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Regulação antiga coloca em risco presente e futuro das operadoras

Com quase duas décadas, a Lei Geral de Telecomunicações foi eixo da discussão entre operadoras e governo na Futurecom 2015

Por Bruno Capelas
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Werther Santana/Estadão

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O Brasil precisa de uma nova regulação para o setor de telecomunicações – pelo menos, é o que acreditam as operadoras. Durante a Futurecom 2015, evento que reuniu as principais empresas do setor de TI e telecomunicações na última semana em São Paulo, as mudanças na Lei Geral de Telecomunicações e no modelo de concessão da telefonia fixa foram o principal assunto debatido pelas teles, Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e Ministério das Comunicações.

A discussão ganhou força em 2015: mais do que representar um cenário que já não corresponde mais à realidade, a regulação antiga gera altos custos para as operadoras. O resultado é um sistema que reduz a capacidade de investimentos em banda larga fixa e móvel e freia a inovação, necessária para que os negócios sigam no futuro.

Leia também:‘O mercado não pode ser o Muro das Lamentações’, diz presidente da AnatelConfira a cobertura completa da Futurecom 2015

Aprovada em 1997, ainda no governo FHC, a Lei Geral de Telecomunicações definiu as regras para o setor após a privatização e trouxe muitos benefícios à população. Naquela época, quem quisesse ter uma linha de telefone enfrentava madrugadas em filas intermináveis e tinha que pagar o equivalente a US$ 1 mil. A entrega do bem, que precisava ser declarado todo ano no Imposto de Renda, podia demorar mais de um ano.

O cenário parece arcaico nos dias de hoje, em que um telefone fixo é instalado em uma residência em até sete dias e chips de celular são vendidos até em estações de metrô. “Um marco regulatório que dura quase 20 anos é muito bem-sucedido, mas agora precisa mudar”, disse Rodrigo de Abreu, CEO da TIM Brasil, durante o evento.

A principal interessada na atualização do marco regulatório é a Oi. Com uma dívida bruta de R$ 51,3 bilhões, a empresa – que é uma das operadoras que têm concessão de telefonia fixa no País – alega que as obrigações impostas reduzem sua capacidade de investimento.

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Responsável por atender 97% do território nacional, a Oi precisa garantir atendimento em áreas remotas, além de manter telefones públicos, os “orelhões”, cuja receita cai ano a ano. “O modelo atual [de concessão da telefonia fixa] está esgotado e precisa ser modernizado”, disse o presidente da Oi, Bayard Gontijo, em seu painel na Futurecom.

Assim como a Telefonica/Vivo, concessionária de telefonia fixa no Estado de São Paulo, a empresa também enfrenta o problema dos bens reversíveis. Quando o governo privatizou as telecomunicações, a infraestrutura de rede foi cedida para as operadoras, sob a condição de que elas devolvessem esses bens à União ao fim do contrato. Hoje, a Oi tem cerca de 7 mil imóveis pelo Brasil – a maioria deles, inativos –, mas não pode se desfazer deles pela indefinição sobre quais são reversíveis.

Na Vivo, a discussão afeta a instalação da rede de fibra óptica. “Para nós, a fibra não é [bem reversível]. Não vou parar de investir, mas é injusto com as operadoras”, disse Amos Genish, diretor-presidente da Vivo. O governo só vai decidir quais bens devem ser devolvidos à União em 2022, ao término dos contrato de concessão.

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Para a TIM, que tem baixa presença na telefonia fixa, a mudança no marco regulatório é crucial para permitir novos negócios. “Qualquer oportunidade com telefonia fixa implica investimentos grandes e precisa de marco regulatório atualizado”, disse Marco Patuano, presidente-executivo da Telecom Italia, grupo que controla a TIM Brasil. Para analistas, essa seria uma das condições que permitiriam a fusão da TIM com a Oi. Na última quinta-feira, o conselho administrativo da Oi aprovou uma proposta do fundo russo Letter One, que quer injetar US$ 4 bilhões na empresa apenas se a fusão vier a acontecer.

Durante a Futurecom, o presidente da Anatel, João Rezende, se mostrou favorável às mudanças no marco regulatório. Caso elas ocorram, a Anatel ainda assim terá meios para garantir a oferta dos serviços. Ele lembra que a telefonia móvel adota um modelo diferente das concessões: ao comprar novas faixas de frequência em leilões, as operadoras assumem compromissos de ampliação da cobertura, o que inclui áreas remotas.

Transição. Outro fator que fez a discussão sobre o modelo de concessão esquentar na Futurecom é o momento atual das operadoras. Segundo dados da Teleco, a receita dessas empresas com dados superou a receita com voz pela primeira vez nos primeiros seis meses de 2015. As operadoras faturaram R$ 33,6 bilhões com os serviços de banda larga fixa, móvel e TV por assinatura e R$ 32 bilhões com chamadas de voz, em telefones fixos e celulares. “Elas estão em um processo de transformação”, diz o presidente da Teleco, Eduardo Tude.

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Os números refletem uma mudança profunda no comportamento dos consumidores: com a febre dos smartphones, o uso de aplicativos móveis ganhou força, em detrimento das chamadas e do SMS.

Segundo a consultoria Deloitte, 7 em cada 10 brasileiros que têm smartphone usam apps de mensagens instantâneas, como WhatsApp e Viber – empresas de serviços over-the-top (OTT). Além disso, 35% dos donos de smartphone fazem chamadas de voz pela internet (VoIP). “É uma alternativa mais barata”, diz Márcia Ogawa, líder de mídia, tecnologia e comunicação da Delloite. Se a discussão a respeito do marco regulatório representa, de certa forma, um embate das operadoras com o passado, a discussão que norteia o futuro é como competir com as OTTs.

Com a queda de uso da telefonia fixa e móvel, as operadoras anteveem um futuro em que oferecerão apenas banda larga, seja fixa ou móvel. O serviço, porém, se torna cada dia mais oneroso, dado o aumento exponencial no consumo de dados; por outro lado, a alta demanda derruba o preço do serviço. Investir no segmento over-the-top pode ser o caminho para uma nova fonte de receita.

A concorrência já causa dor de cabeça para as operadoras. Primeiro executivo a se levantar contra o WhatsApp, Amos Genish, da Vivo, pede “regras iguais para todos”. “Isso não significa que queremos que a Anatel regule as OTTs. É hora de repensar o modelo”, disse ele, dando a entender que o setor precisa ser desregulado para inovar.

Para Leandro Baghdadi, diretor de comunicações da Ericsson, a rivalidade entre operadoras e apps é aparente – eles estimulam a compra de smartphones e planos de dados. “O que existe hoje é um desequilíbrio, porque há uma diferença entre as obrigações”, afirma Baghdadi. Neste contexto, a desregulação é vital para que as operadoras pensem no futuro. “A lei precisa ser flexível para que as operadoras criem ecossistemas de inovação. Esse é o caminho.”

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