Desafio. Em meio a mudanças na empresa, Khosrowshahi viaja a países onde Uber enfrenta problemas de regulamentação
O iraniano Dara Khosrowshahi, que assumiu a liderança global do aplicativo de carona paga Uber há dois meses, não está acostumado a ser o centro das atenções. Antes de aceitar o desafio de tentar colocar o Uber nos trilhos – após escândalos que culminaram na saída do executivo Travis Kalanick, em junho –, ele liderou a plataforma online de viagens Expedia por 13 anos. “O Expedia era só mais uma empresa de capital aberto”, disse Khosrowshahi, em entrevista ao Estado, em São Paulo. “Ainda estou me acostumando com a atenção que estou recebendo.”
O executivo chegou ao Brasil às vésperas da votação, programada para hoje, do projeto de lei complementar (PLC) 28/2017, que regulamenta o transporte individual de passageiros e que coloca em xeque a operação não só da empresa americana no País, mas também de concorrentes a brasileira 99 e o espanhol Cabify. O texto quer obrigar motoristas que dirigem por aplicativo a comprovarem que são donos dos automóveis usados na atividade, a usarem placas vermelhas e a obterem autorização com as prefeituras – como já ocorre com os táxis.
O Uber já chegou a afirmar, em nota, que o projeto é uma espécie de “proibição velada” e diz que o PLC 28 pode inviabilizar a atividade para seus mais de 500 mil motoristas no Brasil. Khosrowshahi vai defender hoje, em Brasília, que o projeto de lei não seja aprovado às pressas. “Essa regulação vai levar o Brasil para a realidade do transporte de dez anos atrás.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o PLC 28/2017 pode afetar os negócios do Uber no País?
Não somos contra a regulamentação. Regulamentar serviços como o Uber é totalmente apropriado. Mas essas regras devem ser pensadas olhando para o futuro, e não para o passado. O PLC 28/2017 realmente tem o potencial de restringir o trabalho dos 500 mil motoristas do Uber no Brasil. Isso vai fazer o nosso número de motoristas nas ruas cair drasticamente e vai levar o Brasil para a realidade de dez anos atrás, quando só existiam os táxis.
Na sua opinião, como o texto do projeto de lei deveria ser?
Acho que as regras que se parecem com as adotadas para táxis devem ser retiradas. É preciso tirar a obrigação de o motorista ser dono do carro que vai dirigir. Na maior parte das vezes, os motoristas usam o carro da família. Exigir licenças também limita bastante a atividade, porque é muito burocrático.
O sr. considera parar de operar o Uber no Brasil, caso o projeto de lei seja aprovado?
Nosso principal foco agora é garantir que o projeto de lei passe da forma certa, ou seja, conseguir que alguns dos aspectos prejudiciais sejam retirados do texto. Se o projeto de lei, infelizmente, passar como está hoje, vamos ter de pensar no que vamos fazer. Eu vou a Brasília falar com os senadores, mas temos muitas pessoas fazendo esse trabalho. Achamos que a discussão aconteceu de forma muito rápida.
Qual a importância do Brasil para o Uber?
O Brasil é um dos cinco maiores mercados para o Uber no mundo, em termos de volume de corridas, número de motoristas e usuários. Queremos continuar investindo no Brasil, mas esse projeto de lei pode prejudicar muito o nosso negócio.
O avanço de legislações mais rígidas é reflexo da entrada agressiva do Uber no Brasil?
Eu não tenho muito tempo de empresa, mas acredito que pode ser o caso. Acredito que, no caso do PLC 28/2017, está mais ligado à pressão de grupos de taxistas e é isso o que tem acelerado a discussão. O Uber está no Brasil, temos escritórios locais, investimos e pagamos impostos. Acredito que temos sido cidadãos respeitosos e queremos continuar a ser no futuro.
Como está a relação do Uber com os governos?
Estamos tentando construir um relacionamento (com os governos). Nosso objetivo é tornar o transporte disponível e barato em todos os lugares e isso é algo que todas as cidades também querem. Temos investido em pessoas para trabalhar com os governos, mas eu quero, pessoalmente, estar em contato com eles. Assim posso ter certeza de que, do ponto de vista estratégico, estaremos alinhados com a trajetória das cidades.
