PUBLICIDADE

Nos EUA, o TikTok está moldando a política, dizem pesquisadores

Em entrevista ao The New York Times, duas analistas políticas afirmam que rede social ajuda a disseminar mensagens entre os jovens, tanto na esquerda como na direita

Por John Herrman
Atualização:
O TikTok foi uma das redes sociais queamplificou as imagens da brutalidade policial,cenas e comentários dos protestos em todo o mundo Foto: Henry Nicholls/Reuters

Lugar onde milhões de jovens americanos fazem performances e exploram suas identidades em público, o TikTok se tornou um local de destaque para a formação ideológica, o ativismo político e a trollagem. A plataforma tem seus próprios gurus e atraiu o interesse das campanhas, apesar da relutância da empresa em se envolver com política, proibindo anúncios do tipo. É também um espaço onde as pessoas podem ser mobilizadas para agir rapidamente.

PUBLICIDADE

O TikTok foi fundamental na organização de uma campanha em massa de inscrições falsas para um comício do presidente Donald Trump em Tulsa, Oklahoma, onde muitos lugares ficaram vazios. E amplificou as imagens da brutalidade policial, bem como cenas e comentários dos protestos do Black Lives Matter em todo o mundo, com vídeos criados e compartilhados na plataforma que muitas vezes vão além de suas fronteiras. Esses vídeos carregam o distinto e abrangente vernáculo audiovisual do TikTok: em geral, vídeos divertidamente desorientadores, cuidadosamente editados, ágeis e musicais. Muitos chegaram a sugerir – até mesmo o The New York Times – que os adolescentes do TikTok vão salvar o mundo.

Mas a verdade é mais complicada. Uma equipe de pesquisadores vem analisando a expressão política no TikTok desde muito antes de o TikTok se tornar o fenômeno TikTok. Embora os não usuários possam pensar que a plataforma surgiu de repente no cenário político e que tem algo como uma identidade política coletiva, a pesquisa apresenta um quadro bem diferente.

Os pesquisadores descrevem uma comunidade diversa e difusa de milhões de jovens descobrindo os poderes e os limites de uma plataforma que, apesar das muitas semelhanças com as predecessoras, é um lugar único e estranho.

Numa troca de email, Ioana Literat, professora assistente de comunicação e mídia no Teachers College da Universidade de Columbia, e Neta Kligler-Vilenchik, professora assistente de comunicação da Universidade Hebraica de Jerusalém, discutiram a expressão política no TikTok e por que ela parece ser um fenômeno novo.

Esta entrevista foi editada.A ideia de que o TikTok é um mecanismo para jovens políticos progressistas está ganhando espaço entre as pessoas que não usam a plataforma. O que pode surpreender as pessoas de fora em termos de expressão política da juventude na plataforma? Existe alguma coisa parecida com um consenso?

Kligler-Vilenchik: Visões extremas, que variam de distópicas a utópicas, aparecem não apenas na juventude, mas também em qualquer fenômeno de mídia que seja significativo e novo. Desde que Sócrates expressou sua desconfiança de que a palavra escrita viesse a erradicar a sabedoria, acredita-se que toda nova tecnologia seja nossa salvação (a internet vai unir as pessoas do mundo todo numa comunidade global!) ou nossa desgraça (os robôs vão roubar os empregos de todos nós!).

Publicidade

Para mim, essa continuidade é bastante tranquilizadora, porque mostra que nossos medos e esperanças não têm muita relação com as características de uma nova tecnologia específica; ao contrário, os grandes medos e esperanças sociais são projetados em toda e qualquer tecnologia que seja nova e ainda não compreendida. Para a maioria dos comentaristas adultos, o TikTok é um grande desconhecido.

Literat: Em termos de expressão política da juventude, embora exista uma comunidade ativista liberal bastante dinâmica e influente no TikTok, a verdade é que também há muita expressão política conservadora, e as vozes pró-Trump definitivamente encontram uma audiência na plataforma.

