'Uber chinês' compra a startup brasileira 99

Didi Chuxing, gigante dos aplicativos de transporte, vai adquirir 100% da startup brasileira, que vale entre US$ 800 milhões e US$ 1 bilhão

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Por Claudia Tozzeto e Carolina Ingizza
Atualização:
Do outro, o aplicativo de transportes 99. Lançado como um rival da EasyTaxi, a 99 conseguiu crescer e se adaptar aos novos tempos do transporte urbano, sendo um rival à altura para o Uber no Brasil.Além disso, recebeu duas das maiores rodadas de investimento da história no País, de nomes como SoftBank e Didi Chuxing. Foto: Reuters

Seis anos depois que o paulistano Paulo Veras, hoje com 45 anos, cofundou o 99, um aplicativo para pedir táxis pelo celular, ele alcançou um feito inédito: fez o negócio ficar tão grande que atraiu o interesse de um gigante, o aplicativo de transporte chinês Didi Chuxing, conhecido como ‘Uber chinês’. Segundo apurou o Estado, a chinesa vai adquirir 100% da startup brasileira, que hoje tem valor de mercado estimado entre US$ 800 milhões e US$ 1 bilhão.

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O negócio entre as duas empresas gerou frisson entre os empreendedores brasileiros, embora não tenha sido anunciado oficialmente. A 99 afirmou em nota que não comentaria o assunto. “A respeito de informações de mercado publicadas pela imprensa, a 99 informa que se manifestará em momento oportuno”, disse a empresa.

O acordo ainda não foi anunciado porque os termos ainda não foram finalizados. Segundo fontes próximas às empresas, a Didi Chuxing já tinha uma fatia de quase 50% do aplicativo brasileiro, depois que investiu mais de US$ 100 milhões em uma rodada de investimento no primeiro semestre do ano passado. Na mesma rodada, o grupo japonês SoftBank – dono da operadora norte-americana Sprint – também investiu outros US$ 100 milhões.

Com a aquisição do controle da companhia, o SoftBank e os outros fundos que estão há anos com a 99 deixam de ser acionistas. Entre eles estão Riverwood Capital, Monashees, Qualcomm Ventures e Tiger Global. Ainda não está claro qual será o papel dos cofundadores do futuro do aplicativo de transporte – além de Veras, a lista inclui Renato Freitas e Ariel Lambrecht, que seguem como diretores na companhia.

Virada. O 99 começou a operar em 2012 como um aplicativo exclusivo para táxis. Mas, quando o norte-americano Uber chegou ao País, a empresa foi obrigada a mudar de planos: começou também a operar um serviço de carona para competir com o rival, o 99POP. Hoje, seu aplicativo tem mais de 200 mil motoristas e 14 milhões de passageiros registrados.

“A 99 fez uma virada muito rápida para competir com o Uber no mercado nacional”, diz Maurício Benvenutti, sócio da StartSe, plataforma que conecta startups e investidores. “A aquisição da Didi confirma o sucesso dessa mudança e o Veras com certeza foi um dos responsáveis.” Desde 2016, Veras é presidente do conselho da 99 e a operação é liderada por Peter Fernandez.

Para Felipe Matos, empreendedor e autor do livro 10 mil startups, a transação “vai colocar muito dinheiro no caixa de Veras”. Contudo, não é isso que realmente deve fazer a diferença para o empreendedor, que fundou outras três startups antes da 99 – o guia de cidades Guidu, a plataforma de compras coletivas Imperdível e a plataforma de vídeos corporativos Pixit. “O Veras sempre colocou seus negócios à frente”, diz Matos. “Ele sempre foi mais de fazer do que de falar.”

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Consolidação. Com a compra da startup brasileira 99 pela Didi Chuxing, conhecida como o ‘Uber chinês’, o mercado de transporte por aplicativos brasileiro caminha para uma consolidação. O Uber, que opera no País desde 2014, segue como líder, mas a Cabify perde espaço para a 99, que com o dinheiro e experiência da rival chinesa, se torna uma concorrente à altura do rival norte-americano no Brasil.

“A Didi está fazendo aqui o mesmo que já fez na Europa, Ásia e Estados Unidos: investido em concorrentes do Uber”, diz Benjamin Rosenthal, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). No passado, a companhia chinesa já investiu na 99, mas também no serviço de transporte por aplicativo indiano Ola e no norte-americano Lyft, principal concorrente do Uber nos EUA.

A compra da brasileira pela empresa chinesa já era esperada por fontes do mercado. Para Pedro Waengertner, cofundador da aceleradora Ace, é normal que um investidor faça uma compra meses depois de um investimento desse porte. “A aquisição não me surpreendeu em si, mas ela foi mais rápida do que eu imaginava”, diz.

A compra da 99 foi possível graças a mais recente rodada de investimentos da Didi, encerrada em meados de dezembro. A empresa recebeu US$ 4 bilhões de um grupo liderado pelo fundo estatal de Abu Dhabi, Mubadala Capital. Segundo a empresa, os recursos seriam usados para sua expansão global e para pesquisas em inteligência artificial. “Certamente esse dinheiro levantado foi usado na compra e será investido na 99”, comenta Rosenthal.

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Em termos globais, a aquisição também se justifica. A 99 conseguiu bater de frente com o líder global no Brasil e acelerou a expansão no último ano, o que elevou sua posição na cena global de startups. Além disso, segundo o empreendedor e autor do livro 10 mil startups, Felipe Matos, a aquisição mostra a força que a China deve ter no ecossistema global de startups nos próximos anos. “A China deixou de ser o país que só copia para virar uma potência”, diz. “Hoje, há mais investimento de capital de risco lá do que no Vale do Silício.”

No cotidiano dos brasileiros, os efeitos serão mínimos a curto prazo. Com o tempo, contudo, espera-se que a consolidação do mercado faça a 99, sob o comando de Didi, e o Uber dominuirem a “guerra de preços”. Para os usuários, isso vai resultar em um serviço mais caro. “A consolidação de um mercado não favorece os consumidores, que costumam pagar mais caro pelos serviços”, afirma Rosenthal.

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