Lembre as recentes polêmicas envolvendo o Uber
Em 2016, Travis Kalanick aceitou um cargo na equipe de conselheiro econômicos de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. A decisão gerou retaliação de usuários contrários ao governo, que criaram a campanha #DeleteUber. Em apenas alguns dias, o app foi desinstalado por 200 mil pessoas, o que fez com que Kalanick renunciasse ao cargo. “Não entrei para o grupo para mostrar apoio ao presidente ou suas ações, mas infelizmente isso foi mal interpretado como sendo exatamente isso”, disse o executivo na época.
No Brasil, a empresa está enfrentando graves problemas de segurança. Motoristas reclamam que há pouca fiscalização de usuários quando o pagamento é efetuado em dinheiro — ao contrário do pagamento em cartão de crédito, não é preciso colocar dados pessoais. Com isso, relatos de assalto e sequestros de motorista e passageiros surge de maneira frequente. O Uber diz que faz uma checagem de segurança e, há pouco tempo, passou a exigir CPF dos usuários que pagam em dinheiro.
O Uber também sofreu um revés em fevereiro deste ano com a Justiça brasileira: a 33.ª Vara de Justiça do Trabalho de Belo Horizonte reconheceu o vínculo empregatício de um motorista brasileiro com o Uber. De acordo com a decisão, o ex-motorista Rodrigo Leonardo Silva Ferreira, de 39 anos, tem direito a receber aviso prévio indenizado, férias proporcionais e valores correspondentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), com multa correspondente a 40% pela demissão.
Ex-funcionária do Uber, Susan Fowler denunciou em seu blog que um gerente na empresa usou um software de bate-papo interno para tentar "fazer com que ela fizesse sexo com ele". Como prova, a ex-funcionária ainda fez imagens da tela com as mensagens mostrando o assédio. Em resposta, Travis Kalanick ordenou nesta uma "investigação urgente" sobre as alegações de assédio.
Depois das alegações de Fowler sobre assédio dentro do Uber, o jornal norte-americano The New York Times publicou informações que aumentam o número de acusações sobre a companhia. Segundo o jornal, funcionários usaram cocaína durante uma viagem da empresa e um deles foi demitido após assediar algumas de suas colegas de trabalho.
A Waymo, unidade de carros autônomos da Alphabet -- holding que controla o Google -- está processando o Uber, alegando roubo de tecnologia própria. Segundo o texto do processo, a tecnologia que teria sido roubada é a de sensores capazes de identificar a posição dos carros no espaço e ajudá-los a se locomover sozinhos. "A tecnologia LiDAR da Uber é, na verdade, a tecnologia LiDAR da Waymo", diz a denúncia. O Uber disse em comunicado que o processo da Waymo é uma tentativa sem fundamento de desacelerar um competidor e que, por isso, eles irão se defender vigorosamente das acusações no tribunal.
Os problemas do Uber em relação à assédio sexual não terminaram com as acusações de Susan Fowler. Ex-chefe de buscas do Google, Amit Singhal foi contratado pelo Uber em janeiro, como uma grande aposta da empresa para aprimorar seu sistema. Pouco de um mês depois, a empresa o demitiu. O motivo? O Google tinha desligado Singhal de seu quadro de funcionários após o executivo ser investigado por um abuso sexual contra uma funcionária. Procurado pela imprensa, ele desmentiu.
Presidente executivo do Uber, Travis Kalanick foi filmado discutindo com um motorista de seu próprio aplicativo. Em cenas gravadas por uma câmera dentro do carro, o executivo troca farpas com o motorista Fawzi Kamel, que reclamou das tarifas cobradas pelo serviço de caronas pagas. Depois de ter as cenas divulgadas na imprensa, Kalanick disse que “precisa crescer” como líder.
De acordo com reportagem do The New York Times, o Uber usou um software para enganar autoridades e escapar de fiscalização em cidades onde está ou esteve ilegal. Para isso, eles coletam ilegalmente dados de usuários do aplicativo para identificar os fiscais e autoridades governamentais, como forma de se prevenir de penas ou sanções. O Uber disse que a plataforma foi usada para evitar “usuários que usam o serviço de maneira inapropriada”.
Em 2016, o órgão público que regula transporte em Londres, no Reino Unido, definiu que condutores de empresas privadas de transporte têm que provar a capacidade de domínio da língua inglesa de seus motoristas. Para tentar reverter a situação, o Uber entrou com uma ação. No entanto, a empresa perdeu o processo e agora precisa comprovar que seus motoristas falam inglês perfeitamente. O Uber disse que tal medida faria com que 33 mil condutores perdessem as suas licenças para operar na capital.
