Mercado consumidor faz Índia virar ‘menina dos olhos’ do Vale do Silício

Com mais de 1 bilhão de pessoas desconectadas e baixa penetração de smartphones entre a população, Índia chama atenção de investidores e empresas de tecnologia; startups locais apostam em produtos voltados para realidade local

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Por Redação Link
Atualização:

AFP

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por Shashank Bengali, do The Los Angeles Times

Num salão de convenção lotado, jovens empreendedores praticamente gritavam ao expor suas ideias: um mercado online para instrutores de ioga, um aplicativo para compartilhar música em fragmentos de 30 segundos, um serviço de entrega de refeição para empregados em escritórios. Para qualquer veterano do Vale do Silício, o alvoroço observado na Surge, recente conferência de startups em Bangalore, berço do setor de alta tecnologia da Índia, era não só familiar como sedutor.

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O setor de startups na Índia está explodindo com a expansão do uso da internet. Em junho, mais indianos deverão acessar a rede nos seus celulares. Serão 371 milhões, mais do que a população inteira dos Estados Unidos. Mas quase 1 bilhão ainda não está conectado e à medida que a economia da China desacelera, empresas de tecnologia e investidores dos EUA se voltam para a Índia.

Capitalistas de risco vêm injetando centenas de milhões de dólares em startups, enquanto gigantes do Vale do Silício como Apple, Google e Facebook cortejam os indianos com suas próprias iniciativas. “A Índia se tornou a maior oportunidade de negócios, depois dos EUA”, disse Sanjit Singh, diretor de investimento da Intel Capital, braço de capital de risco da fabricante de chips para computadores, que investiu em dezenas de startups indianas.

Gigantes. Em fevereiro, a Apple anunciou que abrirá um escritório com 150 funcionários na cidade de Hyderabad. No ano passado, enquanto as vendas de iPhone se mostravam apáticas em todo mundo, na Índia cresceram 76%, levando o diretor executivo Tim Cook a afirmar que o país é um mercado “incrivelmente empolgante”.

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“A população da Índia, em certos aspectos, é uma das melhores do mundo”, disse Cook durante a conferência de acionistas da Apple na semana passada. “Há um número enorme de jovens subindo na escala social e o consumo vai ter uma grande ascensão.”

A Apple tem apenas uma fatia de 2% do mercado de smartphones na Índia, porque seus novos aparelhos custam centenas de dólares a mais que os das empresas rivais. Mas a Apple espalhou centenas de cartazes com seu iPhone em grandes cidades e também ampliou as redes de distribuição em cidades menores, além de ter solicitado permissão ao governo para abrir sua primeira loja no país.

As lojas que hoje vendem produtos da Apple lançaram planos de pagamento em parcelas mensais iguais. “Os indianos são um pouco econômicos. Com o sistema de pagamentos a prestação, a classe média opta pelo iPhone, que já não é mais um aparelho para as elites”, disse Kishor Prabhu, dono de uma loja de celulares em Mumbai.

Cook disse que um dos desafios na Índia é a fragilidade da infraestrutura sem fio, o que torna difícil, e às vezes impossível, assistir a um vídeo em um smartphone. Mas a demografia da Índia extasia os titãs corporativos. A idade média do consumidor é de 27 anos.

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Somente 40% dos celulares vendidos no último trimestre de 2015 eram smartphones, segundo a empresa de análise do setor Counterpoint Research, indicando que há enorme potencial para crescimento.

Já o Google tentou fabricar seus smartphones Android – os mais populares na Índia – de modo a se ajustarem às lentas conexões de internet no país. Hoje, os indianos podem usar o aplicativo de mapas Google Maps offline, e em breve poderão usar redes Wi-Fi patrocinadas pelo Google em centenas de estações de trem.

Bolha. Apesar de centenas de milhões de indianos que vivem na zona rural não terem acesso à web, esta é uma era de ouro para o consumidor digital indiano. Tudo pode ser feito online, desde marcar consultas com médicos até a compra de entradas de cinema – todas com apps feitos por empresas indianas.

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Há empresas indianas se destacando por rodadas de investimento agressivas. É o caso da Shopclues.com, startup de comércio eletrônico avaliada em mais de US$ 1,1 bilhão, cujo alvo são os consumidores de classe média que usam roupas e outros produtos que não são de grifes.

A companhia foi fundada por indianos que trabalharam no Vale do Silício e retornaram ao país quando começou o boom da internet. Fundado por indianos formados na Amazon, o site de comércio eletrônico Flipkart é até agora a maior startup indiana, tendo levantado US$ 6 bilhões de financiamento de capital de risco. A maior parte veio de investidores dos EUA, incluindo a Accel Partners e a Tiger Global Management.

O frenesi em 2015 gerou a primeira bolha de internet da Índia e novos investimentos diminuíram nitidamente nos primeiros dois meses deste ano. O governo de Narendra Modi tem recebido apelos para estimular o investimento externo. A esfera digital independente também passa por dificuldades por causa das restrições impostas à liberdade de expressão.

“Os investidores perceberam que foram um pouco temerários”, disse Pankaj Jain, sócio da 500 Startups, fundo de capital de risco de Mountain View que investiu em 24 startups indianas em 2015. “Muitas empresas estão fechando, reduzindo a atividade, demitindo pessoas, mas isso é normal. Não muda o fato de que a China ainda gera muita incerteza e a economia global não está crescendo muito bem. A Índia é provavelmente a economia mais estável e a que mais cresce no mundo neste momento, de maneira que ainda vai atrair muita gente.”

A volatilidade não intimidou os jovens empreendedores indianos. Na convenção em Bangalore, quatro engenheiros e designers por volta dos 20 anos conversavam sobre sua ideia, o eFyDo, um portal que conecta os consumidores com médicos e professores de ioga. Sua pesquisa mostrou que os cuidados com a saúde constituíam um mercado de US$ 280 bilhões na Índia, com 140 startups na briga.

Três anos depois da sua criação, o site tem 2 mil visitantes por mês. Os quatro abandonaram seu emprego e buscavam um investidor. “É uma ideia importante”, disse Deepak Rathi. “Queremos mudar os serviços de atendimento médico na Índia.”

Indianos têm cargos de liderança em Google e Microsoft

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Com mais de 40 anos de existência, a Microsoft é o que se pode chamar de empresa tradicional: até 2014, a criadora do Windows teve apenas dois presidentes executivos: Bill Gates e Steve Ballmer.

Para sucedê-los, foi escolhido um indiano: Satya Nadella, de 46 anos. Nascido em Hyderabad, e formado no Instituto de Tecnologia de Manipal, Nadella fez carreira na Microsoft, tendo liderado as equipes por trás do buscador Bing e do Office – um dos produtos mais rentáveis da empresa.

Há dois anos no cargo, Nadella tenta renovar a imagem da empresa como uma ‘companhia de produtos e serviços’ – e pavimentou o caminho para outros indianos assumirem postos de liderança no mercado de tecnologia.

Outro nome de destaque do país asiático é Sundar Pichai: atual presidente executivo do Google, e escolhido a dedo pelos fundadores Sergey Brin e Larry Page para comandar a empresa após a criação da Alphabet, holding que controla os negócios do grupo. Antes de ascender ao cargo, Pichai comandou produtos estratégicos da empresa, como o Google Maps e o Google Chrome. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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