‘Sucesso do voo de Jeff Bezos não impacta Elon Musk’, diz autor de livro sobre a Amazon

Brad Stone afirma que a Blue Origin ainda precisa avançar em voos orbitais para causar algum impacto na SpaceX

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Por Giovanna Wolf
Atualização:
Jeff Bezos viajou para o espaço nesta terça Foto: Joe Skipper/Reuters

O sucesso do primeiro voo tripulado da Blue Origin, que teve seu fundador Jeff Bezos como passageiro, foi motivo de comemoração nesta terça-feira, 20 – quando a cápsula da New Shepard tocou o chão do Texas, o fundador da Amazon estourou uma champanhe ao lado dos funcionários de sua empresa de exploração espacial. Esse clima de festa, porém, é uma novidade: no livro Amazon sem Limites, o editor da Bloomberg News Brad Stone conta que durante anos a Blue Origin foi vista como uma retardatária no império de conquistas do homem mais rico do mundo. 

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O livro, lançado recentemente pela Editora Intrínseca no País, revela que Bezos chegou a fazer uma série de almoços com executivos da Blue Origin ao longo de 2016 para discutir os problemas internos e atrasos da companhia, que vivia na sombra de sua rival SpaceX. Enquanto a empresa de Elon Musk avançou ao ponto de lançar astronautas em órbita no ano passado – um feito inédito para uma companhia privada – a New Glenn, nave da Blue Origin de viagem orbital, enfrentava dificuldades para voar. A primeira viagem com o veículo estava prevista para este ano, mas foi adiada para o final de 2022 após a empresa de Bezos perder um contrato com o Pentágono.

Na visão de Stone, apesar de o voo desta terça ter suprido o sonho de Jeff Bezos de ir para o espaço, a Blue Origin ainda tem um longo caminho a percorrer para causar algum impacto na SpaceX. “Eles precisam mostrar sucesso com a New Glenn para afetar a SpaceX de alguma forma”, afirma ele, que também é autor de A Loja de Tudo (Editora Intrínseca), outro livro sobre a Amazon publicado em 2014. 

Em entrevista por videoconferência ao Estadão, Brad Stone falou sobre os planos da Blue Origin, os diferentes lados de Jeff Bezos e o futuro da Amazon sem o bilionário no comando. A seguir, os melhores momentos da conversa.

Brad Stone, autor de Amazon sem Limites Foto: David Paul Morris

No livro, o sr. descreve que, em 2016, a Blue Origin trazia dores de cabeça para Bezos. Agora, a empresa realizou com sucesso seu primeiro voo tripulado. O que mudou neste meio tempo?

Não sei se a Blue Origin realmente resolveu algumas de suas disfunções internas. A empresa certamente não tem muito a mostrar: o foguete orbital New Glenn está atrasado e também houve perda de contratos para a SpaceX, incluindo o de viagem à Lua. A Blue Origin ainda tem muito a provar. É difícil ver esta viagem como uma verdadeira virada para a companhia. A ideia por trás da New Shepard é criar um negócio de turismo espacial. A Blue Origin ainda está há anos de distância de ser capaz de entregar viagens repetidamente, com regularidade e segurança. Como evidência disso eu aponto o fato de a cápsula New Shepard ter seis assentos, mas só quatro terem sido ocupados – eles ainda não são capazes de testar a capacidade total da espaçonave. É um momento interessante, supre o sonho do Bezos de ir para o espaço, mas ainda não parece que a Blue Origin consiga operar como a SpaceX. 

A viagem marca um novo momento para a Blue Origin?

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O futuro da Blue Origin não é a New Shepard, e sim a New Glenn e programas orbitais. A empresa precisa se provar como fornecedora para o governo dos Estados Unidos e também para outros parceiros comerciais ao redor do mundo. A Blue Origin tem perdido contratos com a Nasa. Ela precisa terminar a New Glenn e começar a competir para ganhar alguns desses contratos. O futuro para a Blue Origin não é ser apenas um projeto que Jeff Bezos está financiando, mas uma empresa como a SpaceX, que é independente e pode avançar por conta própria. 

Que mensagem a viagem da Blue Origin deixa para sua rival SpaceX?

A Blue Origin foi fundada antes da SpaceX, mas ao longo do tempo Jeff Bezos acabou acelerando suas ambições por causa da rival. O sucesso da Blue Origin com esse voo não impacta a SpaceX e o Elon Musk em nada. São negócios diferentes: é um segmento de voo suborbital, e ainda faltam resultados para a Blue Origin conquistar contratos com viagens orbitais e missões para Lua e Marte. De novo, eles precisam mostrar sucesso com a New Glenn para impactar a SpaceX de alguma forma.

