‘O mundo real é mais complicado que o virtual', diz vice-presidente de mapas do Google

Primeiro brasileiro a trabalhar no Google fala sobre desafio de voltar a inovar em serviços de mapas online

PUBLICIDADE

Por Claudia Tozzeto
Atualização:
Luiz Barroso, um dos principais engenheiros do Google em todo o mundo e primeiro brasileiro a ser contratado pela empresa, em 2001 Foto: Foto: Rafael Arbex / ESTADAO

Se quiser encontrar Luiz Barroso num final de semana pela manhã, não tente achá-lo na sede do Google, em Mountain View, nos Estados Unidos, onde ele trabalha há 16 anos. É mais provável que o brasileiro tenha acordado bem cedo e esteja em silêncio em algum lugar no quintal de sua casa, observando os pássaros. Fotografar aves e outros animais virou sua grande paixão nos últimos anos. “Muita gente prefere o mundo virtual hoje”, contou Barroso, em entrevista exclusiva ao Estado no escritório do Google, em São Paulo, durante uma rápida visita ao Brasil. “Eu gosto do mundo de verdade.”

PUBLICIDADE

Foi a vontade de explorar o mundo que levou Barroso a se mudar para os Estados Unidos há mais de 20 anos, uma decisão que, em 2001, o levou a se tornar engenheiro de software do Google. Ele foi o primeiro brasileiro contratado pelo gigante das buscas. Nos últimos dois anos, depois de alçar uma das principais posições técnicas na empresa, Barroso assumiu um novo desafio: liderar os esforços da empresa norte-americana em mapas, tomando a frente da equipe de mais de 800 pessoas que cuida da busca local e das plataformas Google Maps e Earth. O período, diz ele, tem sido de intenso aprendizado. “O mundo real é mais complicado que o virtual”, afirma Barroso. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o sr. chegou ao Google? Eu fiz doutorado em uma universidade nos EUA e acabei ficando lá para trabalhar na Digital Equipment (DEC), uma empresa que foi comprada pela Compaq e depois pela HP. Eu projetava microprocessadores. Em 2001, dois colegas tinham ido para o Google. Eles ficavam dizendo que eu tinha de ir também, mas eu me perguntava o que ia fazer numa empresa de software. Eu estava longe de ser um engenheiro de software.

Qual era sua visão sobre o Google naquela época? Em 2001, o Eric Schmidt (ex-presidente executivo do Google) me dizia que o Google iria se sair muito bem, que a empresa faturaria muito dinheiro. Eu não acreditava em nada disso (risos). O Google era o quinto buscador, não havia um modelo de negócio viável ainda. Eu achava que ia trabalhar uns dois anos na empresa e ela poderia falir. Já estou lá há quase 16 anos, os dois últimos liderando a área de geolocalização.

Os mapas estão acessíveis na internet há muito tempo e parecem consolidados, maduros. Como inovar nesse cenário? Quando estava pensando em assumir essa área, eu enxergava o Maps como um produto de sucesso, finalizado. Mas, conversando com a equipe, percebi que ela estava insatisfeita com a qualidade dos mapas. Essa equipe fez coisas fantásticas no passado, como o Street View, mas ainda achava que os mapas eram uma sombra do que podem ser. Foi contagiante.

Como os mapas do Google vão mudar nos próximos anos? Queremos que os mapas sejam cada vez mais personalizados, ou seja, que haja mais informações que interessam ao usuário. Além disso, devem refletir em tempo real o que está acontecendo em volta deles.

Estamos muito longe disso? Quando eu cheguei ao Google, os resultados de busca refletiam a informação disponível na internet há três meses. Esse era o tempo que o algoritmo demorava para coletar as informações e indexá-las. Era um processo muito lento. Nosso sonho era que, quando um site fosse atualizado, ele seria indexado pela busca em segundos. Ao longo dos anos, aprendemos a detectar mudanças e não precisar coletar um monte de dados novamente. Hoje, estamos mais ou menos naquele primeiro estágio em mapas.

Publicidade

Em mapas, o desafio é maior? Entender o mundo real é muito mais complicado do que entender o mundo virtual. Não dá para simplesmente escrever um pedaço de código para varrer o mundo inteiro coletando informações, como fazemos na internet. Já temos carros andando por todo lugar, mas são carros reais, que precisam de motoristas dirigindo, parando em semáforos. Isso faz o desafio de atualização muito mais complicado. Mas, aos poucos, estamos começando a conseguir fazer atualizações mais rápido.

O Google Earth foi totalmente redesenhado recentemente. Por que isso foi necessário? Ao longo dos últimos anos, o Google levou muitas das imagens do Earth para o Maps. Hoje, o Maps é polivalente: é possível se informar sobre o horário de abertura de um parque, pegar rotas para dirigir. Isso fez o Earth receber pouco investimento e as pessoas não tinham estímulo para usar. Pensamos que havia valor em revitalizar o Earth para mostrar histórias do nosso planeta.

O objetivo é fazer com que as pessoas não naveguem só pelos mapas da plataforma? Percebemos o quão mágica era a ideia de usar a riqueza de detalhes das nossas imagens no Earth como uma tela, na qual é possível pintar e desenhar histórias sobre o mundo. Era o ingrediente que faltava. O Earth não é mais o lugar onde as pessoas vão só para olhar sua casa pelas imagens de satélite, mas agora é possível sentar e assistir algo que já está pronto e que foi criado por grandes “contadores de histórias”. Virou uma plataforma para as pessoas criarem seus próprios conteúdos em mapas.

Qual foi o principal desafio de redesenhar o Earth? Há dois anos, muita gente no Google achava que seria tecnicamente impossível oferecer o Earth por meio do navegador de internet ou no celular. É uma aplicação que demanda muito poder de processamento. Uma parte da equipe, porém, descobriu uma forma de usar uma linguagem de programação de alto desempenho na parte principal do Earth, para permitir que ele “rodasse” no navegador. Deu certo. Agora, as pessoas podem compartilhar links para acessar conteúdos no Earth, algo que antes era impossível de fazer, pois era preciso instalar um programa. Isso vai fazer o novo Earth se tornar muito mais popular do que a versão antiga.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.