‘O novo plano do Facebook sobre privacidade é desonesto’, diz escritor

Autor do único livro sobre a rede social que contou com colaboração de Mark Zuckerberg, David Kirkpatrick acredita que guinada para mensagens criptografadas é tática de autodefesa do Facebook

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Foto do author Bruno Romani
Por Bruno Romani
Atualização:
Cartazes com a foto de Mark Zuckerberg e a instrução "consertem o Fakebook" fizeram parte de protestos contra rede social, na época dos depoimentos de Zuckerberg ao Congresso americano Foto: Reuters/Aaron P. Bernstein

David Kirkpatrick conhece de perto Mark Zuckerberg. Ex-editor de tecnologia da revista Fortune, o jornalista de 65 anos é autor do único livro sobre o Facebook que teve a colaboração do próprio fundador da rede social. 

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Lançado em 2010, O Efeito Facebook (Ed. Intrínseca, R$ 39,90) entrou para a lista dos mais vendidos do New York Times e abriu as portas dos bastidores dos primeiros anos da empresa. Ao falar com o Estado na última semana, Kirkpatrick avaliou o momento da empresa desde o caso Cambridge Analytica e os planos de Zuckerberg para o futuro. 

Como você analisa o último ano do Facebook? Foi um ano infernal. Foi um no qual eles não pareciam ser capazes de fazer nada certo, embora eles certamente tenham feito algum barulho sobre supostas mudanças. Mas eles mudaram mesmo? Eu não vi mudança genuína. Eles fizeram um trabalho ruim para responder verdadeiramente ao grau de preocupação que o mundo tem sobre eles. Fico chocado que eles não tenham mais autoconsciência. Eles continuam se mostrando desconectados da realidade. Não apenas eles arruinaram a própria reputação – fizeram com que as pessoas, especialmente em países desenvolvidos, passassem a desconfiar dos serviços –, como também arruinaram a reputação da indústria da tecnologia de forma mais ampla. Nos EUA, há um humor diferente quando se olha para as empresas de tecnologia. As coisas podem dar errado, mas nada em tecnologia deu tão errado quanto o Facebook.  

Como você vê o Facebook antes e depois do caso Cambridge Analytica? Até recentemente, o Facebook se considerava uma organização de serviço social altamente lucrativa.Eles acreditam que estão fazendo um grande favor ao mundo, e isso confunde as coisas de uma maneira muito ruim. A imagem interna que o Facebook tem de si mesmo é a de que devemos ser agradecidos por ele tornar o mundo muito melhor. É peculiar que eles não tenham mais autoconsciência. Acredito que eles façam coisas boas pelo mundo. Mas a verdade é que antes da Cambridge Analytica a única coisa para qual ligavam era ganhar mais dinheiro que qualquer outra empresa na história. Para cada dólar de receita, eles eram mais lucrativos que qualquer outra empresa. Eles se embebedaram nas estatísticas, e essa é a atitude que eles tiveram até muito recentemente.

David Kirkpatrick, jornalista e autor do livroO Efeito Facebook Foto: David Kirkpatrick

O plano anunciado por Zuckerberg na semana passada que fala de privacidade está de alguma maneira conectado ao escândalo da CA? O anúncio do Facebook é supostamente sobre privacidade, mas é um tipo diferente de privacidade. A privacidade que preocupa as pessoas no caso do Facebook é que seus dados não serão protegidos pelo Facebook, que a personalização de anúncios será feita sem consentimento, que o Facebook coletará informações sobre elas fora do Facebook de formas que elas não entendem ou não concordaram, e que os resultados serão um sistema manipulável. O que Zuckerberg anunciou não tem nada a ver com isso. Em vez de falar das falhas de privacidade pelas quais foi criticado, ele tentou totalmente mudar de assunto para um outro conjunto de questões. É difícil não ver uma intenção de confundir a todos, e aliviar a pressão sobre ele, sem genuinamente atacar os problemas. No final, acredito que o que ele apresentou é fundamentalmente desonesto. Não é que ele não tenha a intenção de fazer o que ele disse que vai fazer. Mas é desonesto fingir que essa é a resposta para os problemas de privacidade do Facebook.

É possível que ele esteja usando a crise de privacidade para explorar outras oportunidades de negócio? Mark Zuckerberg está sempre procurando por oportunidades de negócio para o Facebook. Isso não é novo. Ele está explorando essa crise para criar novas oportunidades sem responder às críticas legítimas. Por enxergarem-secomo mal compreendidos e virtuosos, eles acreditam que qualquer novo negócio que podem encontrar é bom também para o mundo.É quase um jeito delirante de ver o mundo. O anúncio não é irrelevante, não é inapropriado, mas o timing é ruim. Ele deveria ter feito algo mais honesto em relação aos problemas que já existem. 

Há uma tendência de falar em regulação das empresas de tecnologia. Isso está afetando a maneira como Facebook enxerga e planeja as coisas? Está afetando bastante. Uma das maneiras de olhar para um sistema criptografado é que ele é muito mais difícil de regular. Governos não conseguem realmente olhar para o que acontece dentro de um sistema criptografado porque não há visibilidade. Acredito que eles sabem que a regulação está vindo, e que ela será muito severa. Provavelmente, é uma das razões pelas quais o Zuckerberg queira mudar para uma arquitetura criptografada. Não porque seja mais privado para o usuário, mas porque é mais privado para o Facebook.

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