As empresas de aplicativos de transporte entraram na mira da Justiça brasileira quando motoristas começaram a mover processos para provar que são funcionários dessas empresas, em vez de meros parceiros. O Uber, aplicativo americano que tem mais de 13 milhões de usuários no Brasil, já enfrentou 12 motoristas na Justiça que buscavam provar a existência de vínculo empregatício. Até agora, a empresa já obteve vitória em dez casos e, no futuro, deve ficar cada mais difícil para os motoristas sustentarem a tese na Justiça. O motivo é o uso concomitante de outros aplicativos de carona, como 99 e Cabify.
“O vínculo com mais de um aplicativo tende a afastar a possibilidade de relação de emprego entre motorista e empresas”, afirma José Guilherme Mauger, advogado trabalhista do escritório PLKC. “Considerando que a atividade de trabalho dos motoristas é exercida a mais de um suposto empregador, dentro de uma mesma jornada de trabalho, forma-se um cenário incompatível com o contrato de trabalho pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).”
Os motoristas mantêm dois ou mais aplicativos ligados para ter mais chances de aumentar a renda com as viagens. Esse foi o motivo que fez Wanderley Mantovani, de 48 anos, deixar a lealdade ao Uber de lado. Após perder seu trabalho como gerente numa importadora de máquinas de costura, ele passou a dirigir com a ajuda do app. No começo, ele conseguia tirar R$ 8 mil por mês, mas os ganhos caíram para R$ 3 mil. Para não ver a situação piorar, resolveu usar os alternativos.
“Trabalho com a Uber e com a 99 por conta dos ganhos e por ter horários em que a demanda de viagens cai muito”, afirma Mantovani, que trabalha dez horas por dia, folgando apenas no rodízio. “É bom estar conectado aos dois apps e atender aquele que chamar primeiro.” Segundo os especialistas ouvidos pelo Estado, o comportamento dos motoristas acaba por dissolver a relação de subordinação, ou seja, o fato de a pessoa estar disponível para um único empregador. “A multiplicidade de contratantes afasta esse cenário de subordinação”, afirma o advogado trabalhista. “É uma relação de trabalho, mas não de emprego.”
O procurador do Ministério Público do Trabalho, Rodrigo Carelli, que recentemente terminou um estudo sobre o vínculo de profissionais e aplicativos de carona e de entregas, tem uma opinião diferente. Ele explica que a existência de mais de um contratante é comum no mercado e deverá valer para motoristas de aplicativos. Assim, processos trabalhistas contra os aplicativos poderiam ter sucesso no futuro – promotores do MPT, por exemplo, planejam entrar em breve com ações coletivas contra os aplicativos de carona na Justiça.
“Médicos e professores já trabalham com mais de um contrato, sem afetar questões de vínculo empregatício”, exemplifica o procurador, quando questionado sobre o movimento de motoristas. “O uso de mais de um aplicativo por motoristas não influi na questão de subordinação. Afinal, exclusividade não é garantia de existência de uma relação com vínculo de emprego.”
Mercado. Entre as empresas que operam os aplicativos, não há consenso sobre a troca frequente de aplicativos. Questionado pelo Estado, o Uber afirmou que “os motoristas usam a plataforma quando e onde quiserem, sem qualquer obrigação de exclusividade”. A empresa diz que os mais de 50 mil motoristas que dirigem usando a plataforma hoje no País “escolheram usar o Uber porque buscam renda e independência, em vez de uma relação empregatícia de subordinação a uma empresa ou chefe.”
Embora afirme que a regulamentação trabalhista não prevê vínculos com serviços de transporte por aplicativo, o Cabify defende que os motoristas escolham somente um serviço de carona. “Não existe a questão da subordinação, seja usando um ou mais aplicativos”, afirma o diretor geral do Cabify no Brasil, Daniel Bedoya. “Mas a gente acredita que a qualidade do serviço cai quando o motorista usa vários aplicativos.” No caso da 99, a empresa não tem restrições em relação ao uso de outros apps. “Precisamos conquistar o motorista para ele nos escolher na hora de usar apenas um app”, afirma o diretor de operações da 99, Marcus Andrade.
O coordenador do centro de estudos em negócios do Insper, Paulo Furquim de Azevedo, porém, acredita que nenhuma das empresas está satisfeita com a falta de lealdade. “A curto prazo, o efeito para as empresas parece ruim”, diz. “Mas será benéfico com o passar do tempo, pois vai barrar o avanço dos processos trabalhistas.”