‘Ninguém ganha com o atraso no 5G’, diz novo CEO da Qualcomm

Formado pela Unicamp, Cristiano Amon, novo presidente executivo da fabricante americana de chips, defende a inclusão da nova geração de conectividade para impulsionar desenvolvimento econômico

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Por Guilherme Guerra
Atualização:
A Qualcomm é uma fabricante americana conhecida pelos processadores para celulares e modems para 5G Foto: Mike Blake/Reuters

O 5G já é realidade nos países desenvolvidos. Mas, no Brasil, ainda deve demorar para chegar - a quinta geração de conectividade promete impulsionar a digitalização de diversas indústrias. A demora na implementação dessa tecnologia de infraestrutura pode colocar o País em desvantagem com outras nações ao atrasar o desenvolvimento econômico da nação.

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“Ninguém ganha com o atraso no 5G”, aponta o novo presidente executivo da fabricante americana de semicondutores Qualcomm, o brasileiro Cristiano Amon. Formado em engenharia elétrica na Universidade de Campinas (Unicamp) e há 26 anos na companhia onde é hoje CEO, o paulista assumiu o posto na quinta-feira, 1.º, quando conversou por videochamada com o Estadão.

Amon defende acelerar a implementação do 5G para destravar não só uma velocidade de alta capacidade em smartphones, mas também para permitir carros autônomos, que precisam dessa tecnologia de baixa latência para operar, ou digitalizar a indústria da saúde, permitindo cirurgias à distância por meio de robôs com alta precisão. “Pela primeira vez, essa não é uma tecnologia única e exclusiva do setor de telefonia móvel, porque tem poder de transformação em várias outras indústrias”, afirma.

É nessa expansão de negócio que mira a Qualcomm, companhia americana conhecida por produzir processadores para smartphones de marcas como Samsung, Motorola, Xiaomi e Huawei. A companhia vê no 5G a possibilidade de prover chips não só para esses celulares, mas para computadores, automóveis e óculos inteligentes, por exemplo. 

Ao mesmo tempo em que a empresa alimenta altas expectativas com a nova tecnologia, a Qualcomm e a indústria de semicondutores (responsável por produzir os componentes que dão “vida” não só a celulares, mas a centenas de milhares de tipos de produtos) enfrenta desde o início da pandemia de covid-19 o fenômeno da escassez de chips, dado o aumento da demanda por produtos digitais em todo o mundo. O problema já impactou a produção do setor automotivo, que interrompeu a linha de produção de diversas marcas — e já começa a incomodar os fabricantes de smartphones.

O brasileiro Cristiano Amon é o CEO da americanaQualcomm Foto: Qualcomm

“Se tiver algo positivo dessa crise, é que hoje se entende a importância desses chips para o funcionamento da sociedade”, explica Amon, citando que a Qualcomm reajustou a linha de produção com fornecedores e espera, já em dezembro deste ano, normalizar as entregas para atender à alta demanda pós-pandemia. “Vamos entrar em 2022 resolvendo essa crise de fornecimento e com visão bastante otimista de como fica a indústria.”

Para o brasileiro, porém, apesar da escassez mundial, o País não precisa tentar contribuir entrando na indústria de semicondutores, na qual hoje é apenas um mercado consumidor com grande representatividade. Se assim o desejasse, o Brasil deveria elaborar um plano de longo prazo com vistas em uma cadeia global, além de desembolsar boas quantidades de investimento para ser um competidor com tecnologia de ponta em um mercado altamente eficiente. 

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“Nada impede o Brasil de entrar na cadeia de produção de semicondutores, mas não é um processo simples. Tem uma longa estrada pela frente e existem outros caminhos, mas é importante ter uma política de longo prazo e planejamento global. Não se faz semicondutor no curto prazo”, afirma.

Confira abaixo trechos da entrevista:

Para o sr., o que representa o novo cargo? Muda algo?

Continuo sendo a mesma pessoa. Obviamente, é uma responsabilidade enorme e é um privilégio assumir a posição de CEO justamente no momento do 5G, pelo qual a Qualcomm passará a ser relevante em várias indústrias, além da telefonia móvel. Vamos ter a oportunidade de diversificar a nossa empresa e crescer através dessa expansão de tecnologia que vemos hoje, com a digitalização da economia. Temos feito isso desde que assumi a presidência, em 2018, e uma das missões foi criar várias unidades de negócio, crescendo a divisão do setor automotivo e de internet das coisas. Como CEO, quero levar essa ideia adiante nesse momento em que o 5G se torna o ingrediente essencial para a economia digital. 

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O plano de vocês é diversificar ainda mais. Para quais áreas a Qualcomm considera estratégicas ao longo prazo?

O 5G é uma das coisas mais importantes para nós. A prioridade é fazer essa transição da tecnologia de telefonia móvel para o 5G — e, pela primeira vez, não é uma tecnologia única e exclusiva do setor móvel, mas que tem poder de transformação em várias outras indústrias. Exemplo: o próprio setor automotivo, que está em transformação plena. Ou a indústria de PCs (computadores pessoais) ou os novos dispositivos emergentes de realidades aumentada (RA) e virtual (RV), em que investimos há 10 anos e só hoje começamos a ver essa tecnologia em larga escala. Eventualmente, vamos ver óculos de RA sendo quase que um item necessário para o smartphone. Além disso, existe a transformação industrial que o 5G vai criar no varejo e no sistema de saúde, por exemplo, fazendo com que nós nos tornemos mais relevantes.

