Processo dos EUA contra o Google é histórico, mas consequências ainda são imprevisíveis

Departamento de Justiça acusa gigante de abusar de sua dominância no mercado de buscas, no que pode ser o início de série de disputas legais contra o Vale do Silício; para especialistas, caso é representativo mas mudanças podem não ser tão grandes para o setor

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Por Bruno Capelas e Giovanna Wolf
Atualização:
Empresa afirma que tem preferência dos consumidores e que não exclui concorrentes Foto: Spencer Platt/AFP

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ, na sigla em inglês) e advogados-gerais de 11 Estados americanos, todos comandados pelo Partido Republicano, abriram nesta terça-feira, 20, um processo contra o Google, acusando a gigante americana de abusar de sua dominância no mercado de buscas. Em um texto de 64 páginas, o governo americano acusa a empresa de utilizar acordos comerciais para evitar que concorrentes se estabeleçam no mercado, em um processo que é o maior caso de concorrência desleal no setor de tecnologia desde os anos 1990.

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Mais do que isso, o processo puxa a fila do que pode ser uma sequência de casos do governo dos EUA contra as gigantes de tecnologia, em uma reação bipartidária ao poder das empresas do setor – além do Google, Apple, Amazon e Facebook estão sob a mira de legisladores e reguladores nos EUA. Há duas semanas, a Câmara dos Deputados americana encerrou uma investigação de 15 meses sobre as quatro empresas e comparou seu monopólio no mercado ao dos barões do petróleo do século XX. Apesar de seu escopo, porém, é difícil prever quais serão as consequências do processo para a gigante de buscas e o setor de tecnologia como um todo. 

O processo

Segundo o Departamento de Justiça, o Google se favoreceu de acordos bilionários com fabricantes de celulares, navegadores de internet e até mesmo rivais como a Apple para posicionar o seu buscador como padrão em produtos para o mercado. "A posição do Google é tão dominante que o nome da empresa não identifica apenas a companhia e seu motor de buscas, mas virou um verbo que significa 'buscar na internet'", diz o DoJ, no texto do processo. 

Além disso, o governo americano afirma que a empresa também se favoreceu de sua dominância para faturar no mercado de publicidade digital – área de onde vem quase todo o lucro da Alphabet, holding que controla o Google. Em 2019, a empresa ganhou US$ 34 bilhões. Em resposta, a gigante de buscas afirmou que o processo é falho. “As pessoas usam o Google porque querem, não porque são forçadas ou porque não conseguem encontrar alternativas”, escreveu Kent Walker, vice-presidente sênior de assuntos globais do Google, em comunicado publicado no site da empresa. 

É um ponto válido: as leis de antitruste dizem apenas que há violação se o contrato entre duas empresas exclui competidores – o que ainda deverá ser julgado neste caso. No entanto, para especialistas, o processo servirá também como um teste se as leis atuais são capazes de dar conta da complexidade do mundo digital. “É preciso ter cuidado neste caso porque, de um lado, não se pode permitir práticas anticompetitivas, mas do outro não se pode interferir no mercado a ponto de prejudicar a inovação”, diz Pedro Paulo Salles Cristofaro, professor de direito da concorrência na PUC-RJ. 

Consequências

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Questionado sobre quais remédios o governo americano pretende adotar, Ryan Shores, oficial do Departamento de Justiça, disse que “nada está fora da mesa, mas que esse assunto é melhor resolvido nos tribunais, com todas as evidências”. Na ação, o DoJ afirma que os consumidores americanos foram feridos pelas ações do Google e busca “alívio estrutural para causar os danos” – um jargão do setor para a venda de um ativo. 

Para o mercado, a sensação é de que o processo não deve ter consequências tão graves – a ponto das ações da Alphabet terem fechado o dia com alta de 1,4% na bolsa de valores Nasdaq. Hoje, vale lembrar, a companhia está avaliada em US$ 1,06 trilhão, sendo a quarta maior empresa americana em valor de mercado. Em nota a investidores, Mark Shmulik, analista da corretora Sandford C. Bernstein, vê “risco limitado” para o Google no caso. 

Na visão de Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio), a expectativa é de um caso que se arraste por anos, com grandes chances de terminar em um acordo e algumas sanções à empresa. “É uma ação importante, mas não parece que será o caso que vai mudar a concorrência na área de tecnologia de forma significativa”, diz o especialista. Ele lembra que houve poucas alterações no mercado após casos semelhantes – na União Europeia, o Google enfrentou três grandes processos de concorrência, com multas cujo valor somado ultrapassa os € 8 bilhões, mas não perdeu espaço. 

Souza diz ainda que o caso deve ter repercussões limitadas aqui no Brasil – apesar de ser comum a prática de transposição de casos antitruste entre países, será preciso considerar as particularidades do mercado brasileiro de tecnologia. “Um dos pontos mais fortes do processo é o acordo entre o Google e Apple. Aqui, esse acordo tem um impacto mínimo porque o iPhone não é popular no Brasil”, diz o diretor do ITS. “Por outro lado, o Android tem uma posição dominante no mercado, mas é preciso entender se isso causa danos. Uma ação antitruste, antes de tudo, visa entender se o sistema está quebrado para determinar um conserto.” 

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