No mundo de Elon Musk, freios são para carros, não para executivos

Força motriz da fabricante de carros elétricos Tesla, empreendedor tem vivido montanha-russa de emoções nas últimas semanas, entre fofocas, investigações e tuítes polêmicos

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Por David Gelles
Atualização:
Elon Musk é presidentee fundador da Tesla, SpaceX e The Boring Company Foto: Sasha Maslov/The New York Times

Elon Musk acordou cedo no último sábado. Ele partiu de Los Angeles, onde dirige a SpaceX, sua empresa privada de foguetes, e voou para o norte em seu jato branco da Gulfstream. Parando no Vale do Silício, ele pegou dois engenheiros da Tesla, sua empresa de carros elétricos. Eles voaram para Reno, Nevada, onde passaram o dia na fábrica de baterias de Tesla, a Gigafactory. Pode ter sido apenas mais um dia de trabalho para Musk – uma excursão em vários estados para acertar pessoalmente uma linha de produção de unidades de acionamento. Mas esta não era uma manhã comum. Foi uma breve noite de sono tirada de uma de suas decisões com maiores consequências: abandonar seu plano de tornar a Tesla privada.

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Foi uma reviravolta abrupta, e encerrou as tumultuadas duas semanas e meia que começaram com um único tuíte e acabaram turvando os mercados, ativando alarmes regulatórios e levantando questões sobre seu julgamento.

Mesmo sob os padrões de Musk – este é um presidente-executivo que acredita que a Tesla está sob ataque de sabotadores, tem uma vida pessoal que se desenrola nos blogs de fofoca e é propenso a explosões violentas no Twitter – tem sido um momento de alta intriga. "A razão pela qual Elon parece atrair drama é que ele é muito transparente, muito aberto, de uma maneira que pode voltar a ser ruim para ele", disse Kimbal Musk, irmão mais novo de Musk e membro do conselho da Tesla: “Ele não consegue ser diferente. É simplesmente o que ele é”.

Musk, um bilionário brilhante, mas imprevisível, é a força que anima a Tesla, responsável por tudo, desde o impulso para a energia renovável até o projeto das saídas de ar em seu mais recente carro elétrico. Seu papel singular lhe confere extraordinária influência sobre o destino da Tesla, seus mais de 40 mil funcionários e seus investidores. Associados, incluindo várias pessoas de dentro da empresa entrevistadas durante a semana passada, o retratam como um workaholic que se concentra nos mínimos detalhes. Seu profundo envolvimento sugere que a empresa não pode viver sem ele.

No entanto, atualmente, nem sempre fica claro que ele sabe o que é melhor para a Tesla. Em uma entrevista este mês com o The New York Times, Musk disse que estava fisicamente exausto e emocionalmente extenuado, fazendo com que alguns questionassem sua aptidão para o trabalho. No escritório, ele está longe de ser o típico principal executivo. Correndo para resolver problemas críticos de produção, ele pode frequentemente ser encontrado na área de produção, trabalhando para consertar robôs. À noite, ele às vezes dorme sob sua mesa.

Durante todo esse tempo, ele vem convivendo com um êxodo de altos funcionários, preparando-se para ser ouvido pela Comissão de Valores Mobiliários e Câmbio (SEC, na sigla em inglês), trabalhando com o Goldman Sachs e o rico fundo soberano da Arábia Saudita para tornar a Tesla privada – até que decidiu não fazer isso. Alguns membros do conselho ficaram consternados com o comportamento de Musk, de acordo com pessoas familiarizadas com o pensamento dos diretores, mas nenhuma busca ativa está em andamento para um substituto – embora tenha havido esforços para encontrar um alto lugar-tenente.

James Anderson, o diretor de gestão de ativos da empresa Baillie Gifford, maior acionista da Tesla depois de Musk, disse que ainda tinha fé no executivo-chefe de 47 anos, chamando-o de “líder visionário”, com inigualáveis conhecimentos técnicos que permanecia “obcecado com detalhes”.No entanto, Anderson disse que ele estava cada vez mais preocupado com Musk, acreditando que sua vida pessoal volátil e a intensa ética de trabalho estavam cobrando dele um elevado preço. “Ele é tão exigente, tão voltado pelo imperativo de fazer algo de bom para o mundo”, disse Anderson. “Você sempre pode ver algo assim acontecendo”. Nós sentimos como se estivéssemos em guerra”.

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O bilionário Elon Musk é conhecido por suas postagens polêmicas em sua página no Twitter Foto: Michal Czerwonka/NYT

Sabotagem. Às 6h30 da manhã de 18 de agosto, três robôs na oficina de pintura da fábrica da Tesla em Fremont, Califórnia, começaram a funcionar mal. O incidente forçou a interrupção da produção no Modelo 3, fundamental para o futuro da empresa. Sabendo da paralisação, Musk foi até a fábrica e trabalhou durante a noite.

