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Mais do que nunca, o Facebook é uma 'produção de Mark Zuckerberg'

Autointitulado um ‘presidente executivo para tempos de guerra’, fundador do Facebook agora concentra mais poder do que nunca em sua empresa, avaliada em mais de US$ 600 bilhões

Por Mike Isaac , Sheera Frenkel e Cecilia Kang
Atualização:
Coronavírus ofereceu a Zuckerberg a oportunidade de demonstrar que ele assumiu suas responsabilidades como líder Foto: Erin Scott/Reuters

SÃO FRANCISCO - No dia 27 de janeiro, em uma habitual reunião programada para a manhã de segunda-feira com os principais executivos do Facebook, Mark Zuckerberg focou no novo coronavírus. Há semanas, ele disse à sua equipe, ouvia de especialistas em saúde global que o vírus daria origem a uma pandemia. Na visão de Zuck, o Facebook precisava se preparar para o pior cenário possível – no qual a capacidade da empresa de combater desinformação, golpistas e teóricos da conspiração seriam testados como nunca antes.

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Para começar, disse Zuckerberg, a empresa deve usar algumas das ferramentas desenvolvidas para combater o lixo eleitoral de 2020 e tentar adaptá-las para o vírus. Ele pediu aos executivos encarregados de todos os departamentos que desenvolvessem planos para responder a um surto global até o final da semana. A reunião, relatada por duas pessoas que participaram dela, ajudou a preparar o Facebook antes de outras empresas – e até de alguns governos – na preparação para a covid-19. E exemplificou uma mudança na forma como o homem de 36 anos está dirigindo a empresa que ele fundou.

Desde o dia em que ele codificou as palavras "uma produção de Mark Zuckerberg" em todas as páginas em azul e branco do Facebook, ele tem sido o rosto singular da rede social. Mas, até certo ponto não muito apreciado fora do Vale do Silício, Zuckerberg é, há muito tempo, um tipo de presidente executivo binário – extraordinariamente envolvido em alguns aspectos dos negócios e praticamente invisível nas áreas que ele acha menos interessantes.

O início do fim da liderança distanciada de Zuckerberg ocorreu em 8 de novembro de 2016, com a eleição de Donald Trump. A partir desse momento, uma série implacável de crises – sua rejeição casual de preocupações com notícias falsas como "uma ideia bem louca"; revelações de que a plataforma havia sido usada como um brinquedo para espionagem patrocinada pelo Estado; o escândalo da Cambridge Analytica – fez Zuckerberg ajustar o controle da empresa.

Muitas de suas táticas de consolidação têm sido extremamente visíveis: ele substituiu os fundadores externos do Instagram e WhatsApp por partidários seus e reformou o já amigável conselho do Facebook para estar ainda mais de acordo com o que pensa, trocando cinco de seus nove integrantes. 

Com a atenção de um quarto da população mundial para vender aos anunciantes, o Facebook é tão colossal que as mudanças no organograma têm o efeito de criar novos e poderosos personagens no cenário político global. Zuckerberg entrou em contato com peças-chave para conquistar territórios hostis – o agente republicano Joel Kaplan, em Washington, e o ex-vice-primeiro ministro britânico, Sir Nicholas Clegg, na zona do euro. E sua abordagem mais prática causou, pelo jogo de soma zero da influência corporativa, um afastamento eficaz de Sheryl Sandberg, sua diretora de operações e a mulher mais proeminente no mundo da tecnologia.

Agora, o coronavírus ofereceu a Zuckerberg a oportunidade de demonstrar que ele assumiu suas responsabilidades como líder – uma virada de 180 graus desde aqueles distantes dias de 2016. Isso lhe deu a chance de liderar 50 mil funcionários em uma crise que, dessa vez, não foi ele quem causou. E tirar proveito do momento pode permitir que Zuckerberg prove uma tese na qual realmente acredita: que se alguém enxergar além de sua capacidade de destruição, o Facebook pode ser uma força para o bem.