O Uber vem enfrentando problemas de regulação no continente asiático. Em fevereiro, a companhia parou de operar em Taiwan por causa de uma multa milionária implantada pelo governo local por operar ilegalmente no território. Em março, a empresa sofreu outro revés quando um juiz de Hong Kong condenou cinco de seus motoristas por usaram o aplicativo. A punição desmotiva o uso do serviço na região pelo medo que os motoristas têm de ganharem sanções parecidas.
No dia 19 de março, Jeff Jones, presidente do Uber, renunciou ao cargo após seis meses depois de o ter assumido. Dentro da empresa, ocupava a segunda posição mais importante, logo abaixo de Travis Kalanick. Jones alegou que estava deixando a companhia por incompatibilidade de valores. No começo de março, Ed Baker, vice-presidente de produtos e desenvolvimento do Uber, e Charlie Miller, principal investigador de segurança, também deixaram a empresa.
O site norte-americano The Information divulgou que, em 2014, uma equipe do Uber visitou uma casa de prostituição em Seul, capital da Coreia do Sul. De acordo com a publicação, os quatro gestores da companhia escolhiam mulheres da casa, chamando-as por números, para sentar-se com eles. Depois dessa noite, uma funcionária do Uber reportou ao RH da empresa que a viagem a deixou desconfortável.
Na segunda feira, 27, o Uber voltou a colocar seus carros autônomos na rua. Na última sexta-feira, 24, a empresa havia suspendido o projeto após um de seus protótipos capotar ao colidir com outro veículo no estado norte-americano do Arizona. Depois do acidente, uma investigação foi conduzida e a empresa decidiu liberar seus carros para rodarem nas três cidades onde testa o projeto — Tempe, no Arizona, São Francisco e Pittsburgh. Segundo a polícia local, o carro pilotado por humano foi o responsável pelo acidente com o carro autônomo do Uber.
O Uber anunciou em 28 de março que deixará de funcionar na Dinamarca a partir de abril deste ano. Uma nova legislação local obriga que todos os motoristas a utilizem taxímetro, o que inviabiliza o serviço. Desde 2014, a companhia sofre dificuldades no país, que encara o Uber como uma concorrência injusta aos táxis.
Emil Michael, vice-presidente sênior de negócios e segundo na linha de comando do Uber, deixou a empresa após o conselho administrativo afirmar que vai acatar os conselhos registrados no relatório final da investigação de assédio sexual. "Entrei na empresa há quase quatro anos e vivi uma experiência completa ao ajudar o Uber a se tornar a empresa de mais rápido crescimento de todos os tempos", amenizou o executivo. Não ficou claro, porém, se Michael foi demitido ou se ele próprio renunciou ao cargo.
O cofundador e presidente executivo do Uber, Travis Kalanick, anunciou uma licença da empresa por tempo indeterminado no meio de junho. A saída do executivo foi anunciada em um e-mail para os funcionários e faz parte de uma série de recomendações feitas ao conselho após a investigação que começou por denúncias de assédio sexual na empresa. Kalanick disse que deixa a empresa para atravessar o período de luto após a morte de sua mãe em um acidente de barco e que usará a licença para "refletir, trabalhar em si mesmo e construir um time de liderança de classe mundial".
O sr. foi recentemente a Londres, cidade que não renovou a licença do Uber para operar. Há possibilidade de solução?
Estou otimista. Tivemos um diálogo muito construtivo e acho que teremos como resolver as preocupações deles, o que vai permitir que o Uber continue a fazer parte do sistema de transporte de Londres no futuro. Mas ainda há muito trabalho a fazer.
Há potencial para que o Uber seja banido em outras cidades?
Acredito que há certamente potencial para que isso aconteça. Toda vez que uma nova tecnologia disruptiva surge e muda a dinâmica de setores estabelecidos, como a indústria dos táxis, existirá resistência. No passado,fomos um pouquinho agressivos, mas temos de entender que não trata-se apenas do que nós queremos e firmar compromissos que funcione para nós e para os países. É o caso do Brasil: há formas de a regulamentação funcionar tanto para o Uber como para o governo.
Um dos principais problemas do Uber no Brasil é a falta de segurança ao usar apps de transporte. Como resolver isso?
