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Mais startups enviam uma mensagem incomum para investidores de risco: desapareçam

Surge um movimento contrário ao modelo de capital de risco de pressão por hiper crescimento

Por Erin Griffith
Atualização:
Para empresas, capital de risco resultam em sucesso ou fracasso enormes Foto: Bryan R. Smith / AFP

Há alguns meses, numa manhã ensolarada de sábado, na cidade de Nova York, um grupo de fundadores de 50 startups se reuniu no bar Lower East Side. Eles faziam anotações,sentados nas longas mesas do bar bebendo um café enquanto uma pilha de caixas de pizza exalava um cheiro de alho frito. Um a um eles prestaram seu depoimento sobre algo quase sagrado no setor de tecnologia: o capital de risco.

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Joseh Haas, cofundador da Bubble, startup de programação de software, disse ao grupo que os investidores de risco “estavam totalmente em outra sintonia” com relação à trajetória da sua empresa.

Seph Skerrit, fundador da Proper Cloth, empresa de roupas, disse que toda a publicidade em torno da possibilidade de levantar recursos era uma armadilha.

“Eles procuram fazer com que você se sinta inferior se não entra no jogo”, afirmou.

O evento foi organizado por Frank Denbow, 33 anos, figura conhecida no ambiente de tecnologia de Nova York e fundador da Inka.io, que produz camisetas, e seu objetivo foi reunir os fundadores de startups que começam a questionar a estrutura de investimentos exacerbada dentro do seu campo. Ao incentivar as empresas a se expandirem rápido demais, afirmou Denbow, o capital de risco faz com que elas “acelerem seu tombo”.

O modelo de negócios respaldado no capital de risco, com base no qual o setor de tecnologia moderna foi criado,é simples: as startups levantam muito dinheiro de investidores e o utilizam para crescerem agressivamente – mais rápido do que a concorrência e mais rápido do que as empresas normais considerariam saudável. E financiamentos cada vez maiores chegam até elas.

O objetivo final é vender a companhia ou registrá-la em Bolsa com retornos impressionantes para os investidores iniciais. Essa estrutura gerou nomes conhecidos como Facebook, Google e Uber e centenas das chamadas empresas unicórnio avaliadas em mais de US$ 1 bilhão.

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Mas para cada unicórnio existe um número incontável de startups que também cresceram rápido demais, gastaram o dinheiro dos investidores e desapareceram, desnecessariamente. Os planos de uma empresa startup são feitos para o resultado mais promissor possível e o dinheiro intensifica tanto os sucessos como os fracassos. A mídia social está repleta de histórias de companhias que desapareceram devido à pressão do hipercrescimento, foram esmagadas pelo “capital de risco tóxico” ou forçadas a levantar um volume excessivo de capital de risco, o que é conhecido como “efeito foie gras”.

Agora um movimento contrário, liderado pelos empreendedores, está rejeitando esse modelo. Embora sejam uma pequena parte da comunidade, esses fundadores passaram a se manifestar com mais ênfase no ano passado ao depararem com o apetite insaciável por crescimento dos investidores de risco e a infinidade de crises observadas no setor de tecnologia.

Teria a liderança do Facebook ignorado os sinais de alerta para a interferência russa na eleição ou permitido que sua plataforma incitasse a violência racial se não tivesse, anteriormente, privilegiado um crescimento rápido e assumido riscos sem pensar nas potenciais consequências, achando que tudo estaria bem mesmo se fracassasse? O Uber teria adotado estratégias legais e normativas duvidosas se não tivesse priorizado a expansão acima de tudo? E o setor de tecnologia estaria se debatendo com discriminação de raça e gênero se o financiamento por investidores fosse um pouco menos homogêneo?

“A ferramenta do capital de risco é específica no caso de uma minúscula fração de companhias e não podemos nos permitir enganar achando que ele é a história do futuro empreendedorismo americano”, disse Mara Zepeda, de 38 anos, que em 2017 ajudou a fundar uma organização de defesa chamada Zebras Unite. Entre seus membros estão fundadores de startups, investidores e fundações que procuram incentivar o surgimento de um setor mais ético, com mais diversidade racial e de gênero. O grupo tem 40 sucursais e 1.200 membros em todo o mundo.

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“Quanto mais acreditamos nesse mito mais ignoramos oportunidades fantásticas”, disse ela.

Excluídos. Alguns grupos rejeitam o capital de risco porque foram excluídos dessa rede. Aniyia Williams, que fundou a Black&Brown Founders, sem fins lucrativos, disse que o sistema de financiamento de risco que provoca inúmeras falências para cada empresa bem sucedida é particularmente injusto para com fundadores negros, latinos e mulheres que “raramente se permitem fracassar”. Os membros dessas organizações, segundo ela, veem mais valor quando grupos inteiros em suas comunidades prosperam,em vez do modelo “o vencedor leva tudo” do capital de risco.