É difícil chamar o que vemos na plataforma de consenso. O que descobrimos é que o TikTok possibilita uma expressão política coletiva para os jovens – ou seja, permite que eles se conectem deliberadamente com um público de ideias semelhantes usando recursos simbólicos compartilhados.

Kligler-Vilenchik: Os recursos simbólicos compartilhados podem ser físicos (bonés do Make America Great Again, de apoiadores de Trump), visuais (o punho fechado para o movimento Black Lives Matter) ou hashtags (#alllivesmatter, usada por pessoas contrárias ao Black Lives Matter). Elementos específicos do TikTok, como danças viralizadas, trilhas sonoras populares, etc., também são recursos simbólicos compartilhados que ajudam a facilitar conexões e colocar em primeiro plano os aspectos coletivos da expressão política da juventude.

PUBLICIDADE

Existem novas maneiras pelas quais o conflito político se desenrola no TikTok? A plataforma não parece ser especialmente propícia aos tipos de conflito com os quais estamos familiarizados em algumas redes mais antigas.

Literat: Há relativamente pouco discurso político transversal (ou seja, através das linhas partidárias, com outras pessoas politicamente heterogêneas). E, quando isso acontece, não é muito produtivo. Ainda é uma discussão muito polarizada entre nós e eles.

Algo bastante especial em termos de expressão e diálogo ou conflito político é que tudo é filtrado pelas identidades e experiências pessoais dos jovens. O diálogo político na plataforma é muito pessoal, e os jovens costumam declarar diversas identidades sociais – por exemplo, negras, mexicanas, LGBTQ, caipira, patriota – em relação direta com suas opiniões políticas.

Publicidade

Com isso não quero não dizer que a conversa política em outras plataformas de mídia social não seja pessoal, mas, depois de fazer análises comparativas, ficamos realmente impressionadas com a maneira como as identidades juvenis de frente e de centro se colocam no TikTok.

Kligler-Vilenchik: Se voltarmos à ideia de expressão política coletiva como a capacidade de falar para um público com ideias semelhantes por meio de recursos simbólicos compartilhados, vemos que isso possibilita pelo menos o potencial para uma conversa entre diferentes visões políticas.

Alguns usuários podem optar por marcar seu vídeo com #bluelivesmatter e falar com um determinado público. Mas também podem optar por marcar seu vídeo com #blacklivesmatter, e assim alcançar um público-alvo diferente, com uma visão diferente. Muitas vezes, essa marcação é feita de maneira irônica, como uma paródia das visões políticas das outras pessoas (por exemplo, um vídeo com a tag #whitelivesmatter que explica a ideia de privilégio branco), mas também pode ser uma maneira de estimular a conversa entre os lados.

Por fim, vocês notaram alguma coisa surpreendente na expressão da juventude no TikTok a respeito de BLM, racismo e policiamento nas últimas semanas?

Literat: No TikTok, os aspectos coletivos da expressão política da juventude – que se materializam, por exemplo, em músicas muito usadas, como ‘This Is America’, de Childish Gambino – são muito salientes no contexto da expressão relacionada ao BLM.

Assim como as hashtags, essas músicas funcionam como linhas de conexão entre os vídeos. Ao mesmo tempo, existe uma variedade muito grande em termos de estilo e ethos de expressão: da raiva ao humor besteirol, do confessional às músicas originais, das cenas de protestos até os memes, entrevistas ou histórias orais.

Kligler-Vilenchik: Olhando de fora para o que está acontecendo nos Estados Unidos agora (estou em Israel), fico impressionada com a forma como essas mesmas hashtags também são usadas por pessoas de outros países para apoiar o movimento Black Lives Matter e também conectá-lo a casos locais de racismo e protestos contra o governo.

Publicidade

Em Israel, protestos solidários ao BLM se juntaram aos protestos de israelenses de origem etíope que sofrem de discriminação racial e brutalidade policial. Isso mostra como o TikTok permite que os jovens conectem uma mensagem política personalizada a um momento político mais amplo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.