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"Mark assumiu um papel ativo na liderança do Facebook desde a sua fundação até hoje", disse Dave Arnold, porta-voz da empresa, em comunicado por e-mail. "Temos a sorte de ter líderes tão engajados, incluindo Mark, Sheryl e toda a equipe de liderança. O Facebook é uma empresa melhor por isso.”

‘Até agora, fui líder em tempos de paz’

No Vale do Silício, existe um certo tipo de fundador de empresa, cujo título é presidente executivo (CEO), mas que se apresenta como um "cara de produto". Um CEO que é um cara de produto se sente mais em casa desenvolvendo o que está à venda do que realmente administrando a empresa.

Na Apple, Steve Jobs era um cara de produto, inventando o iPhone enquanto deixava a cadeia de suprimentos ao seu diretor de operações, Tim Cook. Na Amazon, Jeff Bezos é um cara de produto, obcecado com clientes de varejo, enquanto outros dirigem a lucrativa divisão de hospedagem na web. E no Facebook, por mais de uma década, Mark Zuckerberg era um cara de produto.

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Na prática, isso significou que Zuckerberg mergulhou em importantes novos produtos, dando ordens diretas aos gerentes de nível médio, encarregados de qualquer recurso pelo qual estivesse obcecado naquela semana. Isso também significava que ele se sentia à vontade para delegar em áreas que o interessavam menos profundamente – incluindo a máquina de publicidade que gerou US$ 70 bilhões em receita no ano passado. 

Ainda menos atraente para Zuckerberg era o domínio da política do Facebook em torno de que tipo de discurso era ou não permitido. Esses assuntos se enquadravam em uma categoria específica: importante demais para ignorar, mas não exatamente com o que um jovem bilionário deseja gastar todo o seu tempo. 

A supervisão dessas áreas foi para seu círculo íntimo de confiança, conhecido como M-Team. Abreviação de "Mark Team" (Equipe de Mark, em tradução livre), seus integrantes sabiam que provavelmente nunca o sucederiam como CEO, mas poderiam permanecer poderosos e autônomos em seus próprios departamentos. No topo estava Sheryl, a segunda no comando, cujo portfólio abrangia publicidade, marketing, regulamentação, comunicações e muito mais.

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As eleições de 2016 deixaram claro para Zuckerberg que a acomodação não era mais viável, pois ele e Sheryl eram criticados por estarem ausentes e distraídos, quando não por negligência intencional.Em julho de 2018, Zuckerberg convocou uma reunião com profissionais-chave sob seu comando. No passado, ele usava as reuniões semestrais do grupo para traçar novos cursos para produtos do Facebook ou discutir as novas tecnologias que ele estava interessado em capitalizar. 

Desta vez, ele disse a seus executivos que seu foco estava em si mesmo. Com o Facebook constantemente sob ataque de pessoas de fora, disse Zuckerberg, ele precisava se reinventar para o "tempo de guerra"."Até agora, fui líder em tempos de paz", disse Zuckerberg, segundo três pessoas que estavam presentes, mas não autorizadas a discutir a reunião publicamente. "Isso vai mudar." Zuckerberg disse que tomaria mais decisões por conta própria, com base em seus instintos e visão para a empresa. Os líderes de guerra foram mais rápidos e decisivos, disse ele, e não deixaram o medo de irritar os outros paralisá-los. (Alguns detalhes da reunião foram relatados anteriormente pelo The Wall Street Journal.)

Zuckerberg instruiu a chamada "família de aplicativos" do Facebook – Instagram, Messenger, WhatsApp e Facebook - a trabalhar mais em conjunto. O Instagram teve que começar a enviar o tráfego de volta ao principal produto. O WhatsApp teve que se integrar melhor com seus serviços irmãos. Em vez de executar a visão de Zuckerberg, os chefes do Instagram, Kevin Systrom e Mike Krieger, deixaram a empresa em setembro de 2018, depois da partida dos desiludidos fundadores do WhatsApp. Juntos, eles perderam mais de US$ 1 bilhão com multas de contrato.