Outros fundadores decidiram que as expectativas com a aceitação do capital de risco não valem a pena. O investimento de risco é um jogo de apostas altas em que as empresas ou se tornam um enorme sucesso ou total fracasso.

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“Ocorreram grandes problemas quando fundadores aceitaram sem saber, ou sem querer, esse tipo de investimento cujo objetivo era de um resultado com o qual não sabiam que estavam se comprometendo”, disse Josh Kopelman, investidor da First Round Capital e que financiou Uber, Warby Parker e Ring.

“Eu vendo combustível para jatos e algumas pessoas não querem fabricar um jato”, disse ele.

E no momento esse combustível parece ilimitado. Os investimentos de capital de risco em empresas nos Estados Unidos chegaram a US$ 99,5 bilhões em 2018,  o mais alto patamar desde 2000,de acordo com a consultoria CB Insights. E os investimentos se estenderam para além do hardware e software, chegando a setores adjacentes – passeio de cachorros, saúde, cafés, agricultura, escovas de dente elétricas.

Mas pessoas como Sandra Oh Lin, diretora executiva da KiwiCo, que vende kits de atividades para crianças, dizem que mais dinheiro é desnecessário. Ela levantou pouco mais de US$ 10 milhões entre 2012 e 2014, mas agora vem recusando ofertasuma vezque sua empresa vende um produto que as pessoas querem – o momento exato em que os investidores adoram injetar mais recursos. A KiwiCo é uma empresa lucrativa e contabilizou quase US$ 100 milhões em vendas em 2018, um crescimento de 65% em comparação com o ano anterior.

“Somos agressivos no que se refere a crescimento, mas não somos uma empresa que busca crescer a qualquer custo. Queremos criar uma empresa que dure”.

Os empresários estão mesmo buscando maneiras de se desfazer do dinheiro que extraíram dos fundos de capital de risco. Wistia, empresa de software de vídeo, usou a dívida para pagar seus investidores, declarando seu desejo que buscar um crescimento sustentável e lucrativo. Buffer, empresa de software com foco em mídia usou o lucro contabilizado para fazer a mesma coisa. Posteriormente Joel Gascoigne, seu fundador e diretor executivo, recebeu mais de 100 e-mails de outros empreendedores inspirados por ele  - ou com inveja.

Novas formas de capital. Em setembro, Tyler Tringas, um empresário de 33 anos baseado no Rio de Janeiro, anunciou seu plano de oferecer um tipo diferente de financiamento para startups na forma de investimento de capital que as empresas podem pagar com uma porcentagem do seu lucro. A Earnest Capital terá US$ 6 milhões para investir em 10 a 12 companhias por ano.

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Centenas de e-mails chegaram a ele desde o anúncio, disse Tringas.

“Quase todos foram de pessoas que supunham não existir nenhuma forma de capital que fosse condizente com suas expectativas”, afirmou.

A Earnest Capital se insere numa lista crescente de empresas, como a Lighter Capital, Purpose Ventures, TinySeed, Village Capital, Sheeo, XXcelerate Fund e Indie.vc, que oferecem diferentes maneiras de se obter dinheiro. Muitas usam variações de empréstimos baseados em receitas ou lucros. Esses empréstimos, contudo, são disponibilizados com frequênciaapenas para companhias que já tem um produto para vender e um fluxo de caixa com dinheiro entrando.

A Indie-vc, com sede em Salt Lake City e parte da empresa de investimentos O’Reilly AlphaTech Ventures, oferece às startups a opção de comprarem de volta as ações da firma como parte de suas vendas totais. Isso limita o retorno da empresa a três vezes o seu investimento. No modelo de capital de risco típico, os ganhos no caso de um acordo bem sucedido são ilimitados.

Quando iniciou suas atividades há três anos, a Indie-vc  recebia duas a três solicitações por semana, a maior parte de empresas rejeitadas pelo capital de risco. Hoje são dez por semana, a maioria de companhias que conseguem levantar capital, mas não querem, disse Bryce Roberts.

“Acho que será um tsunami de empreendedores que experimentaram o modelo de capital de risco igual para todos e querem escolher partes desse modelo que funcionem para eles”, afirmou.

Alguns investidores de risco têm aplaudido a mudança; seu estilo de investimento não é adequado para muitas empresas. Num blog recente a Founder Collective, que investiu no Uber e Buzz Feed,elogiou a proposta de Bryce Roberts e alertou os fundadores de startups para os riscos do financiamento tradicional.

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“O capital de risco não é ruim, mas é perigoso”, alerta a postagem.

A Founder Collective elaborou rótulos e folhetos de advertência para enviar para suas companhias. /TRADUÇÃO TEREZINHA MARTINO

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