O brasileiro que caçava unicórnios

Após sucessos e fracassos como empreendedor, Veras viu sua 99, vendida aos chineses da Didi, chegar ao valor de US$ 1 bilhão

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Por Claudia Tozzeto , Bruno Capelas e Mariana Lima
Atualização:
Para Veras, venda da 99 foi como ver um filho crescido partindo Foto: Werther Santana/Estadão

O paulistano Paulo Veras, de 45 anos, tem vivido uma mistura de sentimentos nos últimos dias, desde que acertou com a gigante chinesa Didi Chuxing a venda do controle do aplicativo de transporte 99, que ele ajudou a criar em 2012, por US$ 600 milhões. Se por um lado Veras conseguiu um feito inédito, ao levar a primeira startup brasileira a chegar a US$ 1 bilhão em valor de mercado, por outro foi como ver um filho crescido partindo. “A princípio eu não queria sair do negócio”, diz o cofundador da startup, com certo pesar, em entrevista ao Estado. “Mas a 99 precisa de muito capital para crescer e toda vez é muito difícil conseguir. A aquisição eliminou esse risco.”

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O medo de a startup ficar sem dinheiro sempre rondou Veras. No concorrido mercado de aplicativos de transporte, ganha a disputa quem tiver mais dinheiro para subsidiar corridas. Em julho de 2016, ele viveu seu momento mais tenso à frente da empresa: havia um ano que a 99 não recebia um novo aporte e a empresa dava prejuízo. Um dia, ele abriu o jogo numa reunião com todos os funcionários e disse que fecharia as portas em três meses, caso a startup não desse lucro. “Eu disse que a gente não podia morrer na praia, que tínhamos de virar o jogo”, afirma. Um mês de intenso trabalho depois, o primeiro mês da companhia no azul chegou. “Ficamos com a sensação de que poderíamos fazer qualquer coisa.”

Essa capacidade de mover as pessoas em torno de um objetivo comum é uma das marcas de Veras, segundo pessoas próximas ao executivo. “Ao mesmo tempo em que ele é obcecado como empreendedor, ele se preocupa em desenvolver as pessoas que estão ao redor”, afirma Mate Pencz, cofundador e presidente executivo da gráfica online Printi. “É alguém que acolhe e motiva.”

A empreendedora Karen Kanaan, que trabalhou diretamente com Veras quando ele foi diretor-geral da organização de apoio a empreendedores Endeavor (veja a trajetória do executivo ao lado), relembra seus métodos de gestão. “O Veras dava apoio e segurança para que a equipe marcasse os gols”, diz.

Ferro e fogo. Com a venda da 99, Veras saiu com os bolsos cheios, assim como os outros cofundadores – Ariel Lambrecht e Renato Freitas – e os fundos que apostaram na startup logo no início. Porém, engana-se quem pensa que a trajetória de Veras é feita apenas de êxitos.

Em 1996, pouco depois de deixar a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde se formou em Mecatrônica, ele se juntou a outros amigos “nerds” para criar uma empresa de desenvolvimento de sites, a Tesla. O problema é que a maioria das pessoas no Brasil nem tinha acesso a internet. “Eu tinha certeza que a internet ia revolucionar o mundo”, diz ele. “Mas a gente não sabia nem como prestar o serviço, não conseguíamos clientes.”

Depois de uma temporada na Endeavor, ele criou o site de compras coletivas Imperdível, contemporâneo de Peixe Urbano e Groupon. Assim como os rivais, o Imperdível decolou, mas entrou em declínio pouco tempo depois. “A história do Imperdível é diferente da 99”, conta Guimarães, cofundador do site com Veras e que hoje lidera a startup de planejamento financeiro Fiduc. “O mercado quebrou e fomos arrastados para a mesma vala.”

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Para Veras, o fracasso foi fundamental para sua carreira. “Isso completou minha formação de empreendedor”. Mas também o fez ficar ressabiado com as novas “modinhas” da internet. E esse receio quase o fez perder a oportunidade de sua vida. “Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça”, diz Veras, rindo.

Quando Lambrecht e Freitas lhe mostraram o primeiro protótipo do aplicativo da 99, ainda em 2012, ele disse de cara que não queria participar do projeto. “Eu só conseguia pensar que ia ser a ‘nova compra coletiva’ e que o mercado seria inundado por concorrentes”, conta. Por fim, decidiu mergulhar de cabeça no projeto e não parou mais.

Só parou de pensar no negócio na última quarta-feira, 3, quando celebrou de shorts e camiseta a venda do aplicativo que ajudou a criar. Em meio a boias infláveis em formato de unicórnios – em referência ao apelido dado às startups que valem US$ 1 bilhão –, ele se despediu daquela que foi sua casa pelos últimos seis anos. Por ora, ele diz não querer começar outra empresa do zero. Seu novo projeto, a partir de agora, é tirar um bom tempo de férias.

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