Zuckerberg continuou a turnê de conversas com órgãos reguladores altamente engajados em Utah, Bélgica, Alemanha e outros lugares. Na Europa, onde o Facebook tinha um relacionamento especialmente gelado com agências governamentais, ele chamou Clegg, que assumiu um novo papel como diplomata-chefe da empresa.

‘Um artista habilidoso’

O Facebook dedicou 2019 a um completo ataque de lobby a Washington, comprometendo US$ 16,7 milhões para influenciar os formuladores de políticas. Apenas duas outras empresas gastaram mais. Mas mesmo além do dinheiro, a arma mais poderosa do Facebook era o acesso ao seu CEO.

Kaplan – um veterano bem conectado do governo George W. Bush – começou a providenciar que Zuckerberg organizasse jantares com conservadores influentes, incluindo a senadora Lindsey Graham, R-S.C. e o apresentador da Fox News, Tucker Carlson. Kaplan também fomentou um relacionamento entre Zuckerberg e Jared Kushner, genro de Trump.

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Em setembro de 2019, o procurador-geral de Nova York anunciou uma investigação de vários estados para saber se se o Facebook havia violado as leis antitruste. Para Zuckerberg, era a indicação mais clara de que a política e o governo exigiam toda a sua atenção - uma ameaça existente em potencial à sua empresa que não podia mais ser delegada a outras pessoas. Uma semana depois, ele viajou para Washington para cortejar os representantes de ambas as partes.

Em uma sala privada no Ris, um restaurante sofisticado ao lado do hotel Ritz-Carlton, Zuckerberg jantou com os proeminentes democratas do Senado. O grupo incluía Mark Warner, da Virgínia, e Richard Blumenthal, de Connecticut – ambos críticos de longa data das práticas de segurança e privacidade do Facebook - assim como autoridades novatas na política da tecnologia, como Jeanne Shaheen, de New Hampshire, Catherine Cortez Masto, de Nevada, e Angus King, o independente do Maine.

Enquanto comia salmão grelhado, torta de frango e couve de Bruxelas assada, Zuckerberg fez a jogada básica de Washington de toma lá dá cá que ele por muito tempo deixou nas mãos de Sheryl: ouviu atentamente (o que diziam) e fez afirmações acerca de uma série de problemas no Facebook, desde interferências nas eleições estrangeiras à criptomoeda.

"Ele é um artista habilidoso", disse Blumenthal. "Quase certamente o resultado de conselhos profissionais, e talvez de treinamento e muita orientação de uma equipe pesada de lobistas aqui em Washington." Warner acrescentou: “Por um tempo, acho que o Facebook, juntamente com muitas empresas de tecnologia no Vale, achava que lidar com Washington estava meio que um nível inferior a elas. Acho que Zuckerberg percebeu que é de seu benefício se envolver conosco diretamente. ”

O jantar democrata foi apenas um aquecimento para a reunião realmente importante que ocorreu no dia seguinte: Kaplan e Kushner organizaram um encontro de Zuckerberg com o presidente dos Estados Unidos. Os dois nunca haviam se conhecido. Antes da reunião em 19 de setembro, Zuckerberg pediu à sua equipe de Washington que o informasse sobre a (força da) presença de Trump no Facebook, para que ele pudesse ocasionalmente citar algumas estatísticas no Salão Oval.

Vestindo um terno azul escuro e uma gravata bordô, Zuckerberg estava sentado entre Kushner e Kaplan, de frente para Trump e seu copo enorme de Coca-Cola diet. Zuckerberg apontou rapidamente que o presidente tinha o nível mais alto de engajamento de qualquer líder mundial na rede social. Trump – que já havia criticado o Facebook em relação a uma série de questões – adotou imediatamente um novo tom, descrevendo a conversa nas postagens da rede social como "agradável".

