Análise: Por que o 'novo Uber' não tem espaço para Travis Kalanick

Cofundador e presidente executivo do aplicativo de carona paga teve de sair por perfil incompatível com visão de futuro dos investidores para a empresa

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Por Claudia Tozzeto
Atualização:
Escritório do Uber em São Franscisco, na Califórnia: em nova fase, empresa precisa de um novo líder Foto: Ryan Young/The New York Times

Quando a notícia sobre a renúncia de Travis Kalanick ganhou as manchetes em todo o mundo durante a madrugada desta quarta-feira, 22, a reação de quem acompanhavam o caso não foi exatamente de surpresa. Isso porque, quando Kalanick anunciou sua licença por tempo indeterminado na semana passada, ao mesmo tempo em que o conselho anunciava mudanças drásticas na empresa, a saída definitiva do executivo era apenas uma questão de tempo. Àquela altura, o mais provável era que ele deixasse a empresa após alguns meses, depois da contratação de um diretor de operações e de uma mudança cultural. Os grandes investidores do Uber, porém, não quiseram esperar.

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Na semana passada, em uma reunião sem a presença de Kalanick, dois membros do conselho do Uber pintaram para os funcionários uma realidade totalmente diferente para o futuro da companhia. Com o fim da investigação e adoção das recomendações, o "novo Uber" deve se tornar -- ao longo dos próximos meses ou anos -- uma empresa muito diferente daquela liderada por Kalanick: mais pacífica, com maior diversidade entre os funcionários, controles mais rigorosos de conduta e mais respeitosa para com aqueles que fizeram o Uber se tornar um grande império: passageiros e motoristas.

"Esse é o começo de uma jornada para nos tornar uma empresa que sempre coloca os funcionários, os motoristas parceiros e nossos passageiros em primeiro lugar", disse Arianna Huffington, que integra o conselho do Uber, na ocasião. "Uma empresa que honra os talentos, dedicação e ambição dos funcionários para fazer o mundo se tornar um lugar melhor."

A maior parte desses valores não faz parte dos adjetivos pelos quais Kalanick se tornou conhecido. Ambicioso, o executivo transformou a empresa em uma das mais valiosas empresas de tecnologia do mundo, com valor de mercado estimado em mais de US$ 50 bilhões. Contudo, ele alcançou tal feito ao passar, como um trator, por cima de governos em todo o mundo. Basta lembrar que, em várias localidades, o Uber operou de maneira ilegal durante um bom tempo. O resultado também foi alcançado em meio à omissão dos executivos sobre o que se passava dentro da empresa: o estopim da crise na empresa se deu quando uma ex-funcionária, Susan Fowler, divulgou em seu blog pessoal que havia sido assediada sexualmente dentro da empresa e, apesar dos apelos, nada havia sido feito.

Com a saída de Kalanick, é mais crível para o mercado que o Uber possa passar, verdadeiramente, por uma transformação. Isso porque o executivo, ao deixar de vez o cargo de principal líder da empresa, terá sua influência reduzida sobre as decisões sobre o futuro da empresa. Até então, não estava claro de que maneira o executivo poderia atuar nos bastidores, influenciando os principais executivos do Uber a operar "à sua maneira", mesmo afastado.

"O Uber não poderia fazer o mercado acreditar que a empresa estava comprometida com as mudanças que tem de fazer, se eles estivessem esperando o retorno de Kalanick como presidente executivo", disse o especialista em tecnologia e empreendedorismo da Escola de Negócios Ross, da Universidade de Michigan, à agência de notícias Reuters.

Ainda não está clara, porém, qual a influência que Kalanick poderá ter no futuro da empresa, uma vez que ainda continuará a fazer parte do conselho da empresa e se mantém como um dos principais acionistas.

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Novo líder. Com um novo horizonte pela frente, o Uber agora acelera a busca por um novo líder que possa ajudar a empresa a percorrer o caminho para chegar lá. Não será tarefa fácil: embora ele tenha se tornado uma das maiores e mais promissoras empresas de tecnologia do mundo, o desafio é enorme e quem assumir a empresa nesse momento terá sérias dificuldades para convencer funcionários, investidores e o mercado de que o novo Uber será uma empresa melhor ao final do processo, ao mesmo tempo em que mantém ou impulsiona o crescimento da empresa nos próximos anos.

O risco é alto de mudar o comandante desse navio no meio de uma tempestade como essa. Grandes talentos da empresa podem não encontrar seu lugar na nova cultura da empresa e o êxodo pode se intensificar nos níveis mais baixos a estrutura da empresa -- basta ver, nos últimos meses, a quantidade de executivos da empresa que abandonou o barco em um dos momentos mais cruciais da história do Uber.

Apesar de tantas incertezas sobre o futuro, é certo que Kalanick não tinha mais lugar na nova fase do Uber e o maior risco que o Uber corre hoje é o de não mudar.

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