É um grande problema e estamos levando isso muito a sério. Nossas equipes no Brasil e no México, assim como em outros países da América Latina, trouxeram essa questão e, por isso, definimos que segurança será nossa prioridade número um em 2018. Acredito que podemos usar nossas ferramentas de análise de dados e toda a inovação que criamos para transformar o Uber na plataforma de transporte mais segura do mundo. Ainda estamos definindo como vamos fazer isso na prática.
Como está a preparação da empresa para a oferta inicial de ações (IPO)? Há uma data?
Nosso objetivo é fazer a oferta inicial de ações até 2019. Parte disso inclui a contratação de um time de gestão experiente, de um diretor financeiro com experiência em empresas de capital aberto. Além disso, há uma série de ajustes internos. O Uber foi construído até agora para crescer rapidamente, mas temos de colocar em prática controles financeiros e operacionais para abrir capital. Todo esse trabalho já está em andamento e estou confiante que, em 2019, estaremos preparados.
Relembre a guerra entre Uber e motoristas na Justiça do Trabalho
Desde o início de 2017, motoristas e Uber têm travado batalha na Justiça do Trabalho no Brasil – até agora, as decisões têm divergido. No primeiro caso, em fevereiro de 2017, a 37ª Vara da Justiça do Trabalho de Belo Horizonte decidiu que um motorista, não identificado, não tinha direito a vínculo empregatício com a empresa – para o juiz, a existência de obrigações a serem seguidas pelo motorista não caracteriza a subordinação jurídica empregatícia.
Poucos dias depois, também em Belo Horizonte, a 33ª Vara de Justiça do Trabalho de Belo Horizonte deu ganho de causa ao motorista Rodrigo Leonardo da Silva Ferreira, que trabalhou para a empresa entre fevereiro de 2015 e dezembro de 2015. Em entrevista ao Estado, Ferreira contou que não queria questionar o Uber por conta de benefícios como aviso prévio, férias e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas reclamar de sua exclusão do aplicativo. O Uber recorreu da decisão. Lembre o caso.
Em abril de 2017, a 13ª Vara de Justiça do Trabalho de São Paulo reconheceu que o motorista Fernando dos Santos Teodoro deverá receber R$ 80 mil do Uber por vínculo empregatício com o aplicativo e danos morais. Segundo Teodoro, as exigências do Uber e as ameaças sofridas por taxistas no tempo que prestou serviço para a plataforma de transportes "geraram danos extrapatrimoniais à sua pessoa". O Uber recorreu da decisão. Lembre o caso.
Dias depois, ainda em abril deste ano, a Justiça do Distrito Federal venceu uma ação movida pelo motorista William Miranda da Costa. Na decisão, a juíza Tamara Gil Kemp afirma que a empresa e o motorista possuíam relação de parceria, e que não há ligação empregatícia entre o Uber e da Costa. Lembre o caso.
Após perder para o motorista Rodrigo Leonardo da Silva Ferreira na primeira instância, o Uber venceu o motorista em decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG), na segunda instância. Segundo advogados do Uber presentes na audiência, os juízes citaram a possibilidade dos motoristas de se desconectarem do serviço quando preferirem, oferecer suas contas a outros motoristas e a tarifa dividida como evidências de que eles deveriam ser considerados parceiros da empresa e não funcionários. Procurado pelo Estado, Ferreira disse que vai levar o caso ao Tribunal Superior do Trabalho. Lembre o caso.
Na sequência, o Uber obteve duas vitórias: a primeira foi em maio, na 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, contra o motorista Charles Figueiredo. Além de negar o pedido de vínculo empregatício, o juiz condenou Figueiredo por litigância de má-fé – assim, o ex-motorista teve de pagar uma multa de R$ 1 mil, correspondente a cerca de 1% do valor total pedido. Lembre o caso.
Nesta semana, a 86ª Vara do Trabalho de São Paulo negou vínculo empregatício da empresa com o motorista James Cesar de Araujo – é a primeira vez que a empresa tem uma vitória no Estado de São Paulo. De acordo com a sentença do juiz do trabalho Giovane da Silva Gonçalves, “não havia, ao contrário do alegado na inicial, qualquer imposição, ainda que indireta, para que o reclamante trabalhasse em jornadas determinadas pela reclamada, muito menos em desrespeito às possibilidades humanas.” Lembre o caso.