Nunca tantos países agiram para controlar as gigantes da tecnologia

Os governos estão agindo simultaneamente para limitar o poder das empresas de tecnologia com uma urgência e amplitude que nenhuma indústria jamais enfrentou

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Por Paul Mozur , Cecilia Kang , Adam Satariano e David McCabe
Atualização:
Empresa de Mark Zuckerberg enfrentou casos de violação de privacidade nos últimos anos; na foto, bonecos em protesto contra a rede social em Washington, em 2018 Foto: Leah Millis/Reuters

A China multou a gigante da internet Alibaba com uma multa recorde de US$ 2,8 bilhões neste mês por práticas anticompetitivas. O país também ordenou uma reestruturação geral do braço financeiro do grupo e alertou outras empresas de tecnologia a obedecer às regras de Pequim.

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Agora, a Comissão Europeia planeja estabelecer regulamentações de longo alcance para limitar as tecnologias alimentadas por inteligência artificial. E, nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden incumbiu seu governo de missões antitruste que miram a Amazon, o Facebook e o Google.

Em todo o mundo, os governos estão agindo simultaneamente para limitar o poder das empresas de tecnologia com uma urgência e amplitude que nenhuma indústria jamais enfrentou. Suas motivações variam. Nos Estados Unidos e na Europa existe a preocupação de que as empresas de tecnologia estejam sufocando a concorrência, espalhando desinformação e minando a privacidade; na Rússia e em outros lugares, a intenção é silenciar movimentos de protesto e aumentar o controle político; na China, é um pouco das duas coisas.

As nações e as empresas de tecnologia disputam a primazia há anos, mas os últimos movimentos levaram a indústria a um ponto de inflexão que pode remodelar o funcionamento da internet global e alterar os fluxos de dados digitais.

A Austrália aprovou uma lei para forçar o Google e o Facebook a pagar a imprensa pelas notícias. A Grã-Bretanha está criando seu próprio órgão regulador de tecnologia para policiar o setor. A Índia abarcou novos poderes sobre as mídias sociais. A Rússia restringiu o tráfego do Twitter. E Mianmar e Camboja estão impondo vastas restrições à internet.

A China, que até então deixava suas empresas de tecnologia livres para competir e se consolidar, apertou as restrições ao financiamento digital e aprimorou uma lei antimonopólio no final do ano passado. Este ano, o país começou a obrigar empresas de internet como Alibaba, Tencent e ByteDance a prometer publicamente que seguiriam suas regras contra monopólios.

“Esse tipo de batalha global é algo sem precedentes”, disse Daniel Crane, professor de direito da Universidade de Michigan e especialista em antitruste. A ação americana contra empresas de aço, petróleo e ferrovias no século 19 foi mais restrita, disse ele, assim como a resposta regulatória à crise financeira de 2008.

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Agora, Crane disse, “a mesma pergunta fundamental ecoa em todo o planeta: estamos confortáveis com o fato de empresas como o Google terem tanto poder?”.

Subjacente a todas essas disputas está um fio comum: o poder. As dez maiores empresas de tecnologia, que se tornaram gatekeepers em comércio, finanças, entretenimento e comunicações, agora têm uma capitalização de mercado conjunta de mais de US$ 10 trilhões. Em termos de produto interno bruto, o número as classificaria como a terceira maior economia do mundo.

No entanto, embora os governos concordem que a influência da tecnologia cresceu demais, houve pouca coordenação nas soluções. Políticas concorrentes levaram a atritos geopolíticos. No mês passado, o governo Biden disse que poderia impor tarifas aos países que cobrassem novos impostos às empresas de tecnologia americanas.

O resultado é que a internet como originalmente concebida - um espaço digital sem fronteiras, onde ideias de todos os tipos se confrontam livremente - talvez não sobreviva, disseram os pesquisadores. Mesmo em regiões do mundo que não censuram seus espaços digitais, disseram eles, uma colcha de retalhos de regras daria às pessoas acesso diferente a conteúdo, proteção de privacidade e liberdade online, dependendo de onde elas se conectassem.

“A ideia de uma internet aberta e interoperável está sendo exposta como algo incrivelmente frágil”, disse Quinn McKew, diretor executivo do Article 19, um grupo de defesa dos direitos digitais.

As empresas de tecnologia estão reagindo. A Amazon e o Facebook criaram suas próprias entidades para julgar conflitos e policiar seus sites. Nos Estados Unidos e na União Europeia, as empresas vêm gastando muito com lobby.