O problema foi resolvido, mas a Tesla chegou a uma conclusão preocupante: os robôs haviam sido infectados com um malware em um ato de sabotagem industrial. E embora não pudessem provar isso, e não chegassem a nenhuma alegação específica, os executivos suspeitavam que conheciam o culpado: um funcionário desonesto, trabalhando a pedido de investidores que pretendiam fazer uma venda de títulos a descoberto.

A Tesla está entre as ações mais vendidas, o que significa que os fundos de hedge apostam contra ela e rapidamente notam quando há uma meta de produção perdida ou um déficit de caixa. David Einhorn, o bilionário fundador da Greenlight Capital, está nesse campo. Em uma carta aos investidores no mês passado detalhando seu argumento, Einhorn escreveu: Elon Musk parece errático e desesperado.

Musk acredita que os vendedores de títulos a descoberto espalham informações erradas sobre a empresa, e talvez mesmo muito pior. Em junho, Musk acusou um funcionário da sabotagem que atrasou a produção do Modelo 3 e sugeriu que os vendedores de títulos a descoberto poderiam ser os culpados. Kimbal Musk, refletindo sobre as batalhas com os vendedores a descoberto, disse: “Sentimos que estamos em guerra".

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O momento mais difícil foi quando Musk apresentou cerimonialmente o Modelo 3 no verão passado, ele o classificou como o primeiro veículo elétrico do mercado de massa e previu produção mensal de 20 mil unidades até o final do ano. Mas nos últimos três meses de 2017, apenas 2.425 foram concluídos.

Os atrasos foram resultado do que Musk chamou de "inferno industrial", um inferno que o preocupou durante grande parte do ano passado. “Este foi o momento mais difícil para a Tesla”, disse JB Straubel, diretor técnico da empresa. “Sabíamos que este seria o caso, mas tem sido ainda mais difícil do que qualquer um de nós esperava." Algumas das feridas foram auto infligidas.

Ao preparar as linhas de montagem, Musk se convenceu de que o processo deveria estar quase totalmente automatizado, usando robôs, e não humanos, sempre que possível. Então, a Tesla construiu uma fábrica com centenas de robôs, muitos programados para executar tarefas que os humanos poderiam facilmente fazer. Um robô, que Musk apelidou de “fluffer bot” (robô para colocar fibras), foi projetado para simplesmente colocar um pedaço de fibra de vidro de amortecimento de som no topo da bateria.

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Mas o fluffer bot nunca funcionou. Não conseguia pegar a fibra de vidro ou colocava-a no lugar errado, atrasando frequentemente a produção. Acabou sendo substituído por operários de fábrica.

Musk aceitou a responsabilidade por alguns desses erros. Após o desastre, Musk tuitou: “A automação excessiva na Tesla foi um erro. Para ser preciso, meu erro. Os seres humanos foram subestimados”. À medida que os desafios se acumulavam, Musk entregou-se ao seu trabalho, gastando horas por semana caminhando na área de produção, tentando diagnosticar e consertar vários problemas na linha de montagem.

O micro gerenciamento de Musk cobrou seu preço entre as fileiras de executivos da Tesla, com mais de 30 funcionários de alto escalão tendo partido desde 2016, de acordo com uma lista compilada pela agência de notícias Reuters. Entre os que partiram estão o diretor de engenharia de baterias, o vice-presidente de piloto automático e o diretor de engenharia de manufatura, todas posições cruciais para o futuro da Tesla.

Na manhã de quinta-feira, Musk dirigiu-se a seu conselho em uma reunião convocada às pressas em uma sala de conferências na fábrica de Tesla. Seu saco de dormir ainda estava no chão. Quando ele anunciou que a Tesla continuaria pública, pelo menos um dos diretores comemorou em voz alta.

A estonteante reviravolta de Musk surgiu depois que ele percebeu que, embora a privatização removesse algumas dores de cabeça - como a questão dos vendedores de títulos a descoberto - ela poderia introduzir outras, incluindo envolvimentos com empresas automobilísticas convencionais ou reinos petrolíferos que dificilmente simbolizariam um futuro totalmente elétrico.

Mas a mudança não forneceu uma redefinição completa. Há uma investigação da SEC sobre as circunstâncias de seu tuíte de 7 de agosto, anunciando que ele tinha “fundos garantidos” para tornar a empresa privada, uma afirmação que se mostrou duvidosa. Enquanto ele enfrenta esses desafios diferentes, os fãs e inimigos da Tesla estarão examinando cuidadosamente as palavras de Musk, suas ações e até mesmo seu humor. /

 * Tradução de Claudia Bozzo.

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