Com a pandemia e mais a possibilidade do 5G, estamos prestes a presenciar o ressurgimento do PC, depois de uma década dominada pelo smartphone?

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Com certeza. Estamos vendo uma convergência. A Apple lançou o processador M1, que usa tecnologia ARM e permite rodar aplicativos do iOS em um Mac. E a Microsoft anunciou o Windows 11, que permite rodar apps do Android. O PC se transformou num dispositivo de comunicação em que ter uma boa câmera é essencial, algo que se via apenas no celular. Com o 5G, não se precisa mais armazenar os dados no disco rígido e podem ser trabalhados os documentos na nuvem. Pode utilizar o computador para produtividade, mas pode ser um console de videogame com streaming de games, como o xCloud, da Microsoft. Essa convergência vem ocorrendo, vemos um crescimento e uma mudança tecnológica. Isso pode formar uma nova era.

O 5G é realidade nos outros países, mas ainda não no Brasil. O quanto isso impacta o desenvolvimento do País?

O 5G é uma característica de infraestrutura básica para a economia. Não é diferente de criar a rede de energia elétrica, rodovias, ferrovias e portos. Muitas indústrias vão estar conectadas com a nuvem e vão usar essa tecnologia para transformar seus negócios. É fácil imaginar que, em um país com e outro sem 5G, o processo de transformação digital do país com 5G vai ser mais rápido e, consequentemente, no mercado global, as indústrias ficarão mais competitivas. Ninguém ganha ao ficar atrasado com o 5G.

A escassez de chips deixou de ser uma questão somente da pandemia e agora existem fabricantes e montadoras preocupadas com o cenário de médio prazo. Como a Qualcomm vê esse fenômeno?

Primeiro, se tiver algo positivo dessa crise de fornecimento de semicondutores, é que hoje se entende a importância deles para o funcionamento da sociedade. Em segundo lugar, existe a questão de como sairemos dessa crise. A pandemia aumentou o consumo de banda larga e de processamento digital, crescendo o consumo de semicondutores. Simultaneamente, vemos a recuperação econômica de vários países saindo da pandemia, o que aumenta a demanda. Hoje, falando pela Qualcomm, nos últimos seis meses nós estivemos superativos para conseguir iniciar relacionamento com outros fabricantes de semicondutores. Já em dezembro deste ano, esperamos que haja capacidade de fornecimento de chips igual à demanda. Vamos entrar em 2022 resolvendo essa crise de fornecimento e com visão bastante otimista de como fica a indústria. A escassez criou uma série de ações sobre a importância do segmento. O Senado dos Estados Unidos aprovou o “Chips Act”, que são US$ 52 bilhões de dólares em investimento em projetos e fabricação de semicondutores. Há iniciativas similares dentro da própria Europa e de outros países para aumentar a produção e criar uma cadeia de suprimentos mais diversificada. Isso é uma excelente notícia para a indústria.

O que vocês tiraram de aprendizado dessa crise?

Nos últimos 10 anos, todo o investimento em fabricação de semicondutores foi feito com tecnologias mais avançadas: chips de 16 nanômetros (nm), 10 nm, 8 nm, 7 nm, 5 nm, como o nosso Snapdragon 888, e caminhamos para 4 nanômetros. O investimento foi feito em tecnologias avançadas. E a indústria em geral assumiu que a capacidade de fabricação das tecnologias antigas dos últimos 20 anos teria uma capacidade suficiente para atender à demanda, mas a digitalização aumentou o patamar de consumo. Vimos que não tinha só escassez de semicondutores avançados, mas também daqueles que já estavam em larga escala de produção nos últimos anos. Daí notamos a necessidade de investir em várias tecnologias, não só as de ponta, porque existem semicondutores desde para aparelhos analógicos a até para gerenciar baterias de carros elétricos. De certa forma, foi uma lição para a indústria: não era só importante a tecnologia de ponta, mas também a capacidade de produção robusta em toda a cadeia de tecnologia vigente.

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Assim como os EUA e Europa anunciaram investimentos em semicondutores, o Brasil deveria entrar nessa produção, deixando de ser somente um mercado consumidor?

É uma pergunta complexa. Para ter fabricação de semicondutores, precisa de escala e precisa pensar como um processo em que você atende a necessidade dos mercados doméstico e internacional. Existem poucas nações com essa capacidade. O País precisaria ter vocação de exportação, com uma série de iniciativas não só de capacitação tecnológica, mas de acordos bilaterais entre países. Nada impede o Brasil de entrar na cadeia de produção de semicondutores, mas não é um processo simples. Tem uma longa estrada pela frente e existem outros caminhos. O Brasil pode adicionar valor ao encapsulamento de chips, como fazem Taiwan e China, ou ter vocação de design e software, como faz a Qualcomm. Mas é importante ter uma política de longo prazo. Não se faz semicondutor no curto prazo. Precisa ter uma política no curto prazo e planejamento global.

É política de longo prazo que falta para nós? Como deixamos de ser um mercado consumidor apenas?

Não vejo como um problema o Brasil não ter fabricação de semicondutores. É mais importante ter parceiros internacionais para ter interdependência dos chips, mas não vejo isso como um problema. Não tem nada que impeça o Brasil, se essa for a intenção do País, de ter uma cadeia de semicondutores. Mas não sei se é necessário porque existem outras indústrias em que o Brasil tem posição estratégica. Agora, se achar que esse é um setor importante para a economia do futuro, precisa ser feito um planejamento de muito longo prazo. Estamos falando da ordem de 10 a 20 anos, que é o que foi feito em Taiwan, na Coreia e em outros países interessados.

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