Rede de satélites da Amazon aumenta as preocupações dos astrônomos

Os satélites criam problemas para as observações do céu; falta de regulamentação dificulta solução do problema

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Por Becky Ferreira
Atualização:
Satélites da SpaceX são visto iluminado o céu da Dinamarca em abril; empresa dá uma prévia do que aparelhos da Amazon também poderão causar Foto: Reuters

Bem-vindo à era das mega-constelações de satélites. Dentro de alguns anos, vastas redes contendo centenas, até milhares, desses aparelhos transformarão a órbita terrestre no futuro.

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Muita atenção foi dada aos lançamentos das redes de satélite da SpaceX e da OneWeb, mas o foco agora tem sido na Amazon. No mês passado, a Comissão Federal de Comunicações aprovou pedido feito pela companhia para lançar seu Project Kuiper de satélites, que, como o Starlink da SpaceX e a rede da OneWeb, visa ampliar o serviço de internet de alta velocidade para clientes em todo o mundo, incluindo comunidades isoladas que são prejudicadas por uma persistente divisão digital.

A constelação Kuiper, da Amazon consistirá de 3.236 satélites, um número maior do que os aproximadamente 2.600 já em órbita. Mas o hardware da Amazon tem ainda um longo caminho até seu lançamento. A SpaceX já colocou centenas de satélites na sua constelação Starlink, incluindo outros 57 lançados no dia 7. E a empresa pode ampliá-la para 12 mil ou mais. Facebook e Telesat também pretendem entrar nessas operações de constelação de internet.

O rápido fluxo de satélites entrando na órbita terrestre baixa provocou uma reação dos astrônomos profissionais e amadores. Os satélites Starlink são conhecidos por destruírem imagens astronômicas com riscos brilhantes, prejudicando a qualidade e reduzindo o número de dados que os cientistas coletam para pesquisa. Embora a SpaceX planeje mitigar os efeitos dos seus lançamentos sobre as observações astronômicas, os cientistas e amadores se preocupam com a falta de regulamentação dessas constelações uma vez que novos interessados estão entrando na área, como o caso da Amazon e seu Project Kuiper.

“Não temos nenhum tipo de diretriz para o setor”, disse Michele Bannister, astrônoma na Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia. “Não temos um arcabouço de regras com diretrizes claras para o setor. Honestamente, acho que é como colocar um monte de aviões no céu e não haver um controle de tráfego aéreo”.

Problema contínuo

Desde que o primeiro grupo de satélites Starlink foi lançado em maio de 2019, muitos observadores do céu lamentaram o seu brilho intenso refletido. A poluição luminosa é particularmente pronunciada quando os satélites são recém colocados e se dirigem para suas órbitas operacionais. Neste ponto estão perfeitamente posicionados para captar a luz do sol ao amanhecer e ao anoitecer, destruindo astrofotos e observações telescópicas. O Starlink precisa ser realimentado constantemente com novos satélites, de modo que este será um problema contínuo.

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“Muitos observatórios, na verdade, começam a funcionar antes do amanhecer”, disse Julien H. Girard, cientista do Instituto de Ciência Telescópica Espacial, em Baltimore. “Começamos a coletar dados quando o céu não está totalmente escuro, especialmente nos comprimentos de onda infravermelho e quase-infravermelho.

Os satélites criam mais problemas para as observações de amplo espectro quando são pesquisadas regiões extensas do céu noturno de uma só vez. O movimento dos satélites pode obstruir os alvos de observação ou saturá-los de luz. Os astrônomos usam software para remover esses traços dos satélites até certo ponto, mas não conseguem reparar completamente as imagens.

“Não há dúvida que a comunidade de astronomia consegue fazer ciência com a presença dessas constelações, mas é uma sobrecarga”, disse Girard.

Satélites da SpaceX flagrados pelo telescópio Blanco 4 e Cerro Tololo noChile em2019 Foto: The New York Times

“Até agora os astrônomos têm prestado mais atenção ao Starlink porque a SpaceX foi a primeira empresa a lançar um grande volume de satélites. A constelação da OneWeb representa um outro tipo de problema por causa da altitude da sua órbita. Seu futuro é incerto, uma vez que a empresa entrou com pedido de recuperação judicial e já há rumores de aquisição.

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Mas agora que a Amazon teve seu pedido aprovado pela agência federal de comunicações, os satélites da Starlink terão companhia, em órbita e nos debates, sobre os efeitos dessas redes sobre a astronomia.

“Kuiper facilmente terá muito impacto tanto na astronomia ótica como na radioastronomia do mesmo modo que outras constelações de satélites”, disse Jeff Hall, diretor do Lowell Observatory no Arizona e chairman do Committee on Light Polution da Sociedade Americana de Astronomia.

A constelação da Amazon terá um número bem menor de satélites comparado com a Starlink, mas eles serão instalados em três órbitas, todos em altitude maior do que a rede da SpaceX.

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“Essas órbitas mais altas na verdade serão mais problemáticas para as imagens astronômicas porque basicamente ficarão visíveis por mais tempo”, disse Michelle Bannister.

“As empresas não publicam qual deve ser a reflectância dos seus satélites e assim é difícil ter uma referência”.

Sem solução

Embora essas preocupações sejam expostas, não existe nenhuma maneira óbvia de conter, ou retardar, o desenvolvimento dessas mega-constelações.

“Uma das questões mais problemáticas é o fato de não existir nenhuma prevenção legal para os céus noturnos”, disse Chris Newman, professor de Legislação e Política Espacial na Universidade Northumbria, no Reino Unido.

Com centenas de satélites da Starlink e OneWeb já lançados e milhares a serem colocados em órbita nos próximos anos, os astrônomos têm intensificado a pressão para obter um acordo que funcione com as empresas. As decisões tomadas hoje afetarão os céus por décadas.

No momento, isso significa debater uma noção de céu noturno clara e segura que se basearia em mecanismos voluntários.

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Em resposta às preocupações com a poluição luminosa, a SpaceX vem realizando experiências com uso de películas escuras e para-sóis para seus satélites.

Representantes da Amazon e SpaceX, e também da consultora da OneWeb, participaram de um recente workshop realizado pela AAS e a Fundação Nacional da Ciência. Um relatório resumindo os resultados e recomendações do encontro será publicado daqui a algumas semanas. Mas a Amazon já declarou seu desejo de trabalhar com os astrônomos.

Mas muitos astrônomos e defensores do céu noturno desejam um enfoque regulatório robusto para essas questões.

“Acho que a única maneira real de seguir adiante é se os órgãos reguladores nacionais tomarem parte no processo de licenciamento para as empresas de satélites instalarem suas constelações levando em conta as necessidades da astronomia baseada em terra”, disse Newman. “Acho que isso é bem possível e não vai exigir ajustes excessivos da parte das empresas”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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