Um mês depois, o presidente convidou Zuckerberg – junto com o integrante do conselho do Facebook e apoiador de Trump, Peter Thiel – para um jantar privado na Casa Branca, que ficou sob sigilo durante semanas. A simples bajulação de Zuckerberg parece ter valido a pena. Trump não castiga publicamente a empresa desde aquele encontro e meses depois, continua a dizer ao público que é o "número 1" na maior rede social do mundo.

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No Facebook, o estilo mais engajado de Zuckerberg estava irritando os funcionários. O descontentamento veio à tona no final de outubro, depois que Zuckerberg divulgou publicamente como o Facebook regularia o discurso político na plataforma. Em nome da liberdade de expressão, ele disse, a rede social não policiaria o que os políticos diziam em anúncios políticos - mesmo que mentissem. O Facebook não estava na atividade como um árbitro da verdade, nem queria estar, disse Zuckerberg.

Em resposta, mais de 250 funcionários assinaram um memorando interno argumentando que a liberdade de expressão e o discurso comprado eram diferentes e que a desinformação era prejudicial a todos. A posição do Facebook acerca da publicidade política é "uma ameaça para o que ele representa", escreveram os funcionários. "Nós nos opomos fortemente a essa política".

Dias depois, no Halloween, Zuckerberg liderou uma reunião semanal regular de perguntas e respostas com os funcionários. Perto do fim, alguém vestido com uma enorme roupa inflável de Pikachu se aproximou do microfone e pressionou o CEO em relação a sua política, segundo três pessoas presentes.

Zuckerberg, agora menos preocupado do que nunca em tentar fazer todo mundo feliz, reiterou sua posição. Quando surgiram versões da mesma pergunta durante a sessão, ele se manteve firme. "Isso não é uma democracia", disse ele.

O teste dos produtos de limpeza

"Não é uma democracia" também pode descrever o conselho de administração de nove pessoas do Facebook. Zuckerberg preside o grupo, detém a maioria das ações com direito a voto e controla sua dinâmica. O conselho não é exatamente uma verificação de seu poder. No ano passado, Kenneth Chenault, ex-CEO da American Express, sugeriu a criação de um comitê independente para examinar os desafios da empresa e apresentar o tipo de perguntas que o conselho não estava acostumado a fazer. A ideia, relatada anteriormente pelo The Wall Street Journal, foi rapidamente rejeitada por Zuckerberg e outros.

Outras divergências do conselho, especificamente em relação à anúncios políticos e à disseminação de informações erradas, sempre terminavam com o ponto de vista de Zuckerberg vencendo. Em março, Chenault anunciou que não participaria da nova eleição, em seguida, o mesmo se repetiu com outro diretor, Jeffrey Zients, que também havia desafiado algumas posições de Zuckerberg.

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Para substituí-los, Zuckerberg escolheu Drew Houston, CEO da Dropbox, que também é amigo de longa data e ocasional parceiro de pingue-pongue, e Peggy Alford, ex-diretora financeira da Chan Zuckerberg Initiative. Três outros indicados deverão ingressar no conselho este ano, incluindo executivos da McKinsey and Co. e Estée Lauder. Os três participantes restantes do conselho são um grupo de amigos: Thiel e Marc Andreessen, capitalistas de risco que estão entre os primeiros e mais leais investidores do Facebook, e Sheryl.

Com seus problemas na diretoria deixados no passado, Zuckerberg conseguiu dedicar mais atenção ao coronavírus. Ele começou a acompanhar a doença cedo, recebendo relatórios de especialistas, incluindo Tom Frieden, ex-diretor dos Centros de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês). Zuckerberg foi aconselhado a não confiar em relatórios preliminares da China de que o vírus estava controlado ou nas garantias infundadas de Trump de que isso não afetaria muito os Estados Unidos. 

Em 19 de março, bem antes dos pedidos das ordens para que as pessoas ficassem em casa em muitos estados, Zuckerberg transmitiu um bate-papo em vídeo ao vivo comAnthony Fauci, a principal autoridade em doenças infecciosas do país, em sua página pessoal no Facebook./ TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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