Foi uma surpresa Jeff Bezos embarcar neste voo?

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Fiquei um pouco surpreso porque pareceu um risco. Foi a primeira viagem da New Shepard com humanos, o que é um voto de confiança extraordinário no time dele e na nave. Sei que eles testaram dezenas de vezes, mas ele entrou em um foguete, e foguetes são perigosos. Fiquei surpreso que ele aceitou esse risco tão pessoal de ser o primeiro passageiro da nave. Ele esperou e deixou o cargo de CEO na Amazon antes de viajar: claramente havia um sentimento de que a ideia não seria bem recebida por investidores da empresa se ele viajasse ainda como CEO. 

O sr. conta que Jeff Bezos mudou ao longo dos últimos anos: deixou de ser só um “nerd” para se tornar um grande CEO, empreendedor de exploração espacial, monopolista, inimigo dos pequenos negócios, entre outras coisas. O que explica essa mudança?

Acho que ele é naturalmente curioso e gosta de ter novas experiências. E o mundo se abriu para ele: o sucesso da Amazon e o crescimento de sua riqueza foi como um “passe livre” para novas experiências. A compra do Washington Post foi uma prova disso – e essa aquisição levou Bezos a conflitos inesperados com a administração Trump, por exemplo. Ele também começou a ser convidado e, inclusive, a promover festas anuais de Hollywood. Ao passo que seus olhos se abriram para um mundo maior, Bezos começou a gostar desse estilo de vida – e por causa disso deixou de ser uma pessoa obsessivamente focada na Amazon.

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Como essa mudança de Bezos impactou a Blue Origin?

Ao se tornar o homem mais rico do mundo, ele passa a ser mais um visionário e inventor do que um operador de uma empresa de varejo. Ser um pioneiro do espaço era importante para ele – e Elon Musk o eclipsou. Eu descrevo no livro como Bezos aumentou as ambições e a urgência na Blue Origin em grande parte para bater de frente com a SpaceX. 

Daqui para frente, sem a Amazon, devemos ver um Jeff Bezos mais preocupado com exploração espacial e filantropia?

Acho que sim. A saída dele como CEO indica que ele passará mais tempo em outras coisas. E ele fala da Blue Origin como o trabalho mais importante que está fazendo – também está dedicando US$ 10 bilhões e boa parte de seu tempo para o Bezos Earth Fund, de combate à mudança climática. 

A saída de Jeff Bezos é uma forma de a Amazon melhorar sua imagem? 

É provável. Quando Bezos fala em nome da Amazon – em um depoimento diante de reguladores, por exemplo – ele carrega muita bagagem. É a pessoa mais rica do mundo, que personifica a desigualdade de renda. E, verdade seja dita, Bezos é a mente por trás de várias políticas da Amazon, de táticas de negócio e do tipo de relação com os funcionários dos centros de distribuição. Andy Jassy representa uma figura completamente diferente: ele é mais humilde e não é a pessoa mais rica do mundo. Jassy também tem um pouco mais de credibilidade porque não é o responsável pela forma como a Amazon operou nos últimos anos. 

O que podemos esperar desse novo momento da Amazon com Andy Jassy como CEO?

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Devemos ver uma companhia que não estará em luta constante. Será uma Amazon que não lutará contra regulações, mas sim concordará mais com as mudanças, a fim de conseguir conquistar de volta a simpatia que perdeu nos últimos anos. 

Qual foi a diferença de escrever um livro sobre a Amazon em 2014 e agora em 2021?

Comecei a escrever A Loja de Tudo em 2011. Naquele momento, a Amazon era disruptiva, mas apenas em pequenos espaços da economia. As pessoas falavam muito de Google, Facebook, Microsoft e Apple, enquanto a Amazon de alguma forma ficava em segundo plano – era uma empresa reclusa e sua sede ficava em Seattle (e não no Vale do Silício). Além disso, apesar de a Amazon entregar novidades como o Kindle, as pessoas a enxergavam muito mais como uma empresa da primeira geração da internet. Quando comecei este novo livro, apenas cinco anos depois, o cenário mudou completamente. A forma como a Amazon estava transformando a indústria de livros passou a impactar toda a economia. A Amazon se tornou uma das companhias mais dominantes do mundo, e Jeff Bezos se tornou provavelmente o CEO vivo mais famoso do mundo. E também foi se tornando um CEO controverso. 

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