, como um liberal, ele se viu várias vezes pensando em como a rede poderia jogar contra Trump. Mas, ao pensar em uma cena da franquia cinematográfica O Senhor dos Anéis, ele entendeu como isso poderia gerar efeitos colaterais. 

“Fico desesperado pensando em como posso evitar esse resultado. Mas pensem o seguinte: em uma cena de A Sociedade do Anel, Frodo oferece o Um Anel para a elfa Galadriel e ela imagina o poder que poderia ter. Mas sabe que seria corrompida por isso”, escreveu Bosworth. “Conosco é o mesmo: é tentador usar nossas ferramentas, mas tenho confiança de que não devemos fazer isso ou poderemos nos tornar o que mais tememos.” 

Em seu texto de 2,5 mil palavras, chamado de “Pensamentos para 2020”, Bosworth também falou de assuntos como polarização política, interferência russa e o tratamento que a imprensa faz do Facebook. Para ele, a empresa demorou ao endereçar temas como desinformação e interferência externa. Mas o executivo acusou a esquerda de ser exagerada ao chamar certas pessoas de nazistas. “Acredito que meus colegas liberais são, bem, liberais demais.” 

Bosworth também disse que se sente ofendido quando as pessoas comparam o uso do Facebook à de substâncias viciantes, como a nicotina ou o bacon. “As redes sociais são bem menos fatais que o bacon”, disse ele. Antes de chefiar a área de AR/VR da empresa, Bosworth comandou o time de anúncios do Facebook. Seus insights mostram um pouco do debate interno do Facebook sobre suas responsabilidades durante a eleição de 2020. 

Nos últimos meses, a empresa tem sido pressionada para alterar suas regras em torno de anúncios de publicações sobre política – hoje, textos de políticos não são submetidos às checagens de fatos, por conta da liberdade de expressão. Outras empresas, como Twitter e Google, anunciaram restrições recentes à propaganda política, o que aumentou a pressão sob o grupo de Mark Zuckerberg, seja do partido democrata ou da situação republicana. Na visão de Bosworth, manter as mesmas políticas é a decisão correta, mesmo se isso leve à reeleição de Trump. 

Segundo apurou o New York Times, dúzias de funcionários do Facebook reagiram à carta de Bosworth dizendo que políticos e usuários deveriam receber o mesmo tratamento em suas publicações – o que incluiria a exclusão de textos que falem sobre discurso de ódio ou algum grau de desinformação. Um empregado chegou a dizer que se a empresa continuasse com a mesma abordagem, isso poderia levar a uma onda de novos líderes populistas ao redor do mundo, incluindo nos Estados Unidos. 

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Procurado pela reportagem, uma porta-voz do Facebook respondeu com um comunicado de Bosworth: na resposta, ele disse que o texto não foi feito para “consumo geral”, mas “espera que ele encoraje seus colegas a aceitar críticas e a responsabilidade em cuidar da plataforma”. 

No texto, Bosworth disse ainda que acredita que o Facebook foi o responsável pela vitória de Trump, mas não por conta da interferência russa ou do escândalo da Cambridge Analytica. Para ele, Trump venceu porque foi eficiente ao usar as ferramentas de anúncios do Facebook. “Ele foi eleito porque fez a melhor campanha de propaganda política digital que eu já vi. Ponto final”. / TRADUÇÃO DE BRUNO CAPELAS

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