Algumas delas, reconhecendo seu poder, indicam apoio a mais regulamentações, ao mesmo tempo em que alertam sobre as consequências de uma internet fragmentada.

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“As decisões que os legisladores vierem a tomar nos próximos meses e anos terão um impacto profundo na internet, nas alianças internacionais e na economia global”, disse Nick Clegg, vice-presidente de políticas e comunicações do Facebook.

Clegg, também ex-vice-primeiro-ministro britânico, acrescentou que o Facebook espera que “as tecno-democracias nos Estados Unidos, Europa, Índia e em outros lugares trabalhem juntas para preservar e aprimorar os valores democráticos no coração da internet aberta e impedi-la de ir se fragmentando ainda mais”.

Kent Walker, vice-presidente sênior de assuntos globais do Google, também pediu que as nações se coordenassem.

“Regulamentações balcanizadas e inconsistentes não ajudarão e, na verdade, podem piorar as coisas”, disse ele. “Mas regras bem alinhadas, feitas da maneira certa, podem promover a inovação, aumentar a competitividade e ajudar os consumidores e as pequenas empresas”.

A Amazon disse que concorda com o escrutínio, mas que “a ideia de que o sucesso só pode ser resultado de um comportamento anticompetitivo está simplesmente errada”.

Apple, Alibaba, sua empresa financeira Ant Group e a gigante chinesa de jogos e mídia social Tencent, dona do aplicativo WeChat, não quiseram comentar.

Embora a reação às empresas de tecnologia tenha ganhado impulso nos últimos anos, ela explodiu em dezembro, quando reguladores e legisladores de todo o mundo fizeram uma série de anúncios sobre duas vias principais de ataque à indústria: antitruste e moderação de conteúdo.

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Em 9 de dezembro, nos Estados Unidos, a Comissão Federal de Comércio e quase todos os estados entraram com ações judiciais bipartidárias acusando o Facebook de agir de forma anticompetitiva. Menos de uma semana depois, os legisladores europeus introduziram uma lei de concorrência e novos requisitos para bloquear discursos de ódio online. Em 24 de dezembro, os reguladores chineses abriram uma investigação antitruste sobre o Alibaba depois de impedir uma oferta pública inicial da Ant.

A pressão antitruste ficou ainda mais acirrada nos Estados Unidos com ações movidas contra o Google e o Facebook no ano passado. Parlamentares republicanos e democratas disseram que estão elaborando novos regulamentos antitruste, de privacidade e de discurso mirando Facebook, Google, Apple e Amazon. Eles também propuseram revisar uma lei que protege sites como o YouTube, de propriedade do Google, de ações judiciais por conteúdo postado por seus usuários.

“Estamos vivendo um momento de monopólio. Não apenas nos Estados Unidos, mas no mundo inteiro”, disse em comunicado David Cicilline, deputado democrata por Rhode Island e presidente do subcomitê antitruste da Câmara. “Os países precisam trabalhar juntos para enfrentar o poder monopolista das maiores plataformas de tecnologia e restaurar a concorrência e a inovação na economia digital”.

Biden também escolheu críticos da tecnologia para funções administrativas importantes. Tim Wu, professor de direito que apoia o desmembramento do Facebook, ingressou na Casa Branca neste ano, enquanto Lina Khan, professora de direito que tem sido influente nas ações antitruste de tecnologia, foi indicada para uma cadeira na Comissão Federal de Comércio.

Em Bruxelas, funcionários da União Europeia estão trabalhando em novas leis para forçar Facebook, Twitter e YouTube a remover rapidamente material tóxico e divulgar mais informações sobre o que eles permitem em seus sites. Uma proposta de lei antitruste também pode diminuir o limite para intervenção contra plataformas.

Autoridades europeias também estão mirando tecnologias emergentes antes que estas se tornem mais disseminadas. O projeto de regulamento, a ser lançado na quarta-feira, abordará os riscos da inteligência artificial, potencialmente restringindo a maneira como as empresas usam esse tipo de software para tomar decisões e influenciar o comportamento das pessoas.

“À medida que o poder das plataformas digitais cresce, fica cada vez mais claro que precisamos fazer mais para mantê-las sob controle”, disse em um discurso recente Margrethe Vestager, vice-presidente executiva da Comissão Europeia que supervisiona a política digital.

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Algumas empresas de tecnologia emitiram ameaças legais e ultimatos contra as novas regras. Mas também cederam às demandas do governo em vários países./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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