Intel busca nova fase na inteligência artificial

À procura de novo líder, empresa faz aposta em chips dedicados ao segmento, enquanto vê negócio tradicional em PCs se estabilizar

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Por Bruno Capelas e enviado a Las Vegas (EUA)
Atualização:
PCs. Setor já foi chave para empresa Foto: Dado Ruvic/Reuters

Na próxima quinta-feira, 24, a Intel vai apresentar seus resultados financeiros do último trimestre de 2018. Mas a expectativa do mercado é que a empresa revele, além dos números, o nome de seu novo presidente executivo. Uma das companhias de tecnologia mais tradicionais do setor, a fabricante de chips viu a saída, há sete meses, de Brian Krzanich, envolvido em um affair com uma funcionária da companhia. Seja quem for o novo ocupante, ele encontrará em Santa Clara, Califórnia, no coração do Vale do Silício, uma corporação dividida entre o sucesso e a incerteza. 

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Fundada em 1968, a Intel deve ter em seu 50º aniversário um ano de receita recorde – a previsão da empresa é de US$ 71,2 bilhões em faturamento, vindos em boa parte dos negócios na venda de processadores para PCs e em data centers. 

Por outro lado, entre analistas de mercado há dúvidas sobre o que a companhia deve apresentar no futuro: tradicional em venda de processadores, “o motor” dos computadores, a fabricante de chips não soube se adaptar às tendências dos anos 2000 – como smartphones, tablets e vestíveis. O mercado de computadores, por sua vez, está estável. Além disso, se antes dominava o setor e era a maior produtora de semicondutores do mundo, hoje sua liderança é contestada – a Samsung a ultrapassou na fabricação de chips e rivais como AMD e Taiwan Semiconductors já conseguiram avanços tecnológicos à frente da empresa de Santa Clara. 

Um desses itens é a produção de chips, pela Taiwan, com transistores de 7 nanômetros. Já a Intel está na casa dos 10 nanômetros. Um nanômetro equivale à espessura de um fio de cabelo e, quanto menor o tamanho do transistor, mais cabem dentro de uma única placa de silício, aumentando o poder de processamento do chip. “A percepção que tenho do mercado é de que a Intel está um pouco atrás na curva da tecnologia”, diz Joel Kulina, analista da consultoria Wedbush Securities. 

Passo adiante. A situação é reconhecida pela própria Intel, que tem se movimentado. Na semana passada, a empresa fez diversos anúncios durante a Consumer Electronics Show (CES), feira de tecnologia realizada em Las Vegas (EUA). Além de versões mais avançadas de processadores para notebooks e servidores, também mostrou que quer ter presença em segmentos “novos” da indústria de tecnologia. 

Um dos destaques da apresentação foi o Nervana, processador voltado para aplicações de inteligência artificial. “Há vinte ou trinta anos a principal tarefa de um computador era executar programas. Agora, porém, muitos computadores precisam fazer isso, mas também navegar em um mar de dados, processá-los e retirar deles respostas”, diz Naveen Rao, vice-presidente de inteligência artificial da Intel. 

São funções que exigem diferentes tarefas de um processador tradicional (CPU). Segundo Rao, executar um programa poderia ser equivalente a uma máquina de lavar com uma grande carga de roupas. Já executar tarefas de inteligência artificial seria como um grupo de lavadoras menores dando conta de tipos específicos de peças.

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“Podem ser tarefas mais simples, mas que dão trabalho e precisam de eficiência”, explica Rao. Previsto para chegar ao mercado no final do ano, o Nervana deve ser mais do que uma placa de silício, pois terá software. “Não fazemos mais só chips, agora queremos fazer chips e inteligência, transformando nosso negócio”, diz o executivo. 

É uma ideia interessante. “Ninguém mais consegue ter altas margens de lucro vendendo apenas hardware”, avalia o professor Fernando Meirelles, da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). “É preciso agregar serviços ao portfólio”. Além disso, a criação de um chip dedicado para inteligência artificial é um passo para o futuro. Hoje, a maior parte dos sistemas de inteligência artificial utiliza uma combinação de CPUs e GPUs (unidades de processamento gráfico usadas originalmente para vídeos e imagens), nas quais a rival Nvidia tem levado vantagem.

“Há uma corrida global para ver quem vai liderar esse setor. Hoje, as GPUs são a melhor resposta para inteligência artificial, mas não será assim no futuro”, avalia Kulina, da Wedbush. “No entanto, me preocupa a demora da Intel para chegar ao mercado, porque talvez já esteja atrasada quando isso acontecer”, afirma o analista, fazendo referência à questão dos nanômetros. Para Alan Priestley, diretor de pesquisas do Gartner, a companhia precisará ser cuidadosa com “preços e condições que oferecerá” no mercado. 

Visão. Além disso, a empresa apresentou chips com modems 5G para aplicações de internet das coisas, seja na casa conectada ou em cidades inteligentes. Mostrou também progresso na área de carros autônomos – em 2017, a Intel causou furor no mercado ao adquirir, por US$ 15 bilhões, a fabricante de sensores israelense Mobileye. São setores que devem dominar a indústria de tecnologia nos próximos anos, mas nos quais a empresa deverá enfrentar forte concorrência. Na entrevista ao Estado, Rao não deixou de reconhecer a força de rivais como Qualcomm e Samsung. 

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Para os analistas, porém, a preocupação é se a Intel não está tentando fazer “tudo ao mesmo tempo agora”. “Não é um problema de mercado ou de engenharia, é de visão e de portfólio de produtos”, avalia Meirelles. Na visão do professor, é por isso que a escolha do novo presidente executivo seja talvez o assunto mais esperado pelo mercado. Será necessário um nome que consiga liderar a empresa para uma nova era como fez, por exemplo, Satya Nadella com a Microsoft. “Era um profissional de nuvem, uma área promissora, e levou a empresa a multiplicar seu valor de mercado”, diz Kulina. “A Intel precisa de alguém que já esteja trabalhando com uma tendência.”

*O jornalista viajou a convite da Intel

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